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A política sem segredos

Opinião|Exército ignora orientação do governo Lula e faz segredo sobre punição a oficiais; vai ficar assim?

Força repete conduta adotada na gestão Bolsonaro quando queria manter em sigilo de 100 anos documentos sobre investigação envolvendo o general Eduardo Pazuello

Foto do author Francisco Leali

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresenta-se como transparente. E contesta toda vez que se apresentam fatos sobre certa recalcitrância da administração federal na hora de mostrar o que faz longe do escrutínio público. O Exército, sob Lula, é o mais novo exemplo de que a ordem do petista para abrir os segredos, pelo menos ali, não é seguida sempre.

O caso envolve os oficiais que redigiram e assinaram em 2022 manifesto intitulado “Carta dos oficiais superiores da ativa ao Comandante do Exército Brasileiro”. Coronéis cobravam ação militar que poderia impedir a posse de Lula. Dois anos depois, a partir de depoimento à Polícia Federal do general Marco Antônio Freire Gomes, o então comandante, fica-se sabendo que o texto fora considerado ato de insubordinação. Foram abertos processos disciplinares e os envolvidos punidos.

O comandante do Exército, general Tomas Paiva, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o durante cerimônia comemorativa do Dia do Exército Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

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Um pedido direcionado ao Exército para ter acesso a essas investigações recebeu resposta negativa. Os documentos, segundo o comando militar, devem ficar resguardados por conta da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e para não abalar “a hierarquia e a ordem” na caserna. O máximo que o Exército admite revelar é que determinou a punição de 46 coronéis, sem esclarecer a sanção aplicada. Acesso ao processo já encerrado? Não. Vai ficar assim mesmo?

Na gestão do hoje ex-presidente Jair Bolsonaro foi a mesma coisa. As nuances jurídicas é que foram reajustadas. Em maio de 2021, o general e ministro da Saúde Eduardo Pazuello participou de um ato político no Rio de Janeiro ao lado de Bolsonaro. O Exército abriu uma investigação interna porque militar não pode fazer isso sem o aval do seu comandante. Pazuello foi absolvido pela Força, mas os documentos foram lacrados. Usando dispositivo previsto na Lei de Acesso à Informação (LAI), alegou-se que tudo era informação pessoal e deveria ficar em sigilo por 100 anos.

Como já é notório, Lula abraçou o tema e levou para campanha de 2022 prometendo revelar todos os segredos de Bolsonaro. Ao assumir, os documentos do caso Pazuello vieram a público mostrando que o Exército absolveu o general, hoje deputado, sustentando que o superior dele estava informado da participação no ato político.

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Agora, o mesmo Exército, ao invés de alegar sigilo de 100 anos, usa a LGPD e levanta o risco de prejudicar a ordem nos quarteis se o detalhe das punições vierem a público. A resposta da Força ignora que no ano passado, sob determinação de Lula, a Controladoria Geral da União (CGU) emitiu um enunciado que deveria servir de orientação para toda a administração público. O texto diz expressamente que sindicâncias militares seguem a mesma regra que vale para o caso dos servidores civis: uma vez concluídas as apurações, os documentos são públicos.

A CGU, que por determinação legal tem poder de determinar entrega de documentos negados por ministérios, ainda não se debruçou sobre o descumprimento da nova orientação pelo Exército. O caso pode tornar-se paradigma sobre como a administração petista deve agir, indicando que a cobrança por transparência vale para todos e não só para os adversários.

Opinião por Francisco Leali

Coordenador na Sucursal do Estadão em Brasília. Jornalista, Mestre em Comunicação e pesquisador especializado em transparência pública. Escreve às sextas-feiras.

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