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Fora do eixo

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Por Dora Kramer
Atualização:

À parte a gratuidade do gesto, a retirada do ministro Ricardo Lewandowski do plenário ao início da sessão de ontem representou o ápice de um equívoco cometido pelo revisor ao longo de todo o julgamento do processo do mensalão: o de acreditar que seu papel era equivalente ao do relator Joaquim Barbosa.A rigor, a única prerrogativa especial do revisor depois de iniciado o processo de votação é a de se manifestar logo após o relator, antes dos demais ministros.O condutor da ação penal é o relator, a quem coube durante os últimos sete anos toda a instrução do processo. É o autor original da narrativa e, nessa condição, figura como protagonista. Não da decisão, colegiada, mas dos procedimentos.Por isso mesmo não fez sentido o arroubo do ministro Ricardo Lewandowski contra a decisão do relator de definir as penas do núcleo político antes dos réus do núcleo financeiro.Tanto os papéis de revisor e relator não têm o mesmo peso que se fosse Barbosa a ter se retirado, o julgamento não poderia prosseguir, mas, na ausência de Lewandowski, foram decididas normalmente as penas de José Dirceu e José Genoino que haviam sido absolvidos pelo revisor.Lewandowski não conseguiu explicar por que ficou tão aborrecido. Não tinha seu voto preparado? Se não, deveria, pois os outros colegas todos tinham. O advogado de José Dirceu não estava presente? Nessa fase o defensor não interfere, até mesmo porque não há nada a ser defendido depois de definida a condenação e antes da apresentação dos embargos.Joaquim Barbosa "surpreendeu" a Corte? Não foi esse o entendimento do colegiado que não acompanhou o revisor na manifestação de sobressalto.De surpreendente mesmo só a intempestividade do revisor que, nas primeiras semanas de julgamento, por duas ou três vezes indicou que poderia se retirar e numa delas afirmou não saber se teria "condições" de prosseguir até o fim, mas depois mudou de posição até para não arcar com o ônus de atrasar os trabalhos. Ontem cumpriu a ameaça, que não teve finalidade substantiva. Uma atitude difícil de ser compreendida, a não ser como manifestação de contrariedade em relação ao conteúdo rigoroso das decisões da maioria do Supremo.Com todo o respeito que merece o revisor na adoção de sua ótica dos fatos, o ato de protesto em pleno tribunal não falou bem a respeito da objetividade jurídica que o ministro Ricardo Lewandoswki reivindicou para todos seus votos ao longo do julgamento. Dia seguinte. Nada de novo nas penas impostas aos réus do núcleo político. Tudo o que o Supremo tinha a dizer sobre as ilicitudes cometidas por José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino, foi dito nos últimos três meses. De onde não resta ao PT quase nada a acrescentar, além das reclamações regulamentares. Prevalece no partido a tendência de não dar murro em ponta de faca.Troco. Há algo de inadequado no andamento dos trabalhos da República quando um ministro do Supremo Tribunal Federal formaliza convite à presidente da República para a cerimônia de sua posse na presidência da Corte e isso ainda vira fato.Chefes de Poderes comparecem tradicional e mutuamente às respectivas investiduras nas chefias do Executivo, Legislativo e Judiciário. É a regra. Exceção é a simples cogitação da ausência por motivo de força menor: retaliar o relator do processo do mensalão. Embora pareça reverente, o gesto de Joaquim Barbosa corrobora a suposição de que Dilma Rousseff pudesse concretizar a descortesia.No quesito manejo de popularidade, o Palácio do Planalto encontrou em Barbosa um concorrente à altura.

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