Governo aceitou pagar R$ 114 mil a mais pelo mesmo caminhão de lixo compactador

Aquisição de veículos envolve aumento repentino de preços e empresas com indícios de uso de ‘laranjas’

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Por André Shalders, Julia Affonso e Vinícius Valfré
Atualização:
4 min de leitura

BRASÍLIA – O “boom” na compra de caminhões de lixo pelo governo beneficiou empresas cujos donos verdadeiros podem estar ocultos por meio do uso de laranjas. É o caso da Fibra Distribuição e Logística Eireli, uma microempresa sediada em Goiânia e cujo dono, Jair Balduino de Souza, recebeu dinheiro do auxílio emergencial na pandemia da covid-19.

A firma ganhou um pregão de R$ 8,5 milhões na Codevasf de Pernambuco. A superintendência pagou R$ 477 mil por um caminhão de lixo. Dois meses antes, a Codevasf em Brasília havia comprado o mesmo veículo por R$ 391,3 mil, de outra empresa. Assim, o braço da estatal em Pernambuco, comandado por um apadrinhado do ex-líder do governo Jair Bolsonaro, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), deixou de economizar R$ 85.682,42 em cada um dos 18 caminhões. Ou R$ 1,5 milhão.

A prática contraria a instrução normativa número 73/2020, do Ministério da Economia, que obriga a considerar o preço de compras anteriores. A própria Codevasf já seguiu esta regra em outros casos.

Também sediada em Goiânia, a Globalcenter Mercantil Eireli, outra microempresa, ganhou uma licitação da Codevasf em São Luís (MA), no valor de R$ 1,7 milhão. O Estadão esteve na sede da empresa na última semana e encontrou uma casa abandonada, tomada pelo mato. No local, a reportagem descobriu que o suposto dono da Global – ao menos no papel – é funcionário da Fibra.

Sede da Global Center, empresa de fachada de Goiânia que ganhou pregões milionários da Codevasf para venda de caminhões de lixo. Foto: Wilton Junior/Estadão

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Desde 2020, a empresa participou de mais de 100 licitações do governo Bolsonaro, mas só recebeu dinheiro da unidade da Codevasf comandada por apadrinhado do deputado Aluisio Mendes (PSC-MA). Além dos caminhões, a Globalcenter informou à Receita Federal que atua em vários outros segmentos: do controle de pragas urbanas como ratos e baratas até cursos de pilotagem.

Na licitação vencida pela Globalcenter, a Codevasf-MA concordou em pagar R$ 356,9 mil por caminhão de lixo – uma semana antes, o braço da estatal em Pernambuco comprou o mesmo produto por R$ 319,7 mil. “A empresa fechou no fim de 2020, não tem mais. Não funciona mais. Quebrou financeiramente”, disse Herbert Rafael, da Globalcenter. Ele, porém, não explicou como a firma participou de licitações ao longo de 2021.

Nas centenas de documentos analisados pelo Estadão, a diferença mais gritante entre compras do mesmo caminhão chegou a R$ 114 mil. A Codevasf poderia ter poupado R$ 3,63 milhões apenas neste edital, se tivesse mantido o preço do pregão de menos de um mês antes para a compra de um novo lote de 32 veículos.

Oferta única

Em outro caso, na maior licitação de caminhões de lixo da Codevasf nos últimos anos, uma empresa de Minas Gerais arrematou um lote de 110 caminhões, avaliado em R$ 52 milhões, com apenas um lance. A empresa também foi a única a fazer uma oferta, e a fase de disputa do pregão se encerrou depois de apenas 88 segundos. Segundo servidores públicos, a situação é incomum.

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No interior da Paraíba, os 3,1 mil habitantes da pacata São Domingos terão o lixo coletado por um caminhão moderno comprado com uma emenda de meio milhão de reais do deputado federal Wellington Roberto (PL) via Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A máquina de R$ 549 mil é exagerada para a realidade local: com capacidade para 12 metros cúbicos de lixo, ela poderá recolher em uma única coleta todo o lixo produzido pela cidade em dois dias e meio.

Em Areia de Baraúnas, no interior paraibano, a prefeitura comprou um caminhão por R$ 470 mil também com emenda de Wellington Roberto. Os 2,1 mil habitantes terão um caminhão capaz de compactar quase 6 toneladas de lixo. A produção diária é de 1 tonelada. Procurado, o deputado não comentou.

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