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Opinião|Governo Lula monitora ataques recebidos em redes sociais, mas prefere esconder o que faz

Presidência editou portaria criando categoria especial de documentos que não precisam ser guardados ou mostrados ao cidadão que os solicitar; Secom diz que faz monitoramento e alega não ter registros do trabalho que confirma fazer

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Foto do author Francisco Leali

O governo Lula monitora as redes sociais que opera. Quando os ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou mesmo o próprio, anunciam um novo programa ou ação federal, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) trata de ver como a mensagem é recebida no mundo virtual. Falam mal? Falam bem? Compartilham ou não? Se o governo federal é alvo de ataques isso também é medido.

O governo, supostamente, quer apenas conhecer como seu recado chega ao público. Algo como seguir o mandamento de quem vende um produto ou ideia na praça que recomenda: “conheça seu cliente”. Mas o mesmo governo prefere esconder o que olha nas redes e o que lá encontra.

O ministro da Secretária de Comunicação (Secom), Paulo Pimenta, chefia a pasta que monitora as redes sociais do governo  Foto: Wilton Junior/Estadão

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A explicação completa da Secom inclui algo que soa incomum na administração pública: o monitoramento é feito, mas não há documento ou qualquer tipo de registro nos arquivos do governo. Segundo a secretaria da Presidência, a análise das redes foca em temas. E jura que não está vigiando ninguém no mundo virtual.

Oficialmente, o serviço tem as seguintes motivações, como sustenta a Secom:

A análise de rede traz informações a respeito do impacto das ações do governo federal nas redes sociais, podendo, assim, direcionar a atenção do governo para temas e situações que demandam reflexões e discussões internas, visando, então, iniciar/continuar estudos para aprimorar a governança, a integridade, a gestão estratégica, a gestão das campanhas publicitárias e a gestão da informação por parte do governo federal. Ressaltamos que as análises de rede medem tão somente a temperatura de determinada temática e seu alcance nas redes sociais, não objetivando o ‘monitoramento de pessoas’.”

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Num governo que diz prezar pela transparência de seus atos, parece contraditório não prestar contas do monitoramento que a Secom faz com essa característica de suposto termômetro da “temperatura” das redes digitais. Recentemente, a mesma Secom abriu uma licitação para contratar quatro agências a custo estimado de R$ 197 milhões. As quatro vão assumir a gestão das redes sociais da Presidência da República.

Esse contrato ainda não foi assinado. Já o trabalho que está em vigor e é feito por “analistas” segue sob a sombra. Diante da reiteração do pedido para mostrar algum registro do monitoramento das redes, a secretaria insiste que não guarda nada e ainda apresenta como justificativa para não mostrar o que faz uma regra editada pela Secretaria de Controle Interno da Casa Civil da Presidência da República em novembro do ano passado.

A portaria nº 26 de 2023 criou uma categoria especial de documentos da Presidência da República que não precisa ser sequer guardada. São os “briefings”, definidos como conjunto de registros, rascunhos, anotações ou informes produzidos ou coletados por servidor público em sua atividade. Assim, se alguém quiser saber algo desses registros, será informado que os briefings “não integram os fundos documentais da Presidência da República e da Vice-Presidência da República, nem constituem documentos preparatórios à tomada de decisão, sendo dispensável sua guarda e disponibilidade, mesmo quando impressos”.

A discreta portaria abre um brecha no campo da transparência pública. Seguindo seu princípio, cada órgão poderá editar seu próprio ato criando a categoria que quiser de registro produzido pelos servidores e estabelecendo se aquilo deve ou não ser mostrado à sociedade. É o mesmo que decretar sigilo, sem usar esta palavra.

O governo diz que documentos tais não são considerados documentos e, portanto, podem transitar à margem das regras que obrigam o Estado a dar publicidade aos seus atos. Exatamente como a Secom faz com o monitoramento das redes sociais.

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Opinião por Francisco Leali

Coordenador na Sucursal do Estadão em Brasília. Jornalista, Mestre em Comunicação e pesquisador especializado em transparência pública.

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