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Crônicas sobre política municipal. Cultura brasileira local sob olhar provocativo | Colaboradores: Eder Brito, Camila Tuchlinski, Marcos Silveira e Patricia Tavares.

A violência na arquitetura de Salvador

Salvador era sinônimo de Carnaval em minha vida. Não foram muitos, na verdade apenas um. Mas inesquecível para quem teve uma juventude intensa em matéria de festas e diversão. A segunda visita veio sob a forma de um convite para falar num evento cultural da Vivo. Passagem curta e concentrada em conversas mais sérias.

Por Humberto Dantas
Atualização:

A soma das duas viagens não me permite dizer que conheço Salvador. Mas dessa vez foi diferente. Um feriado inteiro com duas incursões fortes sobre a realidade local. A primeira com moradores queridos, por mais de 10 horas entre diversos pontos da cidade baixa e Itapuã. A segunda bem turística, com um ótimo guia pelo Pelourinho. Gostei de ambas e alguns pontos chamam a atenção na cena local.

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Impossível não entrar num debate que busque compreender os limites do Turismo e da desigualdade. Até que ponto a cultura local e as mazelas sociais podem ser subvertidas ou ignoradas pelo desejo de ajeitar lugares em nome da preservação da história? Quem tiver respostas fáceis para esse debate flertará intensamente com o ácido juízo de valor de nossos tempos. A resposta não existe!

Outro ponto está associado ao caráter mais sociológico, ao encontro de etnias e crenças. Salvador respira essa magia e certamente é a grande cidade onde a África conta de forma mais clara sua história no Brasil. Tudo remete aos povos trazidos e mantidos de forma desumana para o país nos tempos coloniais. Tal história está bastante viva, e contada de diversas formas. Seja pela presença do povo nas ruas, seja por museus, pela arte, pelo debate político, pelo mágico sincretismo religioso. Impressiona, no entanto, que a cena política baiana, sobretudo na capital, seja tão branca.

Merece atenção ainda o quanto a história do Brasil, sobretudo dos séculos XVI a XVIII, mas com passagens importantes que vão até o início do XIX estão presentes em prédios e narrativas. Para quem gosta de estudar o país Salvador é parada obrigatória, a despeito da violência e da desigualdade que saltam facilmente aos olhos em alguns pontos da cidade. É aqui que a arquitetura portuguesa, o desenho lusitano e a adptação de um espaço geológico desafiador se encontram com os povos que fizeram o Brasil pela exploração do trabalho escravo. Salvador é uma aula de sociologia e história a céu aberto.

Por fim, uma discussão que ultrapassa as fronteiras brasileiras e nos leva a diversos exemplos pelo mundo. Em Paris, a pirâmide de vidro instalada no Louvre. Em Sevilha, o Metropol Parasol em plena cidade antiga. Em São Paulo aquela onda na Praça do Patriarca. E em Salvador, diretamente da década de 80 e suas controvérsias estéticas, o Palácio Tomé de Souza. Um monstrengo instalado em plena praça histórica onde está a secular Câmara Municipal, a entrada do elevador Lacerda e o primeiro prédio - reformulado - a abrigar o governo colonial. Uma tranqueira pseudo-moderna e destoante na entrada do Pelourinho. Os adjetivos utilizados nesse parágrafo podem ser, obviamente, contestáveis. Mas definitivamente a história não merece tais intervenções sem consultas mais adensadas. Por sinal, o atual prefeito, elogiado por muitos e contestados por outros, nitidamente um forte interventor na cena da cidade com muitas obras, poderia dar de presente aos baianos a demolição de tal edifício. Na cena soteropolitana eu inscreveria tal aberração arquitetônica, facilmente, na lista de violências da cidade.

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