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STF vai dar a última palavra sobre danos ambientais

Por Letícia Yumi Marques
Atualização:
Letícia Yumi Marques. Foto: Divulgação

O Superior Tribunal de Justiça publicou, no dia 25 de fevereiro, o seu informativo Jurisprudência em Teses n.º 119, no qual relacionou 11 teses pacificadas na corte sobre matéria ambiental. Dentre elas, o risco integral como fundamento da responsabilidade civil objetiva de reparar o meio ambiente, o reconhecimento de que a ocupação, desmatamento ou exploração de área de preservação permanente provoca inequívoco dano ambiental e a inversão do ônus da prova em ações de degradação ambiental.

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A tese de maior destaque, porém, é a imprescritibilidade da pretensão reparatória dos danos ambientais.

A prescritibilidade é a regra no Direito. Dívidas e até homicídios prescrevem. A extinção da pretensão de buscar, em juízo, o exercício de um direito é admitida no ordenamento para garantia da segurança jurídica, que assegura a paz social. O meio ambiente, porém, goza de proteção jurídica tão diferenciada que foge à regra da prescrição.

Até aqui, juristas e tribunais têm entendido que a prescrição não alcança os danos ambientais porque eles produzem efeitos ao longo do tempo, atingindo diversas gerações - os direitos difusos, dentre eles o meio ambiente, são transgeracionais, indivisíveis e ultrapassam a esfera de direitos de um único indivíduo. São essas características que deram ao direito ambiental uma lógica jurídica própria, diferente da tradicional distinção entre público e privado, que quebra paradigmas jurídicos e que, apesar de tão desafiador e inovador, ainda é pouco ou quase nada ensinado nas faculdades de Direito.

A chance de juízes que julgam causas ambientais terem estudado a matéria na faculdade é próxima de zero e essa situação não é diferente para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que, no próximo dia 28 de março, vão julgar uma pauta inteiramente dedicada ao meio ambiente. Dentre os temas, a flexibilização do licenciamento ambiental, os limites do princípio da precaução, unidades de conservação, o sacrifício de animais em rituais religiosos e, claro, a imprescritibilidade da pretensão de reparação de danos ambientais. Embora o STJ já tenha pacificado o seu entendimento, chegou a vez da suprema corte se manifestar sobre ele e, pelas regras do jogo, dar a palavra final sobre tema.

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Esse julgamento é importante porque, apesar da sólida e coerente jurisprudência construída pelo STJ nos últimos anos em matéria ambiental, o STF demonstrou há um ano, durante o julgamento da constitucionalidade do Código Florestal, que não tem a desejada familiaridade, nem habilidade com questões de meio ambiente. Quem acompanhou aquelas sessões de julgamento pode notar que a lógica da justificativa dos votos não estava, na maioria das vezes, sincronizada com o veredito. E agora, mais uma vez, a suprema corte vai se debruçar sobre temas essenciais para o direito ambiental e temas que estão diretamente relacionados com os anseios dos cidadãos brasileiros, atingidos por mais um desastre ecológico.

Diferente do STJ, que tem mostrado uma jurisprudência ousada e preservacionista, bastante alinhada com o movimento ambientalista, o STF, nas oportunidades em que se pronunciou sobre pautas ambientais, demonstrou um entendimento conservador e antropocêntrico sobre o meio ambiente, de certa forma até equilibrando interesses econômicos, culturais e de preservação ambiental.

A jurisprudência do STJ é coerente com uma visão de mundo sobre o meio ambiente, segundo a qual a natureza e vida devem prevalecer sobre os desejos humanos. Quando um recurso chega ao STJ, é possível prever o seu resultado porque o tribunal se pronuncia, de forma sistemática e reiterada, a favor da teoria do risco integral, da prevalência da norma mais protetiva ao meio ambiente, da proibição do retrocesso e afasta contundentemente a chamada teoria da reserva do possível, obrigando o Estado a executar políticas públicas ambientais independentemente de previsão orçamentária.

Concorde-se ou não com o posicionamento do STJ, ele traz segurança jurídica porque se percebe que o tribunal emprega uma lógica construída caso a caso nos últimos anos de forma harmônica. É perfeitamente possível analisar as decisões do STJ nos últimos 10 anos e perceber a evolução e aprimoramento de uma forma de aplicar o direito ambiental.

Não é possível, por enquanto, identificar, na jurisprudência do STF, uma linha de raciocínio, nem uma corrente de pensamento que represente, uniformemente, a visão da suprema corte sobre meio ambiente de forma sólida, coerente e bem fundamentada, o que pode se alterar no julgamento do próximo dia 28 de março.

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*Letícia Yumi Marques é consultora de direito ambiental em Peixoto & Cury Advogados

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