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Dez anos das jornadas de junho: como a Copa do Mundo potencializou as manifestações políticas

Protesto dos torcedores marcou evento-teste para o Mundial e um dos bordões mais usados foi ‘queremos hospitais e escolas padrão Fifa’

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Foto do author Raphael Ramos
Por Raphael Ramos

O futebol esteve no centro da crise que abalou o Brasil em junho de 2013. As ruas do País não foram tomadas apenas por causa dos R$ 0,20 do aumento da passagem de ônibus. Durante a onda de protestos que mexeu com as estruturas da República, os manifestantes usaram – e muito – a Copa do Mundo e a Copa das Confederações para demonstrar descontentamento com a classe política. Entre os bordões mais usados estavam em faixas e cartazes: “Não vai ter Copa” e “Queremos hospitais e escolas padrão Fifa”.

A Copa das Confederações foi disputada ao longo daquele mês de junho sob intenso protesto dos torcedores. O evento-teste organizado pela Fifa, para avaliar a estrutura do País para o Mundial que seria realizado no ano seguinte, reuniu oito seleções em seis cidades: Brasília, Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza, Recife e Belo Horizonte. A intensidade dos protestos, no entanto, foi tamanha que surpreendeu todos e o torneio correu sério risco de ser encerrado antes da final, como conta Aldo Rebelo, então ministro do Esporte.

Manifestantes protestam contra a Copa das Confederações, em Brasília, em junho de 2013 Foto: Nilton Fukuda/Estadão

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“O objetivo das manifestações era marcar o governo Dilma Rousseff como um fracasso de gestão e um evento como a Copa teria repercussão internacional. Em um jogo no Mineirão, quase os manifestantes invadiram o estádio. O presidente da Fifa (Joseph Blatter) mandou avisar que iria pedir para as delegações voltarem aos seus países e a final não seria disputada. Ele só não levou a ideia adiante porque a presidente Dilma fez um pronunciamento em rede nacional garantindo a segurança do torneio”, diz Rebelo.

Outro momento tenso do torneio foi a partida de abertura, disputada no dia 15, em Brasília, no estádio Mané Garrincha. Dentro da arena erguida por R$ 1,4 bilhão, a mais cara do País, vaias à presidente Dilma Rousseff. Fora, a polícia usou bombas de efeito moral, balas de borracha e gás de pimenta para conter os manifestantes. Trinta pessoas ficaram feridas e outras 30 foram presas. No final, fácil vitória do Brasil por 3 a 0 sobre o Japão, com um belo gol de Neymar.

Em Belo Horizonte, dois jovens morreram durante protesto próximo ao estádio do Mineirão. Salvador também teve manifestações violentas. O hotel onde estavam hospedados dirigentes e funcionários da Fifa sofreu tentativa de invasão e um ônibus foi apedrejado. A entidade, na ocasião, chegou a aconselhar seus colaboradores para que andassem em veículos sem o logotipo da Fifa.

Dilma foi hostilizada logo na abertura da Copa das Confederações; o então presidente da Fifa, Joseph Blatter, deu bronca na torcida e também foi vaiado Foto: Dida Sampaio/Estadão

Em meio àquela Copa das Confederações, voltou a circular nas redes sociais um vídeo no qual o ex-jogador Ronaldo Fenômeno dizia, ainda em 2011, que “não se faz Copa com hospital.” A declaração serviu de munição para os manifestantes, que alegavam que recursos do orçamento público estavam sendo empenhados no Mundial, prejudicando setores prioritários, como a saúde e a educação.

Foi então que o tetracampeão Bebeto entrou em campo. Dez anos depois, o ex-jogador relembrou ao Estadão como atuou à época como uma espécie de embaixador do torneio, visitando as cidades que receberiam as partidas, na tentativa de melhorar a imagem do Mundial para os torcedores. “Todo mundo se preocupa com saúde e educação, sabemos que são coisas fundamentais para o País, mas o meu papel era tentar desvincular a Copa da política e destacar o aspecto esportivo”, conta Bebeto, também integrante do Comitê Organizador Local da Copa.

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Fato é que os percalços da Copa das Confederações de junho de 2013 obrigaram os dirigentes a rever todos os planos de segurança para o Mundial de 2014.

Atual diretor-geral da Polícia Federal, o delegado Andrei Augusto Passos Rodrigues, era secretário extraordinário de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça. Ele próprio admitiu falhas no esquema montado para a Copa das Confederações, principalmente em relação ao posicionamento de bloqueios e de engajamento com manifestações. Ficou decidido, então, que, para a Copa do Mundo, o Ministério da Defesa enviaria tropas com cerca de 1,4 mil homens para cada cidade-sede.

Copa poderia ser transferida para os EUA

Durante a Copa das Confederações, as manifestações nas ruas azedaram as relações entre o governo federal e a Fifa. A crise se agravou quando convidados especiais dos patrocinadores da entidade deixaram de ir aos estádios, com medo dos protestos.

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“Havia uma movimentação dos Estados Unidos para organizar a Copa se a Fifa a tirasse do Brasil”, conta Rebelo. “E não era chantagem da Fifa. Afinal, vivíamos uma situação real de segurança. Havia o risco de os manifestantes invadirem os estádios e bloquearem os acessos ao transporte público para impedir a chegada dos torcedores.”

Dentro de campo, a Seleção brasileira terminou a Copa das Confederações como campeã, após vitória por 3 a 0 sobre a Espanha no dia 30 de junho, no Maracanã. O triunfo no evento-teste fez o técnico Luiz Felipe Scolari reforçar as suas convicções em relação à montagem do time para a Copa do Mundo de 2014. Convicções que foram implodidas com a acachapante goleada por 7 a 1 para a Alemanha, um ano depois.

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