Vídeo engana ao associar problemas médicos de Justin Bieber e Joelma à vacinação contra a covid-19

Cantor canadense teve paralisia causada pelo mesmo vírus da catapora; artista brasileira teve problemas de saúde relacionados ao próprio coronavírus

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Por Luciana Marschall
Atualização:

São enganosas afirmações feitas por um dentista em vídeo no Instagram em que ele associa mortes súbitas ocorridas no Brasil e problemas de saúde de artistas como Justin Bieber e Joelma à vacina contra a covid-19. O cantor canadense foi diagnosticado com uma síndrome causada pelo mesmo vírus da catapora, e teve paralisia facial parcial. Já a cantora brasileira sofreu derrames oculares e paradas cardíacas, ligados ao fato de ter sido contaminada cinco vezes com o coronavírus.

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O autor da postagem também defende a suplementação de vitamina D como medida para reduzir infecções e mortes pelo coronavírus, o que é enganoso. O responsável pelo vídeo comercializa e-books sobre a substância, o que demonstra interesse em propagar supostos benefícios da vitamina. Desde o início da pandemia, a suplementação de vitamina D tem sido falsamente associada a um tratamento precoce da doença, assim como medicamentos como a hidroxicloroquina e a ivermectina, sem qualquer comprovação científica de que tratem ou evitem o problema.

Leitores solicitaram esta checagem deste conteúdo pelo número de WhatsApp do Estadão Verifica: (11) 97683-7490.

 

Doenças de artistas não estão associadas à vacina

O autor da postagem insinua que três artistas tiveram problemas de saúde em decorrência da vacinação: o casal Bieber, formado pelo cantor canadense Justin e a modelo norte-americana Hailey, e a cantora brasileira Joelma.

No caso de Justin Bieber, um representante do cantor informou ao Estadão Verifica que a afirmação é falsa. Neste ano, o canadense sofreu com paralisia facial parcial, decorrente da Síndrome de Ramsay-Hunt. Essa condição médica é causada pelo vírus varicela-zoster, o mesmo da catapora.

Em relação aos problemas de saúde da esposa do canadense, Hailey Bieber, o responsável pelo vídeo cita notícias de que ela sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), passou por cirurgia cardíaca e anunciou um cisto no ovário do tamanho de uma maçã, ironizando a condição como "algo bem comum para uma menina". A modelo tem 26 anos. Não há qualquer evidência que a americana tenha adoecido por causa da vacinação. Em um vídeo postado por Hailey no YouTube, a modelo comentou as suspeitas médicas sobre o ataque isquêmico transitório que sofreu. Para os profissionais que a atenderam, o caso poderia estar relacionado a pílulas anticoncepcionais ou à infecção pela covid-19, não à vacina contra a doença.

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Peças desinformativas associando as condições médicas do casal aos imunizantes circularam também fora do Brasil e foram desmentidas pela imprensa internacional (Reuters e FactCheck.Org). A agência Reuters destacou que estudos investigam a relação entre casos da Síndrome de Ramsay-Hunt e a vacinação contra a covid, mas nenhum elo definitivo foi encontrado. O site FactCheck.Org informou que Hailey tinha uma série de fatores que favoreceram a formação de um coágulo sanguíneo, entre eles uma má-formação congênita no coração.

Justin e Hailey Bieber. Foto: Mario Anzuoni/Reuters

No vídeo em questão, o dentista ressalta ainda que a cantora Joelma recebeu a "picadinha" -- referindo-se à vacina -- foi cinco vezes contaminada pela covid-19 e sofreu derrames oculares e paradas cardíacas. A assessoria de imprensa da cantora informou que ao Estadão Verifica que problemas de saúde recentes dela são sequelas das infecções por covid que teve, reforçando total apoio da artista à vacinação e às medidas de saúde.

O pediatra Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), ressalta que a própria covid-19 pode ter consequências a longo prazo, estando relacionada inclusive a quadros cardíacos. "É muito mais provável que essas consequências sejam da doença covid que das vacinas que ela recebeu", disse.

Não há registro de aumento das mortes súbitas

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O dentista no vídeo também cita dois casos recentes de mortes súbitas registradas no Brasil. Um dos casos ocorreu em 29 de novembro com o caminhoneiro Luiz Gonzaga dos Santos, 52 anos, em São Sebastião do Caí, no Rio Grande do Sul, conforme notificou o Primeira Hora, site de notícias da região. A Secretaria de Saúde do Estado informou à reportagem que não houve qualquer notificação de suspeita de que a morte esteja associada à vacinação. "No sistema foi identificado que ele tomou a última dose há mais de 30 dias do acidente. Portanto, não há nenhuma relação com o óbito", informou o órgão.

O outro caso refere-se à morte do guia de trilhas Alex Mendes Ferreira de Souza, de 48 anos, no dia 27 de novembro. Ele subia o Parque Estadual do Ibitipoca, em Lima Duarte, Minas Gerais. O caso foi noticiado pelo G1 Zona da Mata. A notícia sobre a morte de Alex não cita a vacinação como possível causa da morte, nem menciona se ele teria sido vacinado. A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais informou estar verificando se o caso foi notificado.

O médico Celso Granato, do Grupo Fleury, diz que várias razões podem explicar um caso de morte súbita; para ele, não é possível associar esses casos à vacinação sem analisá-los individualmente. "Cada suspeita reportada deve ser olhada muito detalhadamente para saber se existe uma relação de causa e efeito porque, se não, a gente começa a atribuir um monte de coisa à vacina que acontece naturalmente", afirmou.

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Conteúdos desinformativos associando a vacina a mortes súbitas circulam amplamente desde o início da imunização no mundo, no final de 2020, e dezenas de casos já foram desmentidos por iniciativas de checagem (1, 2 e 3). O médico Juarez Cunha afirma não haver qualquer estatística que comprove aumento de mortes súbitas pós vacinação contra a covid-19. Ele destaca que após bilhões de doses aplicadas no mundo as vacinas têm se mostrado extremamente seguras e eficazes, principalmente para a proteção das formas graves da doença e prevenção de mortes.

"É fundamental que a gente tenha a vigilância dos eventos adversos porque isso faz parte de qualquer medicação e qualquer vacina", disse. "Casos graves que possam ter uma relação com a vacina precisam ser notificados para ser avaliado se há uma relação causal ou se é só temporal. Muitas vezes é apenas temporal".

Benefícios das vacinas superam em muito os riscos

Os três especialistas ouvidos pela reportagem são enfáticos em garantir que os benefícios da vacina superam em muito os riscos. Em geral, os imunizantes podem causar efeitos adversos leves, como febre, dores musculares, de cabeça e no local da injeção, e cansaço. A Organização Mundial de Saúde (OMS) informa que os dados atualmente disponíveis sugerem uma relação potencial entre sintomas de miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e pericardite (inflamação da membrana que envolve o coração) e as vacinas de mRNA, como Pfizer e Moderna. No entanto, casos relatados foram muito raros e os sintomas são geralmente leves.

Vacinação contra a covid em São Paulo Foto: Leo Souza/Estadão

Em relação às vacinas de vetores de adenovírus não replicantes, como AstraZeneca e Janssen, houve relatos de casos muito raros, mas graves, de coágulos sanguíneos acompanhados de baixa contagem de plaquetas - conhecida como trombose com síndrome de trombocitopenia (TTS). Em relação à  AstraZeneca, os sintomas ocorrem em cerca de quatro a seis pessoas em cada milhão de vacinados. Para a Janssen, foram identificados 28 casos entre um total de mais de oito milhões de pessoas vacinadas. Apesar de haver possiblidade de relação causal entre a vacina e os sintomas, são necessários mais dados que a comprovem.

Em todos os casos, a OMS ressalta que os benefícios das vacinas superam em muito o risco de miocardite e pericardite ao prevenir mortes e internações por covid-19. Juarez Cunha destaca que as vacinas têm um valor imensurável na prevenção de mortes. "A gente não consegue nem imaginar o importante sucesso que tivemos com a vacinação. É claro que pessoas que vacinaram podem ter covid, mas a tendência é que aquelas que fizeram o esquema completo terem casos mais leves", destaca o médico.

Vitamina D

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Para defender a suplementação de vitamina D na prevenção e tratamento da covid-19, o autor cita o estudo Associação entre suplementação de vitamina D e infecção e mortalidade por Covid-19, publicado na revista Scientific Reports, em 12 de novembro de 2022, por pesquisadores nos Estados Unidos. O dentista ressalta a conclusão dos pesquisadores de que a suplementação de vitamina D3 para toda a população dos Estados Unidos em 2020 poderia ter reduzido em aproximadamente 4 milhões os casos de covid-19 e em 116 mil as mortes pela doença naquele país.

Contudo, engana ao omitir as limitações apresentadas na própria análise. Os pesquisadores afirmaram que o resultados poderiam nortear o desenvolvimento de outros estudos mais conclusivos. Os autores também assumem haver muitos fatores importantes não considerados na análise, como status socioeconômico e o peso dos pacientes, que podem estar associados à maior incidência de infecção e mortalidade pela covid-19.

Os estudiosos americanos afirmam, ainda, que não analisaram se a suplementação de vitamina D foi associada a um melhor acesso aos cuidados de prevenção, como distanciamento social e uso de máscara. Além disso, não tiveram acesso a certidões de óbito de pacientes, o que tornou impossível verificar a causa real das mortes consideradas no estudo. Outro fator limitador citado é que a vitamina D pode ser vendida sem receita médica, o que impede garantir que os pacientes tomaram a dosagem correta.

O infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), explica não haver comprovação de que a vitamina D previna covid. Ele ressaltou, no entanto, que pacientes com níveis adequados da vitamina no organismo têm menos chances de desenvolver quadros graves de covid em caso de contaminação. "Se estiver com um nível bom de vitamina D não significa que vou não vou pegar covid, significa que se eu pegar eu devo ter menos menor chance de evoluir para covid grave", disse.

Segundo o infectologista, não adianta repor vitamina D para lidar com uma infecção já em andamento, pois não há tempo hábil para que a reposição aja no organismo. Barbosa ressaltou ainda ser necessário acompanhamento médico para a suplementação. Isso porque a hipervitaminose pode causar sérias consequências no organismo.

"Todo mundo deveria ter bons níveis de vitamina D. Repor a vitamina para quem tem níveis baixos não é errado", disse. "Mas defender que todo mundo reponha sem fazer um controle adequado é charlatanismo".

O especialista destacou que em nenhuma hipótese a vitamina substitui a vacina. "O efeito dela de proteção é quase ínfimo quando comparado com o da vacina", afirmou. "As pessoas têm que fazer as duas coisas, se tiverem a vitamina D baixa repor com acompanhamento médico e tomar a vacina, assim aumenta ainda mais a chance de proteção".

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O autor do vídeo foi procurado, mas não respondeu à mensagem.

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