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STF não tem competência para instaurar inquéritos policiais de ofício

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Por Alexandre Langaro
Atualização:
Alexandre Langaro. Foto: ARQUIVO PESSOAL

  1. A Constituição federal, art. 102, caput, I, declara que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente [...]. Processar e julgar são, portanto, as palavras de ordem -- os verbos-comandos, as palavras-chave, as ideias-força dos preceitos normados constitucionalmente. Atente-se, repita-se, para os vocábulos processar e julgar a que se refere a Constituição federal -- a Lei Maior, a Lei das Leis, a Lei Máxima, a Lei Suprema ou a Suprema Lei das Leis.

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  1. Nesse sentido, sem adentrar inicialmente nos campos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, do Direito Penal, do Direito Processual Penal, abordar-se-á a questão da [in] competência do Supremo Tribunal Federal, sob o ângulo estritamente constitucional, para, de ofício, instaurar inquéritos policiais.

  1. É dentro desse contexto especial e específico, constitucional, normativo, mandamental, que se articula, data venia, que o Supremo Tribunal Federal é incompetente para, de ofício, instaurar inquéritos policiais. Tal e como se o fez no tocante aos Inquéritos 4.781/DF e 4.874/DF -- fake news e milícias digitais.

  1. A Constituição federal tem como postulado primeiro, principal, cardinal, fundamental, o postulado do Estado Democrático de Direito. Estado Democrático de Direito previsto, propositadamente, desde o preâmbulo constitucional -- Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático [sem o destaque no original].

  1. As demais normas, valores, princípios, direitos e garantias constitucionais decorrem diretamente do postulado do Estado Democrático de Direito -- o balizador maior, o continente. Postulado do Estado Democrático de Direito lógica, jurídica e topograficamente previsto logo no caput do artigo 1º da Constituição federal: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [sem o destaque no original] e tem como fundamentos [...]. O que vale por dizer, metaforicamente, que o postulado do Estado Democrático de Direito -- ou da República, em sentido estrito -- é o copo; as demais normas, valores, princípios, direitos e garantias constitucionais são a água, ou seja, o conteúdo. Há, decerto, uma relação de adequação, e de imbricamento, que se estabelece, naturalmente, de continente para conteúdo e vice-versa. Assim como desbravadora e paradigmaticamente revelado pelo psicanalista britânico, pioneiro em dinâmica de grupo, Wilfred Ruprecht Bion.

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  1. Nesse sentido, no Estado Democrático de Direito, a Constituição federal manda, dirige, governa e administra os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Irrompe daí os deveres que tocam à administração pública direta e indireta. Administração pública direta e indireta, diz o caput do art. 37 da Constituição federal, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios [que] obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Pondere-se que o verbo obedecer está escrito no imperativo. Arredando, por isso mesmo, pela força imperativa, pelo poder eficacial natural e pela autoridade inexorável das normas constitucionais, a possibilidade de se transigir ou de, no ponto, se dispor.

  1. Do texto imperativo das normas constitucionais, extrai-se do art. 144 da Constituição federal, que é atribuição da polícia federal e das polícias civis -- a quem incumbe a função de polícia judiciária -- e não do Supremo, apurar as circunstâncias, a materialidade e a autoria das infrações penais. 

  1. A interpretação sistemática do texto constitucional -- e, no ponto, merece destaque que o jusfilósofo do Direito alemão Rudolf Stammler ensinava que quem aplica um artigo do Código, aplica o Código todo -- é conducente à conclusão de que o Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário, guardião essencial da Constituição, não tem competência para de ofício instaurar inquéritos policiais. Isso sem falar, por exemplo, dentre outros, nos postulados do devido processo legal, do juízo natural -- conteúdos balisares do continente Estado Democrático de Direito. 

  1. Nem se invoque que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal atribuiria competência para o STF -- que não é autoridade policial, a quem cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial -- instaurar, de ofício, inquéritos policiais. Esse mau vezo merece glosa intensa, vigorosa e imediata. Dado que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal tem de ser interpretado a partir das normas constitucionais -- e não o contrário. Tendo em conta o sistema do ordenamento jurídico-constitucional. Vide, no particular, a Teoria Piramidal de Kelsen.

  1. Não se reduzem direitos humanos -- liberdades individuais, direitos fundamentais e garantias processuais pela via interpretativa. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece, no art. 29, c, que nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo.

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*Alexandre Langaro, advogado criminal, recursal, parecerista e palestrante. Autor de livros e artigos jurídicos. Articulista da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil -- Seção São Paulo e do jornal 'O Estado de S. Paulo' -- Estadão. Professor da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil -- Seccional do Rio Grande do Sul. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova York

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