SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) avalia que o Brasil vive um momento de emergência nacional, com paralisia em vários segmentos, desemprego crescente e grande insatisfação e angústia da população. Em razão deste cenário preocupante, ele acredita que o PSDB não pode fugir de sua responsabilidade de ajudar o eventual governo Michel Temer (PMDB) a encontrar as soluções para a retomada da confiança e das ações necessárias ao desenvolvimento. "O PSDB não pode ficar de braços cruzados", disse FHC, em entrevista ao programa Canal Livre, da TV Bandeirantes, na madrugada desta segunda-feira, 2.
A decisão oficial do PSDB será tomada terça, 3, em reunião da Executiva Nacional, mas FHC adiantou que o partido deverá optar pelo apoio ao peemedebista com a participação no futuro governo. "(O PSDB) deverá participar (da nova gestão) e dar apoio", reiterou. Indagado se o seu partido não poderia se prejudicar com essa participação, em razão das eleições gerais de 2018, quando deverá lançar candidato à Presidência da República, Fernando Henrique disse: "Temos de correr o risco, política é assim. O Brasil está em primeiro lugar, o partido vem depois."
Questionado sobre o nome do senador tucano José Serra (SP), cotado para ocupar o Ministério das Relações Exteriores, Fernando Henrique disse que se a escolha for confirmada, será um nome que dará visibilidade à política externa brasileira. "O Brasil precisa mudar sua política externa. Se o Serra for (para o Itamaraty) será bom porque ele conhece bem o comércio internacional, conhece a América Latina, os Estados Unidos e outros países. Acho bom porque o Brasil precisa mudar a sua política externa e o Serra é inteligente." Além disso, FHC disse que o novo governo precisa ter uma equipe de "gente confiável", mas lembrou que a sociedade não quer mais impostos, o que deverá dificultar a tomada das necessárias medidas amargas, já que o governo está sem recursos.
Por conta do grave cenário que o País atravessa, FHC ressalta que Temer tem de fazer um governo de "emergência nacional", pluripartidário, sem o "toma lá, dá cá", com respostas rápidas, mesmo que os resultados sejam de mais longo prazo, e com detalhamento franco da real situação à sociedade. Para o ex-presidente, Temer deve procurar reduzir o tamanho da máquina pública e dar sinais de que vai resolver a dívida fiscal - que ele avalia como o maior problema. "Hoje não sabemos qual a real situação do BNDES e da Caixa Econômica", disse o ex-presidente, defendendo também alterações na Previdência: "Todo mundo sabe que tem de mexer na idade mínima da aposentadoria, mas tem de ter regra de transição."
Apesar desses desafios, Fernando Henrique avalia que a chegada de Temer à presidência deverá gerar uma expectativa muito positiva para o País. "A expectativa com Temer muda na hora." E se a gestão Temer der certo, ele não vê razão para o peemedebista não concorrer à reeleição, mesmo que já tenha se comprometido a não concorrer em 2018. "Eu sou favorável à reeleição, o que temos de ser é mais severos com o uso do poder", disse o tucano, contrariando posição defendida pelo presidente nacional de seu partido, senador Aécio Neves (MG), que colocou como uma das condições para o apoio a Temer que ele não concorresse a um mandato consecutivo ao Palácio do Planalto.
Lula. Na entrevista, FHC falou sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, destacando que o petista vive hoje uma situação difícil e que com o seu comportamento, que considera nada compatível com a de um ex-presidente da República, aliado às denúncias que pesam contra ele, "está enterrando a sua história". O tucano destaca que Lula fez muitas coisas pela nação, mas em determinado momento perdeu o rumo, o que é ruim para o próprio País.
Lava Jato. Fernando Henrique acredita que a Operação Lava Jato é um caminho sem volta e representa, nos dias atuais, um retrato da democracia e das instituições independentes no País. Por isso, avalia que independentemente de um novo governo no País, como o de Michel Temer, essa operação deverá ser continuada.
Impeachment. Ao comentar sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff, FHC disse que já foi reticente a este expediente, mas agora avalia que a petista não tem mais condições de governar o País e que há base real para o pedido de seu afastamento da Presidência. "Dilma poderia ter mudado os rumos do Brasil", disse, alegando que a alertou sobre isso, mas ela nada fez. E que certas atitudes que ela vem pregando, como a de que dificultará o acesso de Temer e de sua equipe aos dados do governo, caso o seu afastamento se concretize, só contribuirá para "estragar a sua história".
Cunha. Sobre o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Fernando Henrique Cardoso disse que não entende porque o Supremo Tribunal Federal (STF) não avançou nos processos contra ele, já que as suspeitas que pesam contra o peemedebista são consistentes. "Pelo que está dito, (Cunha) não tem condições morais de continuar na presidência da Câmara. Ele é inteligente, hábil e de uma frieza muito grande, tanto que faz a Câmara andar, mas tem acusações consistentes, acho que STF tem que falar, não pode tapar o sol com a peneira."
Congresso. Para FHC, a fragilidade brasileira está justamente no parlamento, com a proliferação de partidos políticos. "Essa é a verdadeira fragilidade da democracia brasileira, não o impeachment." Ele acredita que este não é um momento de celebração, mas sim de olhar pra trás e ver o que foi feito de errado. Mesmo assim, o tucano diz que continua confiando no Brasil e em seu potencial econômico e social. "Mas precisamos agir logo e revitalizar nosso sentimento moral que não aceita mais métodos equivocados de corrupção. O Brasil precisa voltar a acreditar em si mesmo."
Polícia Federal. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso falou também na entrevista ao Canal Livre, da TV Bandeirantes, sobre o depoimento que prestou na última sexta-feira, 29, à Polícia Federal, no caso envolvendo sua ex-namorada Miriam Dutra, que o acusou de ter remetido recursos ilegais para ela no exterior, através da empresa Brasif, mas depois retirou as acusações. FHC disse que as acusações não têm base, que inventaram um apartamento dele em Paris e que trata o "filho dela" e não seu, com carinho. "Paguei os estudos dele com dinheiro meu, inclusive a universidade caríssima nos Estados Unidos", argumentou.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.