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Juristas comentam se ministro do STF pode barrar nomeações do governo

Alexandre de Moraes suspendeu a indicação de Ramagem para o comando da PF e apontou “ocorrência de desvio de finalidade”

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Por Paula Reverbel
Atualização:

Causou ruído no meio jurídico a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender, na quarta-feira, a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal.

A escolha de Ramagem, amigo do vereador Carlos Bolsonaro, foi feita na esteira da demissão de Maurício Valeixo do comando da PF – queda que resultou no pedido de demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Na saída, Moro acusou o presidente da República, Jair Bolsonaro, de tentar interferir politicamente na corporação.

Bolsonaro se encontra com Ramagem na sede da Abin em 2019 Foto: Carolina Antunes/Planalto

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Para Moraes, que atendeu a um pedido feito pelo PDT ao suspender a indicação de Ramagem, o caso apresenta “ocorrência de desvio de finalidade”. O Estado ouviu dois renomados juristas que discorrem sobre qual é a prerrogativa do ministro ao lidar com o caso. Leia a seguir.

Ives Gandra Martins - contra a decisão de Alexandre de Moraes

Eu gosto muito do Alexandre, fizemos bancas de doutoramento juntos, ele é livre-docente da USP. No curso de Direito Constitucional, os comentários dele são muito bons. Agora, eu tenho a impressão de que a independência e harmonia dos Poderes – do artigo 2º da Constituição – ficam abaladas com essa intervenção do Poder Judiciário em uma administração do Poder Executivo, dizendo: “Olha, você pode nomear fulano, não pode nomear sicrano”. Isso não é função do Poder Judiciário. O Poder Judiciário é um legislador negativo, não é nem um administrador e nem um legislador positivo.

Então a minha posição como professor de Direito Constitucional é de que não cabe ao Supremo decidir sobre essa matéria. Agora, se comprovar que o sujeito é prevaricador, é corrupto, etc., ele (Alexandre) mas está efetivamente punindo alguém cuja prova tenha sido inequívoca. Ele não tem processo nenhum, esse delegado nomeado é apenas amigo do Bolsonaro. Então, com todo o respeito, admiro muito o Alexandre, temos muitos livros escritos juntos, mas eu tenho a impressão que é um ativismo judicial, que traz mais insegurança jurídica do que certeza. O Supremo deve agir tecnicamente, para decidir os casos que lhe chegam à luz da Constituição. Mas não para interferir na administração como nesse caso.

Acho que não caberia ao Judiciário intervir em nomeação do Executivo porque fere a independências dos Poderes. E, mais do que isso, só pode atingir alguém que pertença à administração uma vez comprovado que esse cidadão cometeu um crime e não porque ele é amigo do presidente.

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Alberto Zacharias Toron - a favor da decisão de Alexandre de Moraes

O Estado Democrático de Direito é regido pela Constituição e por leis. Quem exerce a presidência do Estado e do governo não pode fazer o que quer. O mandatário da nação tem a obrigação de observar as regras constitucionais e as regras legais. Isso significa dizer que toda a nomeação da administração pública se sujeita a essas normas. Em outras palavras, tudo aquilo que contrarie o princípio da moralidade e o princípio da impessoalidade pode e deve ser obstado pelo Judiciário.

E foi exatamente isso que o ministro Alexandre de Moraes (fez). Os dados – não apenas os revelados pelo ex-ministro Sérgio Moro, mas por aquilo que o próprio presidente falou – indicam que aquela nomeação feriu os princípios da moralidade e da impessoalidade razão pela qual o ministro, corretamente, concedeu a liminar.

Mesmo o dono de uma empresa não pode fazer o que quer. Eu, na minha casa, não posso fazer o que eu quero. Tem coisas que não são permitidas. Muito menos o chefe de Estado.

A discussão que surge é se nos cargos de confiança e de livre nomeação esses princípios interferiram. A resposta é afirmativa: esses princípios devem ser observados também nessas nomeações. É sentido clássico da atuação do Poder Judiciário numa democracia, de modo que eu aplaudo a decisão do ministro Alexandre de Moraes.