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Após 5 anos de 'verde e amarelo', atos ficam mais à direita e movimentos se distanciam

'Estado' ouviu pesquisadores e líderes de manifestantes para comparar mudança no perfil de quem foi à rua em ao menos 20 manifestações desde 15 de março de 2015

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Por Tiago Aguiar e Ricardo Galhardo
Atualização:

Há exatos cinco anos, em 15 de março de 2015, milhões de pessoas foram às ruas de ao menos 185 cidades do País para protestar contra a ex-presidente Dilma Rousseff. Desde então, ocorreram ao menos 20 manifestações com o mesmo formato: público predominantemente vestido de verde e amarelo, ato parado na Avenida Paulista, grupos distintos seguindo carros de som com músicas nacionalistas e críticas ao que chamam de “sistema político corrupto”. 

O Estado consultou pesquisadores e organizadores dos atos para saber o que mudou nesses últimos cinco anos no perfil de quem vai à rua. Em meio à mudança do cenário político, o manifestante que foi às ruas em 2019, com pautas como defesa da prisão em segunda instância, repúdio ao bloco partidário chamado de Centrão a defesa do governo de Jair Bolsonaro, se declara mais à direita do que quem pedia o impeachment de Dilma. Além disso, os movimentos que estavam à frente dos protestos se distanciaram. A participação menor de Vem pra Rua e Movimento Brasil Livre (MBL) abriu espaço para grupos mais radicais, como o Movimento Conservador.

Ato em Brasília em maio de 2019 mirou Congresso e STF Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADAO

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Pesquisas feitas entre março de 2015 e março de 2016 mostram que, apesar de um crescimento, a renda, escolaridade, raça e idade dos manifestantes não mudou significativamente no período. Quando se comparam esses mesmos quesitos com os grupos que foram para as ruas em 2019, também não há alterações notáveis.

Por outro lado, a partir de 2018 há um deslocamento na identidade política dos participantes - de "nada disso" para “direita” - e em sua relação com o conservadorismo - de "pouco conservador" para "muito conservador". Os dados foram levantados pelo “Monitor do debate político no meio digital”, grupo de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) que entrevistou manifestantes em São Paulo entre 2015 e 2019.

A preferência por Bolsonaro também cresceu, mas não é inédita: em abril de 2015, o presidente já era citado como um político em quem os manifestantes “confiavam muito” - 19,8% dos entrevistados. O ato que foi convocado para este domingo, e depois desmobilizado pelo próprio presidente, tinha agenda de defesa do governo e ataques ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF)

Professor da USP e coordenador do Monitor, Pablo Ortellado, avalia que há duas hipóteses para transformação na parcela da população que se manteve mobilizada nesses anos. “A caracterização demográfica não quer dizer que sejam as mesmas pessoas. Das duas uma, ou as pessoas ficaram com identidades políticas mais fortes ou o bolsonarismo significa um núcleo ideologicamente mais coerente do que eram as manifestações anticorrupção", diz Pablo.

Tomé Abduch, porta-voz do movimento Nas Ruas, aposta na primeira hipótese. “O que é mais perceptível hoje é que as pessoas estão politizadas. As redes sociais levaram o brasileiro a ter proximidade com a política e é muito visível que os brasileiros têm mais clareza para dizer sua posição”, afirma Tomé, que diz que pretende continuar a organizar atos daqui cinco anos, mesmo que o País siga na direção que acha mais adequada. “Daqui cinco anos nós vamos estar indo pras ruas, é necessário seguir vigiando. Nós deixamos de dar certo como País quando a população deixou de se engajar”.

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Racha entre movimentos

Em maio do ano passado, os dois maiores movimentos em São Paulo, Vem pra Rua e MBL, que estavam por trás dos atos a favor do impeachment de Dilma, racharam com movimentos menores, e o MBL chegou a ser hostilizado pela direita.

De 2016 a 2017, dezenas de grupos se formaram, muitos compostos por menos de dez pessoas que já haviam passado por movimentos maiores. A greve dos caminhoneiros em 2018 também deu forma e nome a grupos que atuam até hoje em apoio ao governo. Algumas lideranças políticas que se formaram nesses atos, como o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), hoje não são mais bem recebidas nas manifestações.

O Movimento Conservador, um dos braços mais fortes na coleta de assinaturas para o Aliança Para o Brasil hoje, já nasceu em 2016 - como Direita São Paulo - declarando apoio à Jair Bolsonaro e por discordar dos movimentos até então que “não eram suficientemente de direita”.

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O movimento Nas Ruas, criado em 2011 pela hoje deputada Carla Zambelli (PSL-SP), acumula críticas de outros grupos com quem costuma dividir a Paulista, desde aparecer nos acampados em frente ao prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) somente para sair na foto a brigas por esquinas com mais visibilidade para colocar o carro de som.

O recorde de público desses cinco anos foi em 13 de março de 2016, considerada a maior manifestação da história do País por institutos de pesquisa. Uma dúzia de lideranças ouvidas pelo Estado concordam que, depois disso, os atos que mais levaram gente às ruas foram aqueles a favor da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As manifestações de 24 de janeiro de 2018, dia da condenação do petista pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e em 3 de abril de 2018, um dia antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) negar habeas corpus para o ex-presidente.

“O antipetismo une mais que qualquer pauta porque nada amplia mais um grupo que um inimigo em comum”, avalia Camila Rocha, cientista política e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Camila também avalia que o formato de protesto nas ruas já está desgastado após cinco anos, mas que fatos políticos criados pelo presidente Jair Bolsonaro, como o vídeo em que convocou apoiadores a protestarem contra o Congresso na semana passada, podem manter o engajamento.

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Renato Battista, coordenador nacional do MBL, reconhece que após a eleição de Bolsonaro há um clima anti-instituições autoritário no discurso das ruas, mas afirma que o seu movimento sempre se distanciou. “Esse clima anti-instituição em 2015 era muito pequeno. Nós nunca fizemos ataques a nenhuma instituição e sempre nos afastamos dos grupos pró-intervenção militar”. O grupo, no entanto, que já teve nas suas postagens presença alta de críticas diretas a jornalistas e autoridades, passou por uma reformulação em 2019 na medida que acumula mais eleitos e candidatos desde as eleições de 2016.

Adelaide Oliveira, porta-voz do Vem Pra Rua, discorda e só vê saldo positivo nos cinco anos. “Quem fala que a nossa democracia está em perigo é um louco. Nós fizemos nesses cinco anos quase 20 manifestações. E também teve um monte do MTST, a Parada Gay, a Marcha da Maconha. Um país que consegue reunir na rua milhares de pessoas, tantas vezes, pra dizer alguma coisa, quer coisa mais bonita que isso?”

Dados do Monitor da USP indicam que 19% dos paulistanos participaram de alguma manifestação política desde 2013, taxa considerada extremamente alta para qualquer lugar do mundo. Embora os dados sejam escassos, pesquisas mostram que momentos de mobilização de mais de 3,5% da população de um país já produzem mudanças institucionais relevantes. 

Nove movimentos que pediram autorização para ato são de 2018 para cá

Dos 11 movimentos representados na reunião entre a Polícia Militar e a Prefeitura na segunda-feira, 9, para definir os detalhes da manifestação de apoio ao presidente Jair Bolsonaro que ocorreria neste domingo, nove grupos eram novos, criados a partir de 2018. Os jovens, que tentam replicar o sucesso das últimas eleições, em que surgiram nomes ligados aos grupos da rua, têm como desafio se destacar como lideranças políticas ao mesmo tempo que protagonizam atos a favor - e não contra um governo, como foi no passado recente.

Com exceção do Nas Ruas, criado em 2011, e do Avança Brasil, de fevereiro de 2015, que têm milhões de seguidores nas redes sociais, os grupos são formados por poucas pessoas e alguns foram formados a partir de divisões de outros movimentos que mudaram de nome para ter marcas que representam melhor a nova identidade política.

O estudante Victor Carazzatto tinha apenas 11 anos quando participou das primeiras manifestações de rua. “Fui com os pais de um amigo”, lembra. Hoje, aos 16 anos, gosta de dizer que é fundador de um dos grupos que participariam das manifestações marcadas para este domingo, o Movimento Direita Digital (MDD). A página do MDD no Facebook tem 291 seguidores e publica memes de direita e vídeos nos quais o fundador aparece sozinho.

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O grupo surgiu em 2018, durante a greve dos caminhoneiros, apoiou a eleição de Bolsonaro (embora o fundador ainda não tivesse idade para votar) e participou de algumas manifestações na Avenida Paulista de carona com grupos maiores como o Vem Pra Rua e República de Curitiba.

O Movimento República de Curitiba também deu origem ao Frente Conservadora, cujo presidente David Alexandre, estava na primeira manifestação de apoio a Bolsonaro em São Paulo, em abril de 2011. No final de 2019, ele se filiou ao Patriota

O Brasil Nova Atitude foi criado como ABC na Paulista em 2018, quando fez campanha por Bolsonaro. O grupo conta hoje com cerca de 40 mil seguidores, defende pautas como a defesa da família e propriedade privada, liberdade e “valorização da conquista com o próprio esforço” com influência declarada do escritor Olavo de Carvalho. Hoje, o Brasil Nova Atitude já conta com orçamento próprio (vindo do bolso dos integrantes) que é usado no aluguel de carros de som e produção de vídeos para a internet.

Outro caso de depuração é o do Movimento Direita Conservadora (MDC), grupo que defende a intervenção militar e que se chamava Patriotas do Brasil. Segundo o policial militar aposentado Anilo Anunciato Leite, 61 anos, fundador do MDC, o grupo passou por um processo de reformulação político e formal com o objetivo de se profissionalizar. “O movimento é financiado por pessoas e também por uma empresa que no momento, por uma questão de ética, não podemos dizer qual é. Mas outras empresas virão”, disse Anunciato que também é microempresário na área de segurança.

Segundo ele, o grupo nasceu em 2018 para representar o setor menos radical dos intervencionistas que decidiu apoiar Bolsonaro em vez de boicotar as eleições.

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