Joias: TCU dá cinco dias para Bolsonaro entregar segundo pacote e fará varredura em presentes

Corte de contas também requereu que conjunto de diamantes de R$ 16,5 milhões que está apreendido com a Receita Federal vá para o acervo público, após conclusão das investigações

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Foto do author Adriana Fernandes
Foto do author André Borges
Por Adriana Fernandes e André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - O Tribunal de Contas da União (TCU) deu prazo de até cinco dias para que o ex-presidente Jair Bolsonaro devolva o segundo jogo de joias que recebeu do regime da Arábia Saudita. O conjunto, que reúne peças em ouro como relógio, caneta e abotoaduras, está guardado em um local privado de Bolsonaro, no Brasil.

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A ordem é para que as joias sejam enviadas para a Secretaria Geral da Presidência da República, que fica dentro do Palácio do Planalto. O tribunal também determinou, por unanimidade, que o conjunto de diamantes de R$ 16,5 milhões que está apreendido com a Receita Federal na alfândega de Guarulhos (SP) tenha o mesmo destino, após a conclusão das investigações sobre o caso.

Além das joias dadas pelo regime saudita, a corte requereu o fuzil e pistola recebida por Bolsonaro em 2019, dos Emirados Árabes. Paralelamente, foi determinada uma varredura minuciosa em todos os presentes que o ex-presidente recebeu em seus quatro anos de governo, conforme antecipou o Estadão nesta quarta-feira, 15. Aquilo que não for considerado como presente “personalíssimos” terá de ser integrado ao patrimônio da União, e não poderá ficar com Bolsonaro.

Outra decisão tomada é que, a partir de agora, nos últimos dois meses que antecedem o fim de cada mandato, passará a ser feito um pente-fino daquilo que pode ou não ser incorporado pelo então presidente como bem pessoal.

A defesa de Jair Bolsonaro sustentou que os presentes dados pelos sauditas seriam bens pessoais e que poderiam ser incorporados ao acervo privado do presidente. Na semana passada, ao se manifestar sobre os presentes, o advogado do ex-presidente Bolsonaro, Frederick Wassef, declarou que Bolsonaro, “agindo dentro da lei, declarou oficialmente, os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens, não existindo qualquer irregularidade em suas condutas”. Flávio Bolsonaro também saiu da defesa do pai e disse que as caixas de joias eram “personalíssimas, independentemente do valor”.

O ministro do TCU Walton Alencar, porém, que foi o relator do processo que definiu as regras sobre o assunto, ainda em 2016, foi claro em suas colocações. “Não há dúvida de que se trata de presente oficial, protocolar, destinado ao governo brasileiro, ou seja, por de trás da primeira-dama ou do presidente da República, está o Estado brasileiro, o governo brasileiro”, comentou o ministro. “Essas joias, a exemplo de todos os demais presentes, têm de ser entregues à Presidência da República, lá catalogadas e essas joias devem integrar o patrimônio público brasileiro, sob a guarda da Presidência da República.”

Segundo estojo de joias que entrou irregularmente no Brasil está em poder de Bolsonaro, como item privado FOTO REPRODUÇÃO TV GLOBO Foto: REPRODUÇÃO TV GLOBO

O presidente da corte, ministro Bruno Dantas, foi o autor da proposta para que os presentes oficiais passem por uma auditoria ao fim de cada mandato. Todas as propostas foram aprovadas por unanimidade. “Esse trabalho vai constar no plano de fiscalização do TCU. Não é possível que, a cada quatro anos, tenhamos uma crise porque esse ou aquele presidente entendeu que um presente era para o seu acervo particular”, afirmou Dantas.

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Ele também destacou o entendimento básico sobre o que é um presente de caráter pessoal. Trata-se de atender a dois requisitos: ser um item considerado personalíssimo e de baixo valor monetário, como uma camisa de clube, uma garrafa de bebida típica, um perfume ou um lenço. “Estes são itens que preenchem esses requisitos para o acervo particular de um presidente. Se não preenche esses dois itens, devem ir para o acervo da presidência e isso está definido no acordão de 2016″, disse.

Walton Alencar chegou a multiplicar os salários brutos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que hoje recebem R$ 39.293,32 por mês, para demonstrar a exorbitância da joias apreendidas e estimadas em cerca de R$ 16,5 milhões. “Fiz uns cálculos. Mesmo que um ministro do STF tenha trabalhado por 50 anos com salário bruto, não seria o suficiente para adquirir esse patrimônio em joias”, declarou.

O ministro relator do caso, Augusto Nardes, confirmou que chegou a receber a proposta da defesa de Bolsonaro, de entregar os itens ao TCU, mas que tudo deve ser encaminhado mesmo para a Secretaria Geral da Presidência. “Esta casa não tem jurisprudência neste sentido, de receber joias e demais objetos de valor por falta de amparo legal. Não cabe ao tribunal receber”, disse. A decisão do plenário do TCU atendeu a um pedido feito pela deputada federal Luciene Cavalcante da Silva (Psol-SP).

Conforme revelou o Estadão, a comitiva do governo Jair Bolsonaro tentou entrar no Brasil com duas caixas de joias de forma ilegal e sem declarar à Receita Federal. Uma caixa foi avaliada em cerca de R$ 400 mil, com relógio com pulseira em couro, par de abotoaduras, caneta rosa gold, anel e um masbaha (uma espécie de rosário islâmico) rose gold, todos da marca suíça Chopard.

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O conjunto de diamantes bem mais valioso, estimado em cerca de R$ 16,5 milhões e que seria levado para a então primeira-dama Michelle Bolsonaro, inclui colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes. Este acabou retido pelos auditores da Receita, em 26 de outubro de 2021.

A comitiva do governo, que era liderada pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tentou entrou no Brasil sem declarar os bens, o que é ilegal. Ao serem abordados pelos fiscais da Receita, em Guarulhos, que já tinham reunido informações que levantavam suspeitas, descobriu-se que carregavam as joias milionárias.

A posse do conjunto de diamantes estava na bagagem do assessor Marcos André Soeiro, que foi parado pelos fiscais. Já Bento Albuquerque, estava com o segundo pacote de peças em ouro, passou pela alfândega e não foi abordado. Ele retornou ao local de inspeção mesmo após ter saído da área, disse que era um presente para Michelle Bolsonaro e tentou liberar o item, mas não conseguiu. Nas cerca de duas horas que ali permaneceram, os integrantes da comitiva entraram em contato, ainda, com a chefia da Receita Federal, para tentar reaver o item apreendido, mas não tiveram êxito.

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Desde 2016, uma regra determinada pelo TCU impõe que presidentes só podem ficar itens recebidos se estes forem considerados “bens personalíssimos”. São itens como camisetas e perfumes, por exemplo. O TCU veda expressamente presentes como os que foram enviados ao casal Bolsonaro.

Quando o Estadão revelou o escândalo das joias, a primeira atitude de Bolsonaro e de Michelle foi dizer que não tinham conhecimento dos presentes e insultar a imprensa. Nos dias seguintes, com as novas revelações e detalhamentos sobre o caso, Bolsonaro admitiu que recebeu um segundo pacote e que o guardou em seu poder, tendo incluído o item nos sistemas oficiais do Palácio do Planalto como item pessoal.

Houve ainda a tentativa determinada pelo próprio Bolsonaro de não apenas tentar retirar as joias apreendidas dos cofres da alfândega, em Guarulhos, como ainda inserir os dados desse jogo de diamantes dentro desse mesmo sistema, como item pessoal, mesmo sem ter as joias em suas mãos. Como a tentativa - que mobilizou até mesmo um voo da Força Aérea Brasileira - se mostraria fracassada, foi solicitada a exclusão dos dados do sistema. Essas informações já foram confirmadas e repassadas à Polícia Federal.

As investigações sobre o caso já envolvem, além da PF, outras frentes de apuração que são realizadas pelo Ministério Público Federal em Guarulhos, Controladoria Geral da União, Receita Federal e Comissão de Ética da Presidência da República.

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