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‘Eu sou a direita da esquerda’, diz Márcio França

Ex-governador e atual candidato ao Senado propõe uma agenda mais conservadora para atrair o eleitorado que não vota em Lula

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Foto do author Pedro  Venceslau
Por Pedro Venceslau
Atualização:

Depois de dizer de forma peremptória que seria candidato ao governo de São Paulo e que foguete não tem ré, o ex-governador Márcio França (PSB), 58 anos, cedeu à pressão do PT e aceitou abrir mão da candidatura para concorrer ao Senado na chapa de Fernando Haddad (PT).

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Líder nas pesquisas de intenção de voto, França apresenta uma agenda mais conservadora do que seus companheiros de coligação, em especial o PSOL. “Quando me perguntam se sou de esquerda ou direita, eu digo que sou a direita da esquerda. Ou a esquerda da direita”, afirmou o pessebista nesta entrevista ao Estadão.

Seus adversários dizem que caso vença a eleição deixará o cargo para ser ministro do Lula, o que deixaria a vaga para o suplente Juliano Medeiros, presidente do PSOL. O sr. será ministro do Lula?

Cumpri 100% do mandato todas as vezes que fui eleito. O cargo de senador é muito relevante. Não há como pensar em ter outra função. Lula também não faria um convite antecipado. Ele é experiente. O Senado nesta eleição é uma vaga só em disputa. A gente precisava unificar o campo para as pessoas associarem quem é o time de um lado e de outro. A presença do Juliano (como suplente) unificou o campo. Quem é do time do Lula está do lado de cá, quem não é do lado de lá.

Ex-governador, Márcio França busca agora vaga no Senado Federal Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO

Como foi a escolha do Juliano Medeiros?

Foi uma escolha do Haddad, que tinha uma combinado com o Lula e comigo que eu seria o candidato único desse campo. O Haddad preferia alguém de vice na chapa sem uma marca mais forte de posições à esquerda. Tive com ele poucas vezes, mas Juliano me parece uma pessoa preparada. O Guilherme Boulos (PSOL) na disputa passada foi para o segundo turno. Ele tem um approach um pouco do que era o PT.

Ex-aliado do PT, Aldo Rebelo, que disputa o Senado pelo PDT , disse que o Lula de 2022 é uma incógnita. Concorda com ele?

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O Aldo é um dos homens públicos que eu mais respeito no Brasil, mas acho o Lula altamente previsível. O Lula colocou seu nome à disposição porque sabe que se não fosse ele o Bolsonaro seria reeleito. Simples assim.

Não teme que o PSB se torne um satélite do PT em um eventual governo Lula?

A nossa tradição é mais antiga que o PT. Temos quase 80 anos. Já vimos passar muitos nomes e sobrevivemos. Doutor (Miguel) Arraes dizia que não somos um navio que afunda, mas o oceano. Os navios passam pelo oceano. Temos um pensamento que é mundial. Existem partidos socialistas no mundo todo. O Lula é um fenômeno pessoal extraordinário que foi eleito duas vezes e fez sucessora. Fez uma coligação como um nome improvável de vice, o Geraldo Alckmin. A escolha dele foi quase uma nova carta aos brasileiros escrita na forma de um convite. É uma carta de pacificação. O Geraldo é totalmente diferente do Lula. São estilos e personalidades diferentes. Alckmin é mais ortodoxo no formato.

O sr. disse de forma peremptória que seria candidato ao governo e que foguete não tem ré. Agora disputa o Senado. Por quê?

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Foguete não tem ré, mas precisa de combustível. O combustível da política é gente apoiando. Convenceram Lula que seria o caminho mais fácil para vencer em São Paulo. Ele nunca ganhou em São Paulo. Na verdade só uma vez no 2° turno contra o (José) Serra. Eu achava que comigo na disputa seria mais fácil fazer esse movimento, pois tenho eleitores que não votam no Lula. Mas ele insistiu que houvesse uma unificação de marcas. Lula usou como exemplo um estádio de futebol onde metade é verde e a outra preto e branco. Você não vai dizer que tem palmeirense no lado de cá.

Qual o adversário para o Haddad no 2° turno: Tarcísio de Freitas ou Rodrigo Garcia?

Haddad tem me surpreendido. Ele tem uma sensibilidade que eu não conhecia. O Haddad chora. Eu acho muito interessante e atraente homens que choram. Foi decisivo para mim abrir mão ver ele chorando no evento da junção do Alckmin com Lula. Eu estava de frente para ele no outro canto. Quando a Janja colocou um vídeo do passado do Lula, ele chorou.

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Mas qual o adversário mais difícil?

As pesquisas às vezes induzem a gente a achar coisas erradas. Haddad é o favorito. Se ele manter o padrão de votos do Lula em São Paulo, em torno de 40%, o Haddad tem possibilidade de ganhar no 1° turno. Não é impossível. Os dois, Tarcísio e Rodrigo, dividem o mesmo eleitorado. Do ponto de vista nacional esse eleitorado está concentrado no Bolsonaro. Os votos do Bolsonaro serão divididos em dois. O Rodrigo Garcia conhece mais São Paulo que o Tarcísio. Seria um candidato que, no 2° turno, evitaria grudar no Bolsonaro. Mas o Tarcísio tem uma vantagem. Ele me parece uma pessoa mais simples. O Rodrigo é mais formatado: jovem, bonito, um rapaz alto. O Tarcísio é mais povão que o Garcia. Dos três, quem trabalhou melhor a pré campanha foi o Haddad. Ele fez uma opção decisiva. De 1822 até hoje, 164 pessoas ocuparam o cargo de vice governador. Nunca houve uma mulher. Foi importante ele escolher uma mulher de vice, independente da Lucia (França) ser minha esposa. A escolha do vice do Rodrigo foi um pouco soberba. Escolheu alguém da relação e da região dele. É como se dissesse: vou sair daqui 3 anos para ser candidato a outra coisa e quero deixar alguém de minha confiança. Tarcísio escolheu de vice um homem, um bom prefeito de São dos Campos. Mais do mesmo.

O fato da vice de Haddad ser sua esposa não soa como um nepotismo na coligação?

Pode soar. A Lúcia, minha mulher, nunca foi candidata a nada nem ocupou nenhuma função pública, foi sempre militante política. Ela é muito feminista e pega no pé do Bolsonaro. Lúcia é professora, mas montou uma escola que completou 40 anos. Ela é muito bem sucedida economicamente. Muito mais que eu. Dessa vez ela topou para tirar a Bolsonaro. Eu sou muito mais dependente dela do que ela de mim.

Quando seu adversário Marcos Pontes (PL) foi ao espaço, o ministro da Ciência e Tecnologia era Eduardo Campos, que era do PSB. Qual foi a importância dessa viagem?

Naquela época havia essa coisa do Brasil da Copa do Mundo, do Brasil liderar. O Marcos tinha feito um curso. A ideia partiu do presidente Lula. Abriram a possibilidade de outros países comprarem uma cota com dinheiro público para ir para a lua. Era a honra de ter um compatriota indo pra lua. Ele estava nesse voo. Depois ficou famoso. Foi candidato a deputado federal nosso (do PSB). Tem 50 ou 60 mil votos. Passou o tempo e ele acabou sendo suplente do Major Olímpio. Ele é senador suplente. Me dou muito bem com ele. Nos encontramos na Band e eu brinquei: me ensina esse negócio da lua que eu te ensino esse negócio do voto (risos). Me dou bem com o Edson (Aparecido) também.

Qual será sua principal missão se for eleito senador e Lula presidente?

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Se for o Lula, vou levar minha experiência. O senador tem entre outras tarefas fiscalizar as agências reguladoras. As agências foram criadas depois das privatizações. Se o uso da cannabis pode ser feito de forma medicinal ou não tem a ver com as agências, bem como os preços das tarifas de transporte. Falta peso no Senado para isso. As relações exteriores são muito vinculadas ao Senado. O Brasil fechou portas importantes.

Se Lula vencer, deve ser promovido um “revogaço” no Congresso?

França - Deve se revogar essa aparência de coisa provisória que o Bolsonaro tem. Ele improvisa muito. Pode não fazer por mal, mas um presidente da República não pode falar o que falou sobre a mulher do presidente da França. Eu disse ao presidente Lula que eu me concentraria no início em uma reforma tributária. Ele tem um pouco de resistência e quer fazer por pedaços. É essencial simplificar a metodologia tributária brasileira.

O próximo Congresso deve adotar uma posição mais flexível com a cannabis medicinal?

Sou 100% favorável. É um atraso fazer com que crianças autistas sem acesso, sabendo que existe um tratamento.

E sobre a descriminalização do uso de drogas?

Sou contrário. Não temos ainda a estrutura para manter essa engrenagem.

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E o aborto?

Sou contrário.

Sua agenda é mais conservadora que o campo da esquerda.

Normalmente sim. Quando me perguntam se sou de esquerda ou direita, eu digo que sou a direita da esquerda. Ou a esquerda da direita. Não concordo com coisas que são feitas em movimentos de esquerda. Não concordo com o formato do golpe na Venezuela. Cuba precisava ter mais partidos. Na China todos os votos vão para um partido só.

Para fugir da polarização o Rodrigo Garcia diz que não é esquerda, nem direita e anda para frente.

O Rodrigo precisa é fugir do Doria, que é o Wally do Onde está Wally. Onde está o Doria? (risos). Desapareceram com ele. Parece que estava no Estados Unidos, depois nas Ilhas Fiji.

Mas o sr. ajudou a eleger o Doria em 2016...

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Ajudei. E junto comigo tantos outros. Nos frustramos. Doria é o único caso que conheço de alguém que foi defenestrado, abduzido. Abduziram o Doria do governo de São Paulo. Não é fácil.

Garcia e Haddad disputam o legado do Alckmin e do PSDB em SP. Quem tem mais legitimidade?

O Rodrigo não pretende ficar no PSDB. Pode anotar: se vencer vai para outro canto que tenha mais afinidade com ele. O Rodrigo é mais à direita. Tem posições mais liberais. Está mais pro DEM. O PSDB para ele é uma rodoviária.

Em 2018 o Geraldo Alckmin disse que Lula queria voltar à cena do crime ao concorrer à Presidência. O eleitor vai assimilar essa aliança?

No começo não. Mas com o passar do tempo as pessoas vão compreender as tarefas.

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