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Bruno Soller analisa o comportamento do eleitor brasileiro com base em big data e pesquisa

Análise|Maioria é contra cassação de Sérgio Moro, mas fama de herói ficou no passado

Independentemente de concordarem ou não com as ações do senador, há uma ideia que que cassá-lo é invalidar uma escolha legítima popular

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Atualização:

A política brasileira é um looping de situações. Há seis anos, se alguém dissesse que Lula seria o presidente da República e Sérgio Moro, um senador em processo de cassação, ninguém acreditaria. O ex-juiz paranaense conduziu um dos processos mais emblemáticos e importantes da história da República brasileira, a Operação Lava Jato, que levou à prisão diversas personalidades do mundo político, incluindo Lula, e boa parte da nata do empresariado nacional, acabando com um dos maiores escândalos de corrupção já vistos.

Os vícios no processo e, principalmente, o ativismo político de Moro, que acabou por se tornar ministro de Estado do ex-presidente Jair Bolsonaro, e depois se aventurou no mundo eleitoral, elegendo-se senador e fazendo de sua esposa deputada federal, mudaram a percepção de parte da sociedade em relação à sua figura de quase herói nacional.

Praticamente uma unanimidade, a Lava Jato, encerrou a força-tarefa em 2021, com a aprovação de 80% dos brasileiros, segundo pesquisa Exame/Ideia, da época. Sérgio Moro liderou todas as primeiras sondagens acerca de qual ministro do governo Bolsonaro era o mais aprovado, no tempo em que ficou no executivo nacional. Em pesquisa Datafolha, do final de dezembro do primeiro ano de Bolsonaro, Moro tinha 53% de aprovação como ministro da Justiça. É interessante observar, que o resultado já era decrescente quando comparado com os números que o instituto havia trazido em abril do mesmo ano, onde 59% o aprovavam.

Sérgio Moro, senador e ex-juiz da Lava Jato Foto: Wilton Junior/Estadão

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Cogitado por muitos para ser candidato a presidência, Moro e Bolsonaro entraram em rota de colisão e o ministro mais popular do governo acabou por sair do cargo com a emblemática frase de ter que “preservar sua biografia”, já que acusava Bolsonaro de tentar acobertar investigações sobre seus filhos, ingerindo sobre a Polícia Federal, no Rio de Janeiro. Em um primeiro momento, especulou-se o mal que sua saída faria a Bolsonaro, mas o tempo mostrou que Moro era quem iria precisar do ex-presidente para conseguir sua eleição.

O embate com o bolsonarismo foi o primeiro grande revés de Moro. Em 2018, quando ocorriam as eleições nacionais, Moro, sem sombra de dúvidas, era mais popular que Bolsonaro e teria chances reais de conquistar a presidência, caso tivesse sido candidato. Um episódio, no ano anterior ao pleito, em que o até então juiz ignora o deputado Jair Bolsonaro, no aeroporto de Brasília, virou emblemático e serviu para os adversários fazerem chacota com a situação. Pesquisa IPSOS do final de dezembro de 2018, logo após o término da eleição nacional apontou que Moro era o nome mais aprovado entre as personalidades brasileiras, superando inclusive o presidente recém eleito Jair Bolsonaro.

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A força da presidência da República e a consolidação do bolsonarismo enquanto corrente ideológica e política foram mais fortes do que Moro poderia imaginar. Muitos que o aprovavam ficaram com a versão do entorno de Bolsonaro, que acusavam o ex-juiz de traição. Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro e filho do ex-presidente que tinha papel fundamental na sua comunicação, foi um dos que mais se insurgiram contra Moro, fazendo ataques ao ex-ministro nas redes sociais.

A reaproximação com Bolsonaro, em uma junção pragmática de enfrentamento ao PT e a Lula, fez com que Moro se reconciliasse com o público fiel ao ex-presidente, mas ainda sob desconfiança. Eleito senador com 33,5% dos votos, Moro quase foi superado por Paulo Martins, candidato oficial do bolsonarismo no Paraná, que atingiu 29,1% dos votantes. Mesmo assim, sua vitória e de sua esposa, Rosângela Moro, como deputada federal, por outra unidade da federação, São Paulo, foi uma grande demonstração de força na sociedade. Deltan Dellagnol, parceiro de Moro e procurador que coordenou boa parte da força-tarefa lavajatista fez mais de 5% dos votos no Paraná para deputado federal, a segunda maior votação para o cargo na história do estado.

Toda essa recuperação de imagem perante à sociedade está em vias de ruir. Dellagnol já teve seu mandato cassado e, agora, Moro é quem passa pelo crivo da justiça eleitoral brasileira para saber do seu futuro. A precificação no mercado político é de que Moro não se sustentará e novas eleições poderão ser marcadas para ocupar sua vaga. Por incrível que pareça, Michele Bolsonaro, ex primeira-dama é um dos nomes cotados para concorrer justamente na vaga que deve ser aberta por sua invalidação. Com variações entre 33 e 36%, Michele Bolsonaro lidera as sondagens feitas até agora sobre a possível eleição. Mais um dos incríveis caminhos tortuosos que a política brasileira apresenta e que são dignos de um dramalhão dos mais caricatos que possam existir.

Em pesquisa exclusiva feita pela RealTime Big Data para o blog De Dados em Dados, do Estadão, 58% dos brasileiros são contrários à cassação de Sérgio Moro. Independentemente de concordarem ou não com as ações do senador, há uma ideia que que cassá-lo é invalidar uma escolha legítima popular. O Brasil é um dos países do mundo que mais cassam mandatos conquistados nas urnas. Desde 2000, com o advento da lei que trata da compra de votos, por exemplo, 5% dos prefeitos eleitos foram suprimidos. Esses números trazem à tona ainda mais uma desconfiança com o sistema eleitoral brasileiro, que já é alvo de muitas críticas, inclusive, de parte dos eleitores que desconfiam da contabilização dos votos de maneira eletrônica.

Apesar da solidariedade da maioria dos eleitores com o senador paranaense, a pesquisa mostra também que apenas 8% dos entrevistados consideram Moro um herói nacional. Esse dado contrasta diretamente com a fase em que Moro encarcerou Lula. Em protestos realizados a favor da Lava Jato, em 2016, por exemplo, chamados de MoroBloco, brincando com o grupo carnavalesco carioca Monoblobo, camisetas com os dizeres: “Moro Orgulho Nacional”, “Somos Todos Moro”, “Eu amo Moro”, “Moro, Meu Herói” eram comuns e atores globais, como Marcelo Serrado e Susana Vieira, chegaram a participar de movimentos que endeusavam o juiz federal.

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Desgastado enquanto produto político, Moro não conseguiu sequer se viabilizar politicamente no Senado Federal para conter os ânimos daqueles que pretendem tira-lo do mandato. Sua atuação como senador é discreta, tendo protagonizado momentos em que desagradou o seu próprio eleitor como o fatídico abraço caloroso e voto favorável a Flávio Dino capturado por uma foto de seu celular, em que combina uma estratégia com um dos seus assessores para não viralizar o seu apoio à indicação do ex-ministro de Lula ao Supremo Tribunal Federal. As conversas interceptadas da Vaza Jato também ajudaram a mostrar um ativismo político de Moro, que atingiu a lógica de imparcialidade enquanto juiz.

O caso Moro, a Lava Jato, a recondução de Lula ao posto máximo da nação, são alguns pontos que mostram que se há algo imprevisível no mundo, a política brasileira é sempre um terreno fértil para esse tipo de adventício. O futuro de Moro parece estar fadado a uma derrota política, que o afastará da função em que o eleitor o colocou. Antonio Di Pietro, o homem que coordenou a Mãos Limpas, na Itália, e uma das inspirações de Moro, foi do estrelato nacional a ser mais um político comum da Itália. Seu sucesso como juiz nunca chegou aos pés de sua aventura na política. Sérgio Moro inevitavelmente terá que refletir sobre seu futuro. Di Pietro, depois das derrotas, concluiu: “fiz uma política sobre o medo e paguei as consequências.” A Moro cabe, agora, pensar mais do que seriamente sobre como poderá preservar a sua valiosa biografia.

Análise por Bruno Soller

Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.

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