PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Disputas de poder e o debate político-cultural brasileiro

Opinião|Reforma tributária avança e poderemos cobrar: quanto o IVA vai aumentar para atender um lobby?

Texto aprovado pode estabelecer uma relação mais adulta com o Estado e será preciso ficar atento para os impactos de novos programas no imposto a ser criado

PUBLICIDADE

Foto do author Fabiano Lana

Depois de décadas de discussões, muito ceticismo e alguma esperança, o Congresso brasileiro aprovou este mês a proposta de reforma tributária que, em tese, racionaliza o nosso sistema de arrecadação. Ainda há leis complementares a serem aprovadas, incertezas e riscos no ar, conforme os artigos do economista Felipe Salto publicados no Estadão. Mas é inegável que uma etapa finalmente ficou para trás. Apesar dos reveses, a reforma tornará mais fácil a relação entre os cidadão e o Estado do ponto de vista dos direitos e dos deveres. Agora ficará claro quem paga a conta.

Foi um longo processo. Em 1999, por exemplo, a comissão da reforma tributária na Câmara era composta por nomes bastante relevantes na política brasileira, como o futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci (PT), o deputado tucano Antônio Kandir (PSDB), o futuro governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB). Porém, não prosperou. Logo, para quem vê as discussões da perspectiva das décadas (este autor foi repórter na comissão do século passado), é prodigioso que a aprovação realmente tenha sido conseguida.

O plenário do Senado aprovou no dia 8, em primeiro turno, por 53 votos a favor e 24 contra, o texto-base da proposta de reforma tributária Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

PUBLICIDADE

Nas últimas semanas, entretanto, prevaleceu um sentimento de frustração em relação ao texto da reforma devido às exceções incluídas no texto que atendem a grupos organizados. Ainda não está claro também como o governo conseguirá os R$ 60 bilhões até o ano de 2043 para o Fundo de Desenvolvimento Regional, fora outros pontos que seguem obscuros. Mas pode ter sido o preço para que algum êxito fosse conseguido em um tema que colocou tantos atores econômicos em confronto permanente.

Do ponto de vista da cidadania e do amadurecimento do País, a qualidade mais interessante da reforma estará no valor global da alíquota do Imposto Sobre Valor Agregado, o IVA. A alíquota está estimada em 27,5%. Menos otimista, Felipe Salto fala em até 33%. Talvez seja a porcentagem mais alta do mundo.

Mas daí, independentemente do valor, há elementos para ser otimista. Atualmente, são muito poucos os brasileiros, inclusive na classe política, que fazem a conexão imediata de gastos do Estado e o dinheiro que é tirado do bolso da população. Agora essa ligação ficará mais clara e a vida dos populistas um pouco mais difícil.

Publicidade

Por exemplo, cada grande programa que for anunciado, uma proposta retumbante qualquer, poderemos imediatamente contraditar: “ótimo, quanto vai custar, qual será o impacto no nosso IVA? 0,1%? 1,2%?” Porque hoje não temos essa noção e não é incomum pensar que recursos do governo são recursos de lugar nenhum.

Uma classe qualquer, os servidores do Judiciário, digamos, pode requerer um reajuste em seus vencimentos. Antes de concordarmos ou não com o pleito devemos exigir as contas e saber qual o impacto no IVA. Pode ser até de 0,01%. Mas temos que estar atentos aos pedidos de todos os lobbys da sociedade porque de 0,01% em 0,01%, o Estado pode ficar tão sufocado que não sobrará recursos para o que deveria importar como saúde, educação e segurança. Aliás, na verdade, não tem sobrado.

Não é que não exista almoço grátis. A rigor, nada é gratuito. Sempre é a população que paga. Ou diretamente como consumidor, ou via Estado como contribuinte. E caso o governo resolva emitir títulos, contrair dívida, o povo também será pagante, inclusive deverá bancar os juros incluídos nas operações definidas pelo governo. Não há saída. Não há mágica.

Hoje, com a confusão tributária, não temos exatamente a noção do impacto de cada ação do governo nos nossos bolsos e nas contas das empresas. Pagamos por uma alta carga tributária em comparação com os países de nível semelhante no desenvolvimento e os caminhos do dinheiro seguem labirínticos, enigmáticos e intrincados.

Agora, se alguém quiser algum privilégio do Estado, justo ou não, ordenaremos que nos mostrem o impacto financeiro. A partir daí será possível decidir se a causa é realizável ou não. Também poderemos saber qual impacto de gastos já na planilha consolidada do governo na hora de precisar cortar custos. Quem hoje sabe que a Previdência é responsável por cerca de 50% dos recursos que saem dos impostos de todos os brasileiros?

Publicidade

Logo, temos a chance de ter um pouco mais de luz no que até agora pouca gente enxerga. E começar uma nova etapa de uma relação mais adulta com o Estado. O governo deixa de ser, nas nossas mentes, um Leviatã incompetente, porém de poderes ilimitados, para ser apenas um gestor de recursos que nós mesmos ofereceremos a ele. Vamos apostar na simplicidade.

Opinião por Fabiano Lana

Fabiano Lana é formado em Comunicação Social pela UFMG e em Filosofia pela UnB, onde também tem mestrado na área. Foi repórter do Jornal do Brasil, entre outros veículos. Atua como consultor de comunicação. É autor do livro “Riobaldo agarra sua morte”, em que discute interseções entre jornalismo, política e ética.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.