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Roseann Kennedy traz os bastidores da política e da economia. Com Eduardo Barretto e Iander Porcella

‘Defender a esquerda tem muito mais charme’ para ter apoio público, diz advogado de Braga Netto

O criminalista José Luis de Oliveira Lima, que advogou para José Dirceu no mensalão, reclama do silêncio do ambiente acadêmico, das entidades de classe e da imprensa em relação às denúncias de cerceamento ao direito de defesa no atual processo da tentativa de golpe

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Foto do author Roseann Kennedy
Atualização:

A uma semana do início do julgamento do inquérito do golpe, o advogado do general Walter Braga Netto chegou à conclusão de que “defender a esquerda tem muito mais charme” para obter apoio público. O criminalista José Luis de Oliveira Lima, um dos mais prestigiados do País com acesso às cortes superiores, refere-se ao silêncio de entidades em relação às denúncias de cerceamento ao direito de defesa no atual processo dos atos golpistas.

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“Atuo há 35 anos. Eu já defendi pessoas de uma ideologia mais à esquerda, como já defendi pessoas de uma ideologia mais à direita. E esse caso me ensinou uma coisa. Você defender a esquerda é mais charmoso para a academia, para as entidades, para a própria imprensa”, afirmou em entrevista exclusiva à Coluna do Estadão. Juca, como é mais conhecido, advogou para o ex-ministro José Dirceu no escândalo do mensalão.

O criminalista reclama que não teve acesso, por exemplo, à íntegra das mensagens do celular de Braga Netto que foram usadas para determinar a prisão do general. “O gabinete, do eminente ministro relator, disse que foi disponibilizado. Mas eu afirmo que a defesa não teve todo o acesso aos autos”. Ele também se queixa da falta de prazo para a defesa analisar o conteúdo do inquérito. “É um processo de cem mil páginas”, ressaltou.

Nesta semana, Oliveira Lima vai protocolar representação no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pedindo o apoio contra a violação das prerrogativas dos advogados. Ele também não descarta recorrer a organismos internacionais.

O advogado de Braga Netto demonstra surpresa com a agilidade que o processo foi enviado para julgamento na 1ª turma, vê uma pressa inadequada, e manifesta preocupação de que o calendário esteja atrelado ao período eleitoral. “Eu acho que a Corte não tem que se preocupar com eleições no ano que vem. Eu acho que o julgamento, a pauta política não pode ter influência no julgamento dessa magnitude com essa repercussão”, observou.

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Nesta entrevista, ele ainda fala sobre o estado do general Braga Netto na prisão e responde indagações sobre o movimento bolsonarista por anistia aos denunciados por tentativa de golpe.

Confira abaixo os principais pontos da entrevista

José Luis de Oliveira Lima, advogado de Walter Braga Netto Foto: Bruno Nogueirão

Vocês estão a uma semana do julgamento. Qual vai ser a estratégia neste momento?

Esta é uma semana de estudos. Nós temos um julgamento na terça-feira [25 de março] onde as defesas irão usar a palavra por 15 minutos, para fazer um resumo do que colocaram na sua defesa preliminar. Portanto, é uma semana em que eu vou estudar o processo novamente. Para poder resumir bem nos 15 minutos e passar para os ministros do Supremo Tribunal Federal as teses que nós da defesa estamos dizendo desde o primeiro momento.

E qual é a principal sustentação de teses de vocês?

Primeiro eu quero deixar claro o respeito que eu tenho pelo Supremo Tribunal Federal. Eu advogo há 35 anos. Eu respeito a Corte, eu respeito os ministros. E respeito muito o eminente relator, o ministro Alexandre Moraes. Mas o fato de respeitar não quer dizer que eu não vou discordar. O primeiro ponto que nós falamos na nossa defesa é exatamente o cerceamento ao direito de defesa. Você imagine, é um processo de 100 mil páginas. Vou repetir esse número: 100 mil páginas. Inúmeras provas o Ministério Público só juntou quando apresenta a denúncia. Portanto, só essa confusão de documentos que o Ministério Público faz quando apresenta a sua denúncia... só por isso já basta para alegar a questão de que nós deveríamos ter mais tempo para nos prepararmos para essa tese. Mas eu vou dar um exemplo claro para você. Eu não tenho o espelhamento do celular do general Braga Netto. Eu não sei o que estava escrito, as mensagens que ele colocou, as mensagens que ele recebeu, as mensagens que ele enviou. Eu não tenho exatamente o que ele disse. Como é que eu posso exercer o direito de defesa? Como é que eu posso usar o telefone dele, as provas dele em seu favor, se isso me for negado? É um cerceamento [a um dado] básico. Como a outros que nós colocamos na nossa resposta. E eu disse isso aos ministros nas audiências que nós fomos. O gabinete, do eminente ministro relator, disse que foi disponibilizado, mas não foi disponibilizado. Eu afirmo que a defesa não teve todo o acesso aos autos. Para você ter uma ideia, o Ministério Público cita um trecho de um depoimento, de uma gravação. E aí, esse trecho dessa gravação, de fato, é disponibilizado para as defesas. Não é o Ministério Público que vai decidir o trecho que eu vou usar, que eu vou ter conhecimento. Não é a polícia que que vai decidir isso. E também não é o magistrado que diz isso. Mas a decisão é assim: ‘Olha, se contentem com isso, e é com isso que vocês vão exercer o seu direito de defesa’.

E vocês não tiveram nenhum apoio da OAB nesse questionamento por exemplo? É algo diz respeito especificamente à atuação da advocacia.

Olha, eu, como eu disse, atuo há 35 anos. Eu já defendi pessoas de uma ideologia mais à esquerda, como já defendi pessoas de uma ideologia mais à direita. E esse caso me ensinou uma coisa. Você defender a esquerda é mais charmoso para a academia, para as entidades, para a própria imprensa. Tem muito mais charme. Eu não vi até agora, para valer, uma manifestação clara da academia. Eu não vi uma manifestação clara da advocacia. Eu vi uma manifestação clara. Sabe de quem? Marco Aurélio Carvalho, que é o coordenador do Grupo Prerrogativas, que evidentemente tem lado e assume esse lado. Mas ele disse textualmente que era importante garantir o direito de defesa. Nós vamos bater nas portas do Conselho Federal [da OAB]. Eu já tive um diálogo rápido com o presidente Simonetti [Beto Simonetti, presidente da OAB]. E nesta semana, nós, os advogados da defesa, iremos levar uma representação pedindo o apoio do Conselho Federal contra a violação das prerrogativas dos advogados. Porque é importante colocar: quando você viola a prerrogativa de um advogado, na verdade, você está violando o direito da sociedade civil. Porque alguém outorgou um mandato para um advogado para que ele possa exercer a sua atividade na plenitude. E infelizmente, isso não vem ocorrendo nesta ação penal.

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Qual seria a possibilidade de ter uma decisão da OAB que pudesse interferir nesse processo ou ajudar no caso da defesa?

A OAB é a principal entidade da sociedade civil. Evidentemente que uma manifestação cirúrgica, pontual, assertiva do Conselho Federal, irá abraçar essa tese nossa do cerceamento de defesa. Eu acho que é fundamental. Não só da OAB, de todas as entidades de classe da advocacia. Mas, evidentemente, a OAB é a entidade mais forte na nossa sociedade.

Esse é um primeiro passo, por exemplo, para vocês recorrerem a organismos internacionais?

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Eu espero não precisar fazer isso. Eu confio no Supremo Tribunal Federal, eu confio nos ministros. Eu conversei com os ministros, eu confio na serenidade do tribunal. Eu disse em um diálogo com um dos ministros, eu falei assim: ‘Eu só preciso ter o direito de defesa, eu só preciso que o meu cliente responda a esse processo em liberdade, que é a regra. Nós não podemos admitir atropelos’. Evidentemente que um julgamento rápido deveria ser a regra nesse País, mas ele não pode ter atropelos. Veja o seguinte: nós juntamos a nossa defesa sexta-feira por volta das 19 horas. Dois dias úteis depois, o Ministério Público devolve o processo, tendo analisado as mil páginas da defesa. No mesmo dia que o PGR apresenta uma manifestação a respeito dessas mil páginas, o relator já manda para o presidente da Primeira Turma, que já marca o julgamento. É uma rapidez que não é a regra. Esse julgamento é histórico, como a imprensa vem colocando. Estão julgando um ex-presidente da República, generais, enfim, várias pessoas. Então, eu acho que esse julgamento não pode ter nenhuma mácula, ele não pode ter nenhuma mancha.

Na Lava Jato, advogados recorreram a cortes internacionais para denunciar o que seriam abusos. O senhor também, na defesa do mensalão, quando foi advogado de José Dirceu, também foi à corte internacional. Vocês cogitam isso neste momento também?

Especificamente, quando eu defendi o ex-ministro José Dirceu, nós recorremos à corte internacional. E para você ter uma noção da morosidade, na semana passada eu recebi um comunicado da corte internacional. Olha só. Só na semana passada. O processo ainda está em andamento, não teve uma decisão definitiva a esse respeito.

Quantos anos depois?

Isso tem tranquilamente dez anos. E por que nós recorremos? Nós alegamos ali o duplo grau de jurisdição, que é exatamente este caso. Porque neste caso eu vou recorrer para quem? O nosso cliente, que não tem razão da prerrogativa do foro, para quem eu vou recorrer? Na Lava Jato, você tinha as instâncias superiores para que você pudesse, uma hora, chegar à corte maior. Mas neste caso, não. Essa é a outra importância deste julgamento. O Supremo não pode errar.

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O senhor se encontrou basicamente com todos os ministros do STF. A exceção foi a ministra Cármen Lúcia. Foi problema de agenda ou ela rejeitou?

Problema de agenda. Eu me dou muito bem com a ministra, tenho um profundo respeito por ela.

Dessas conversas, qual foi o tom, em linhas gerais? Houve alguma reprimenda?

Eu fui atendido muito bem por todos os ministros, inclusive pelo relator, que foi a primeira pessoa com quem eu conversei. Conversas de 20, 30 minutos. Conversas muito boas, onde eu conto exatamente isso que eu disse nessa fala. Da importância do direito de defesa. Da importância de as defesas terem acesso aos documentos que foram juntados aos autos. Para que esse julgamento não tivesse nenhuma mácula, para que ele não tivesse nenhum questionamento. Porque a defesa só pode bater às portas do Supremo. As cortes internacionais são morosas e o poder delas em um julgamento, ainda mais da Suprema Corte, não é tão absoluto. Então, o que eu pontuei foi isso. Eu ratifiquei o pedido que venho fazendo desde o início, que é o da liberdade do general. Não faz sentido, muito mais agora, com a apresentação da denúncia pela PGR.

Ele foi preso em dezembro não pela denúncia em relação ao inquérito do golpe, mas porque ele teria tentado atrapalhar a investigação. Esse prazo que ele está preso vai abater, caso ele seja condenado?

Abate. Ele foi preso com a acusação de que ele estaria tentando obter informações do que teria dito o mentiroso colaborador [tenente-coronel Mauro Cid]. Falava-se que ele tinha procurado o pai do tenente-coronel Cid. O que os autos falam? Exatamente o contrário. É o pai que procura o general Braga Netto. A Polícia Federal induz o Ministério Público em erro e o Ministério Público induz em erro o eminente ministro e relator. O pai do mentiroso Cid, quando presta depoimento, ele fala abertamente: ‘Eu não fui procurado pelo general Braga Netto para falar sobre o teor do depoimento do meu filho’. E o lapso temporal é outra coisa. Quando ocorreu a ligação do pai para o General Braga Netto, o teor do que teria dito o mentiroso Cid já estava na imprensa. Portanto, esse argumento, absolutamente, com todo o respeito, não dá suporte para absolutamente nada. A outra afirmação é que depois de 11 depoimentos, o Cid vem com a afirmação mentirosa de uma suposta entrega de dinheiro. Quer dizer que ele presta 11 depoimentos e só no último ele se lembra de um detalhe que me parece o mais relevante. Portanto, uma questão principal da tese da defesa é mostrar que essa colaboração não fica em pé. E ele (Cid) diz que foi coagido para falar o que disse. Nós temos gravações que foram feitas, que a revista Veja coloca na mídia, que ele não contesta a sua voz, onde ele fala abertamente que foi coagido pela Polícia Federal para falar o que disse.

Mas depois ele vai no depoimento no STF e recua.

Aquela fala que ele teve com alguém, até então ele não disse que estava com revólver na cabeça. Que ele não estava sendo advertido de que ele poderia perder a sua colaboração. Nada disso. Ele fala em uma conversa como nós estamos aqui. Em momento algum ele disse que ele foi coagido quando ele estava naquele diálogo. Esquisito, né?

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E esse é um dos pontos da argumentação da defesa, de que durante o processo de delação de Cid teria ocorrido tentativa de coagi-lo?

Sim. Ele que disse. Ele ficou preso 120 dias e depois em três dias ele celebra um acordo de colaboração premiada. Acordo esse que foi feito a arrepio do Ministério Público. E que o Ministério Público foi contra a sua homologação. Tem jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal que afirma textualmente que pode fazer o acordo de colaboração com a polícia, mas há necessidade, sim, da manifestação do Ministério Público, concordando com esse acordo. Tem um voto primoroso do ministro Gilmar Mendes, tem um voto primoroso do ministro Dias Toffoli, mas que a Corte nesse momento não está se lembrando da sua própria jurisprudência. Isso é grave.

O senhor vê risco de futuramente ocorrer o que vem ocorrendo com a Lava Jato, por exemplo? Foi caindo tudo?

Não teve julgamento ainda. Então eu não posso imaginar que esse é um julgamento de cartas marcadas. Eu tenho que acreditar e eu acredito no Supremo Tribunal Federal. Portanto, eu espero que tenha um julgamento, eu acredito que será um julgamento sereno, com a defesa tendo acesso às provas, que eu possa me manifestar adequadamente, e que tenha um julgamento justo. Agora, evidentemente que eu não vou hesitar um segundo, um minuto em defender a legalidade deste julgamento na Corte e em qualquer corte internacional. Eu não vou abrir mão.

Como é que está o general Braga Netto hoje? O senhor tem conversado com ele?

Eu converso com o general toda terça-feira e quinta-feira. Ele é um homem forte. Ele é um homem resiliente, mas evidentemente que ele está incomodado. Ele está incomodado com essa prisão e, com o máximo respeito, é uma prisão ilegal, porque não tem nenhum argumento forte, consolidado, para que ele fique recolhido. Então, portanto, ele é um homem indignado com a sua prisão e ele é indignado com as afirmações que o Ministério Público fez com relação a ele.

Ele fala alguma coisa sobre sair de vez da política ou depois voltar para a política?

Eu nunca toquei nesse tema com ele, se ele pretende voltar para a política ou não.

E a questão da anistia?

Também nunca falei com ele.

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O senhor acha que é cabível nesse momento fazer esse trabalho de articulação para uma anistia? Porque alguns fazem uma argumentação, no Congresso, inclusive, de que como não teve o julgamento ainda, mesmo se fosse aprovado um projeto de anistia, isso terminaria caindo no Supremo Tribunal Federal.

Eu brinco com os seus colegas da imprensa que eu não sou comentarista político. Nem comentarista jurídico. Eu não gosto nem de comentar o caso dos outros. Mas o que eu digo a você é o seguinte, eu não acho que ajudam manifestações que ataquem o Supremo Tribunal Federal e o ministro relator. Eu não acho que isso ajuda. A minha sugestão é que o clima fique mais tranquilo.

Estamos gravando esta entrevista segunda-feira, um dia depois das manifestações com o ex-presidente Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro, inclusive com ataques bem específicos ao Supremo Tribunal Federal. Então, para deixar bem claro, em relação a essas manifestações, qual é o seu posicionamento?

Eu não gosto de ataque ao Supremo Tribunal Federal. Eu não gosto de ataque aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Eu gosto de falar dessas questões nos autos. Eu tenho que fazer esse debate com você e com a imprensa, porque o caso está na imprensa. Mas eu não acho que é uma boa linha atacar o Supremo Tribunal Federal. Eu não vou atacar. Eu vou defender. Eu posso recorrer de uma decisão da Corte. Eu posso pontuar que eu entendo que a decisão está errada. Agora, atacar o Supremo Tribunal Federal, eu não vou fazer.

Mas o seu cliente fazia ataques em relação ao Supremo Tribunal Federal e também ao Tribunal Superior Eleitoral, em especial quando se dizia a respeito à questão das urnas.

Isso é um problema dele. Ele tem liberdade para falar o que ele quiser. Ele, o presidente Bolsonaro, qualquer pessoa fala o que quiser. Eu falo de mim. Eu não faço esse tipo de ataque.

E em relação à expectativa de conclusão desse processo?

Olha, do jeito que começou, um julgamento que pode se encerrar nesse ano, no final do ano. O que eu acho ruim é a pauta política pautar a pauta jurídica. Eu acho que a Corte não tem que se preocupar com eleições no ano que vem, se é melhor com um grupo ou outro grupo. Eu acho que o julgamento, a pauta política não pode ter influência no julgamento dessa magnitude com essa repercussão. Mas eu acredito também que a mídia, que errou muito na cobertura da Lava Jato e depois fez uma mea culpa, eu sinto a imprensa muito mais vigilante. Eu vejo a imprensa muito mais atuante. Eu vejo editoriais no Jornal do Estado de São Paulo ressaltando a importância do direito de defesa, a importância de um julgamento sem atropelo. Portanto, eu fico mais tranquilo com esse olhar vigilante da imprensa.

O senhor vê esse ritmo de julgamento do inquérito do golpe atrelado ao calendário eleitoral?

Eu acho que tem uma pressa inadequada, respondendo à sua pergunta de forma tucana.

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Assista à entrevista