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Opinião|Tráfico de drogas. Será mesmo?

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É questão controvertida nos tribunais a possibilidade de condenação pela prática do delito de tráfico de drogas quando não há apreensão do entorpecente e o correspondente laudo toxicológico atestando a natureza da substância.

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Uma pesquisa rápida de julgados permite ver que parte dos juízes afirma que “não verificada a apreensão de drogas nos presentes autos, não se tem por comprovada a materialidade do delito compendiado no art. 33 da Lei 11.343/06″, enquanto outros entendem que “a ausência da apreensão da droga e laudo toxicológico não impedem que a materialidade do crime de tráfico de drogas seja comprovada por outros meios de provas, tais como a interceptação telefônica e a testemunhal”. O imbróglio é antigo e leva a discussões apaixonadas, muitas vezes deslocadas do seu real cerne e pautadas no equivocado lema da “guerra às drogas” e do combate ao “grande mal que assola a sociedade”.

Deixando as paixões de lado, a verdadeira questão é: será que as chamadas “provas indiretas” — como conversas interceptadas e depoimentos testemunhais —, podem fazer as vezes do laudo pericial e justificar a condenação por tráfico?

Em recente decisão, o STJ, por meio de sua 3ª Seção — órgão colegiado responsável por uniformizar o entendimento jurisprudencial em matéria penal —, disse que não. Pela voz do Min. Rogério Schietti, ficou decidido que para a configuração do crime de tráfico “é necessário que a substância seja efetivamente apreendida e periciada” (HC nº 686.312/MS).

Sem maiores rodeios, a decisão é correta e põe fim a uma discussão verdadeiramente sem sentido. Diferentemente de outros tipos penais, o artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 — que criminaliza o tráfico — é o que se denomina “norma penal em branco”, precisando ser complementado por um outro ato normativo, no caso a Portaria n.º 344/1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

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Enquanto a Lei penal apenas diz ser crime promover o tráfico de “drogas”, a Portaria n.º 344/1998 — periodicamente atualizada pela Anvisa — define a lista das “substâncias ou os produtos capazes de causar dependência” que são considerados “drogas”.

Isso significa, por decorrência lógica, que apenas há o crime de tráfico quando a prática das condutas descritas no tipo penal – “Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer” – é relacionada àquelas substâncias específicas, com aqueles componentes específicos, previstas na Portaria SVS/MS n.º 344/1998.

E como saber, na prática, se o produto efetivamente tem esses componentes proibidos? Só — e somente só — com o exame toxicológico! Uma conversa telefônica e um relato testemunhal, por óbvio, não são capazes de demonstrar a composição química de um produto.

São muitos (e mais frequentes do que se imagina) os exemplos práticos em que as “drogas” objeto do alegado tráfico não passavam de produtos lícitos, não incluídos da lista do Ministério da Saúde. O em. Min. Rogério Schietti, em seu voto, consegue apontar, por alto, a partir de simples pesquisa na internet, diversos casos reais em que as “drogas” não eram “drogas”, quer seja porque a suposta cocaína comercializada era farinha, ou porque o “tijolo de maconha” era um tijolo comum.

Assim, a exigência da apreensão e da realização de laudo toxicológico da substância representa, além de pressuposto lógico para a caracterização do crime de tráfico, regra probatória básica do princípio da presunção de inocência, que se presta a garantir que ninguém será condenado sem que demonstrada, com grau mínimo exigível de certeza, a existência da infração penal. Afinal, caso dispensada, tudo o que resta é a mera presunção de que se está lidando com “drogas”.

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Claro que a ausência de apreensão do produto não impede a responsabilização penal por outros crimes, como a associação para o tráfico. Nesse caso sim as conversas interceptadas, ou os relatos testemunhais, podem demonstrar o agrupamento de indivíduos com a finalidade de traficar drogas. São crimes e condutas diferentes que demandam, por isso mesmo, provas diferentes para sua configuração.

O ânimo punitivista ou a ferrenha política criminal de combate às drogas — equivocada, diga-se — não podem se sobrepor ao que diz a Constituição, a Lei e o próprio bom senso.

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Luiza Oliver
Advogada criminalista, mestre em Direito Penal, conselheira da OAB/SP e sócia do escritório Toron Advogados
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