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CPI: José Ricardo Santana nega que houve pedido de propina sobre venda de vacinas em jantar

O empresário é próximo de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde e suposto autor de pedido de US$ 1 extra por dose de imunizante; empresário também foi à Índia em caravana da Precisa

Foto do author Julia Affonso
Por Cássia Miranda , Julia Affonso e Matheus de Souza
Atualização:

Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid nesta quinta-feira, 26, o empresário José Ricardo Santana negou ter presenciado pedido de propina durante jantar, em 25 de fevereiro, em Brasília. O depoente é amigo do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, que supostamente teria pedido durante o encontro US$ 1 extra por dose da vacina AstraZeneca, em lote oferecido ao Ministério da Saúde pela Davati Medical Supply. "Eu nao presenciei nenhum pedido de vantegem indevida", afirmou Santana à comissão. O depoimento, marcado pela recusa de Santana em responder parte das perguntas (ele obteve um habeas corpus para permanecer em silêncio caso pudesse se incriminar) e por uma série de contradições, irritou os senadores.

Veja como foi o depoimento:

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Santana alegou não lembrar de seu salário durante atuação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), afirmou que foi convidado para o Ministério da Saúde para trabalhar sem receber salário, e, mesmo confrontado com áudio onde relatou ter reunião com a médica Nise Yamaguchi, disse não ter proximidade com ela. Afirmou ainda desconhecer assuntos tratados na reunião com a médica.

O empresário atuou como ex-secretário-executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão responsável pela regulação econômica do mercado de medicamentos no Paí. Ele afirmou à CPI que deixou o cargo em 23 de março de 2020. Segundo Santana, logo após sair da Anvisa, foi convidado pelo ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, para integrar o Ministério da Saúde, uma participação rápida, alegou. O período no cargo foi entre 25 e 30 de março, e reforçou que não recebeu salário.

Em um áudio de Santana enviado ao empresário Marconny Albernaz, reproduzido no início da sessão, o depoente mencionou reunião com Nise Yamaguchi. No áudio, ele falava da reunião com a médica para a realização de um encontro para a articulação de um “plano” de compra de testes rápidos para a covid-19 e sua posterior apresentação ao governo federal.

O depoente alegou desconhecer qualquer versão do plano. “Nunca apresentei planos para o governo. Eu não cheguei a ver o estudo depois do meu encontro com a Dra. Nise”, disse. Santana também negou que tenha sido contratado pela Precisa Medicamentos para intermediar uma compra de testes.

Após a bateria inicial de perguntas, o depoente optou pelo silêncio em perguntas sobre seu relacionamento com a Precisa, mesmo que tenha afirmado, mais cedo, não ter nenhuma relação com a empresa. Santana compareceu à CPI beneficiado por um habeas corpus que lhe permitiu ficar em silêncio em perguntas que o poderiam o autoincriminar. O empresário dispensou os quinze minutos iniciais para apresentar sua defesa e também negou compromisso de dizer a verdade perante os senadores. Ele teve os sigilos bancário, telefônico, fiscal e telemático quebrados pela CPI.

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Pouco antes do encerramento da sessão, a comissão aprovou o requerimento do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), e incluiu Santana na lista de investigados formais da CPI. Nesta quinta, o ex-secretário da Anvisa depôs na condição de testemunha.

Viagem à Índia

Além de ter participado do "jantar da propina", também viajou à Índia com membros da Precisa, que também era intermediária da vacina Covaxin. Ao ser questionado pelo relator da CPI sobre qual foi o seu papel na negociação da vacina indiana Covaxin, o empresário disse que "não atuou na negociação". Na sequência, ao ser novamente questionado sobre seu papel na tentativa de compra do imunizante, permaneceu em silêncio.

Na justificativa para a convocação de Santana ao depoimento de hoje, Calheiros justificou que o empresário “tem ligação direta” com o dono da Precisa, Francisco Maximiano. “Outrossim, há comprovação de que, juntamente com Maximiano e outrosinvestigados, inclusive no mesmo voo, (Santana) foi à Índia tratar com a fabricante da empresa Covaxin (vacina desenvolvida pelo laboratório indiano Bharat Biotech)”, apontou.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Em depoimento à CPI da última quinta-feira, 19, Maximiano admitiu aos senadores que esteve quatro vezes na Índia. E que, inclusive, foi recebido pela embaixada brasileira em Nova Dhéli. O empresário não quis dizer por que Santana o acompanhou na viagem.

No início da sessão, o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), solicitou a criação de um requerimento de informações para que o Ministério da Saúde informe quanto foi gasto na tentativa “fracassada” — como classificou — de o governo trazer 2 milhões de doses da vacina contra covid-19 da Índia. Em janeiro deste ano o governo brasileiro chegou a preparar um avião para buscar as vacinas do país, contudo, as negociações tiveram diversos atrasos.

De acordo com notícia publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, após fracassar na tentativa de buscar as doses, o Itamaraty negociou secretamente com o governo indiano e conseguiu transportar as mesmas doses por um valor muito menor. Segundo a publicação, a primeira tentativa do governo de buscar os imunizantes teria gerado um prejuízo de US$ 500 mil (R$ 2,6 milhões na cotação atual) para a Fiocruz. após isso, o Itamaraty negociou secretamente com o governo indiano e conseguiu transportar as mesmas doses por US$ 55 mil (R$ 288 mil na cotação atual), cerca de 10% do valor pago anteriormente.

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“Tudo que se fez com a Índia em termo de vacina foi problemático”, criticou Aziz, ao afirmar que o governo fez um "carnaval" para buscar as doses da vacina na Índia. Segundo ele, a operação “atrapalhada” teve um alto custo e não gerou nenhum benefício ao País.

Na mesma linha, o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), solicitou que o relatório final da CPI inclua um quesito de ressarcimento do valor gasto na operação aos cofres públicos. “Um custo de mais de meio milhão de reais é um custo que não pode deixar de ser ressarcido aos cofres públicos”, afirmou.

Histórico

Antes do cargo na Anvisa, Santana trabalhou por 10 anos como diretor de negócios na Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), entre 2005 e 2015. O órgão era vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

Documentos em posse da comissão apontam que José Ricardo Santana viajou à Índia no mesmo voo que levou integrantes da Precisa Medicamentos ao país asiático. A empresa de Francisco Emerson Maximiano intermediou um contrato de R$ 1,6 bilhão junto ao Ministério da Saúde para a compra de 20 milhões de doses da Covaxin.

O acordo foi assinado em 25 de fevereiro e teve seu cancelamento decretado pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em 29 de julho. As vacinas não foram entregues e o contrato não foi pago, mas chegou a ser empenhado, ou seja, teve os recursos reservados formalmente no orçamento. A CPI quer entender o que o empresário fez na Índia no período em que a Precisa ainda tentava viabilizar a entrada da Covaxin no País.

Informações recebidas pela comissão registram que Santana saiu de São Paulo, na fileira 3 da classe executiva da aeronave, em 13 de abril, em direção à Nova Délhi. Logo atrás, na fileira 5, estavam a diretora da Precisa, Emanuela Medrades, e seu "concierge" Raphael Barão Otero de Abreu. Na fileira 6, viajaram Ingo Raul Michels Rodriguez e Elaine Giglioli. Segundo Maximiano, Rodriguez é "prestador de serviço da área científica" da Precisa e, "é possível", que Giglioli "seja uma das médicas ou pesquisadoras pertencentes à equipe da Dra. Emanuela".

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O empresário José Ricardo Santana (ao centro) chegando ao Senado para depor à CPI da Covid Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A volta ao Brasil de José Ricardo Santana ocorreu em 24 de abril, segundo dados da CPI, quando o empresário saiu de Hyderabad em direção ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

O relator da CPI, questionou Maximiano, durante depoimento na semana passada, sobre o motivo da viagem de Santana à Índia. O dono da Precisa silenciou. Disse apenas que conhecia o empresário, mas não tinha 'nenhuma relação' com ele.

Chope

Entre os principais temas abordados pelos senadores no depoimento de Santana está o encontro do empresário com Roberto Dias, em 25 de fevereiro, no restaurante Vasto, em Brasília. Em depoimento aos senadores, no início de julho, o ex-diretor de Logística contou que estava tomando um chope com o "amigo" Santana quando o cabo da Polícia Militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominghetti — representando a empresa Davati — chegou ao restaurante acompanhado do coronel da reserva do Exército, Marcelo Blanco.

Dominghetti afirma que, durante o encontro, Dias disse que a continuidade da negociação dependia do pagamento de US$ 1 de propina por dose. A Davati, porém, não é reconhecida pela fabricante AstraZeneca e nunca comprovou sua capacidade de entregar de fato o imunizante. Tanto Blanco, que é ex-assessor do Ministério da Saúde e foi substituto de Dias, quanto o ex-diretor de Logística, negam o suposto pedido de propina.

O nome de José Ricardo Santana foi citado ainda em mensagens compartilhadas pelo Ministério Público Federal do Pará com a CPI da Covid como alguém que teria atuado para destravar uma compra de milhares de kits de reagentes para exame de covid-19. A venda, que seria feita pela Precisa ao Ministério da Saúde, não foi adiante.

As mensagens constam de um celular apreendido em Brasília, no ano passado. O dono do aparelho era investigado pela Procuradoria da República paraense em outra frente de apuração. Ao se depararem com as menções à Precisa, os investigadores obtiveram autorização judicial para compartilhar o conteúdo com a CPI da Covid.

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José Ricardo Santana foi citado na CPI da Covid pelo ex-diretor de Logística Roberto Ferreira Dias. Foto: Divulgação/Apex

 

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