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Bruno Soller analisa o comportamento do eleitor brasileiro com base em big data e pesquisa

Opinião|Como o Brasil elegeu cinco vezes o PT na Presidência sendo um país com a população mais à direita?

Descolamento da figura de Lula de seu partido amplia base eleitoral petista e alcança aqueles que se opõem a pautas identitárias caras à esquerda

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Apesar da confusão feita pelas pessoas sobre o que é ser de direita ou de esquerda, perceptível principalmente quando se realizam pesquisas qualitativas, o brasileiro em sua maioria, sempre que entrevistado, coloca-se no espectro girondino da força. Em pesquisa realizada pelo PoderData, em fevereiro deste ano, mesmo após a posse de Lula, presidente oriundo da esquerda, 28% dos brasileiros se consideram de direita, 7 pontos a mais do que aqueles que se identificam como esquerdistas.

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Essa percepção se dá de maneira mais clara quando se debruça sobre a opinião do brasileiro acerca dos diferentes temas comportamentais da sociedade. Em levantamento feito pelo mesmo PoderData, em janeiro, 46% dos brasileiros se dizem contrários ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Já, de acordo com a XP/Ipespe, 72% são favoráveis à redução da maioridade penal, 59% contrários à descriminalização do aborto e 75% refutam a liberação do comércio de drogas.

Com essa realidade de pensamento parece inconcebível que o país em nove eleições presidenciais democráticas, desde o final da ditadura militar, tenha eleito em cinco oportunidades um candidato que ocupasse a raia da esquerda no pleito presidencial. Lula, em 2002, 2006 e 2022, e Dilma, sua indicação, em 2010 e 2014, venceram a disputa pelo Planalto mesmo representando um pensamento antagônico ao da maioria do povo brasileiro. O mais interessante nisso tudo é que justamente nas camadas mais baixas da população, segmento no qual tiveram sua base absoluta de votos, reside a maior quantidade do sentimento conservador da sociedade.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante ao assumir terceiro mandato, 1º de janeiro de 2023 Foto: Wilton Júnior/Estadão - 01/01/23

Derrotado três vezes seguidas nos anos 90, Lula entendeu que não venceria uma eleição presidencial, caso não mudasse sua apresentação ao público. Essa compreensão, aliada a um excelente trabalho de recomposição de imagem, feito à época por seu marqueteiro Duda Mendonça, transformou o líder sindicalista que pregava calote internacional nas dívidas do país em um homem preocupado com as camadas mais pobres e consciente de que a crise de desemprego pela qual o país passava precisava de alguém equilibrado e com olhar especial para a justiça social. Surgiu o “Lulinha Paz e Amor”, que escreveu a Carta aos Brasileiros, desdizendo tudo que pregou anos a fio e comprometendo-se com o mercado, o símbolo maior do capitalismo.

Depois de eleito, Lula entendeu que mais do que qualquer ideologia, o brasileiro mais pobre sentia-se órfão de um político mais paternal e que o enxergasse como prioridade, ao menos nos discursos. Amparado pela lógica do varguismo e pelos grandes líderes populares que o Brasil teve, casos de Juscelino Kubitschek e até mesmo do general Médici, Lula abandonou na sua macro comunicação o discurso mais à esquerda e centrou fogo no combate à desigualdade, lançando uma série de programas sociais, como Bolsa Família, Fome Zero, Luz para Todos e Fies, que lhe renderam fidelidade desse público.

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Com o avanço das pautas identitárias no mundo, que viraram plataformas políticas dos partidos mais progressistas, Lula buscou se esquivar de ser o grande porta voz dessas agendas. Seu partido e as demais agremiações que sempre estiveram no mesmo campo ideológico do PT, assumiram essas bandeiras e carregaram o ônus de serem suas guardiãs. Lula apartou-se do PT e o resultado disso pode ser percebido quando seu partido só elegeu quatro governadores em vinte e sete possíveis e nenhum prefeito de capital nas últimas eleições.

Em 2022, ano em que Lula foi conduzido ao seu terceiro mandato presidencial, o desempenho dos partidos à esquerda nas disputas regionais foi tímido. Na Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, o PT elegeu governadores. No Espírito Santo, Maranhão e Paraíba, o PSB, partido socialista, do vice-presidente Geraldo Alckmin, saiu vitorioso, assim como no Amapá, o Solidariedade, partido fundado por sindicalistas da Força Sindical e inspirado no homônimo polonês, liderado por Lech Walęsa. Oito Estados que totalizam pouco mais de 44,5 milhões de habitantes, ou seja apenas 1/5 do Brasil.

Jair Bolsonaro durante em evento no Palácio do Planalto, em 2021; presidente perdeu reeleição para Lula em 2022 Foto: JOÉDSON ALVES/EFE - 07/10/2021

Mesmo hegemônico na esquerda, os melhores desempenhos do PT em eleições para os Estados foram em 2010 e 2014, quando elegeu cinco governadores, número que não é compatível com quem venceu tanto a Presidência da República. Desde 1989, o Brasil foi cinco vezes governado pelo PT, duas pelo PSDB e duas pelos extintos PRN (Collor) e PSL, partido pelo qual foi eleito Bolsonaro, que depois migraria para o PL. O segredo para tanto foi justamente o descolamento da figura de Lula do seu partido. Em sondagem realizada durante a eleição, o Ipespe mostrou que 10% dos brasileiros que se consideravam de direita ou centro-direita podiam votar em Lula, número importantíssimo, já que a eleição foi decidida por 0,20% dos votos.

Com o voto da esquerda garantido pela primazia do PT nesta raia e com o entendimento de que o seu eleitor mais fiel é mais conservador nos costumes, Lula, em poucas oportunidades, faz acenos à sua base ideológica e majoritariamente foca em falar sobre a economia real, aquela do bolso do brasileiro. Discute com muita perspicácia a realidade das pessoas e tem a capacidade e a oratória, aliados a um invejável carisma, que o torna uma figura acima de espectros doutrinários. O lulismo é muito maior que o petismo ou que o esquerdismo, é uma força popular que promove um fenômeno de complexa explicação: fazer com que um país conservador eleja em sua maioria das vezes a esquerda para governá-lo.

Opinião por Bruno Soller

Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.

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