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À margem da História

Opinião|Lula deveria se inspirar em Teotônio, apoiar Wagner e se envergonhar de Dino

Há 40 anos, em 27 de novembro de 1983, o movimento por eleições diretas para presidente chegava a São Paulo. No mesmo dia, em Maceió, morria o senador Teotônio Vilela, o Menestrel das Alagoas, um conservador que empunhava a bandeira da liberdade política

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Atualização:

Nos estertores da ditadura, Milton Nascimento e Fernando Brant lançavam uma música sobre um certo Menestrel das Alagoas que propunha o fim do tempo sombrio da repressão. “Quem é esse viajante?/ Quem é esse menestrel?/Que espalha esperança/E transforma sal em mel”, dizia a canção. “De quem é essa ira santa? Essa saúde civil?/Que tocando na ferida/Redescobre o Brasil.”

O senador Teotônio Brandão Vilela era uma espécie de herói muito improvável num país disposto a tirar os militares dos palácios de Brasília. De uma família de usineiros, ele estava na política havia tempo. Em 1964, como vice-governador de Alagoas, foi a um quartel de Maceió manifestar apoio aos golpistas que derrubaram o presidente João Goulart. No ano seguinte, entrou para a Arena, o partido da situação. Em 1966, foi eleito senador. Mas não era bem o tradicional político de sua época, que contava com um fichário de eleitores.

Senador Teotônio Vilela atuou pela redemocratização do País Foto: Acerto Instituto Teotonio Vilela/ Senado

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Foi a partir da reeleição ao Senado, em 1974, que Teotônio começou a articular a redemocratização. Num discurso no plenário, disse que a “revolução “permanece insensível à liberdade partidária e a todo um elenco de princípios fundamentais da democracia”. Os colegas dele de Arena se retiraram. O presidente do Senado, Magalhães Pinto, também da legenda, desceu da mesa diretora para abraçá-lo.

Com chapéu, óculos de armação grossa e cigarro na boca, Teotônio começou a percorrer as cidades para falar de abertura. Milton se encantou com a figura mais estranha que poderia existir na defesa de um anseio dos setores mais esclarecidos. Mas a liberdade, esse patrimônio forte, não se personaliza em uma figura, em um grupo. Afinal, somos todos imperfeitos e a liberdade é também dos frágeis, dos que erram, dos que estão de um lado ou de outro, e principalmente daqueles que propõem mudança e para melhor.

Senador Teotônio Vilela em sessão no Senado Foto: Acervo Instituto Teotonio Vilela/ Senado

Teotônio era um conservador, e um homem moderado. A História recebe também contribuições de figuras assim. Num dos momentos emocionantes da política brasileira, ele passou a ir aos presídios conferir a situação dos presos políticos.

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Em 1982, um “bichinho danado”, como o senador relatou, entrou no seu organismo. Era o câncer, que atingia o cérebro de Teotônio, que nessa época tinha migrado para o MDB e depois PMDB. Ele morreu a 27 de novembro do ano seguinte, no mesmo dia que ocorria o primeiro comício unificado do movimento por eleições “diretas já” para presidente em São Paulo, em frente ao Pacaembu. “Você esvaziou os cárceres do Brasil”, disse o deputado Ulysses Guimarães no enterro do político alagoano em Maceió. Mais de 30 mil pessoas foram às ruas da cidade para a última homenagem a um predestinado a coronel da Zona da Mata que resolveu participar de uma epopeia da liberdade.

O brasileiro só votaria diretamente para presidente em 1989. Mas desde a peregrinação de Teotônio pelo País, o Brasil construiu sua democracia, aos trancos e barrancos. Uma Constituição foi aprovada, presidentes de diferentes espectros políticos se elegeram, uma tentativa de golpe fracassou. Nos quarenta anos da morte do político conservador, o estilo moderado, o espírito democrático e a sensatez política nem sempre são tratados como virtudes.

Isso ficou claro nesta semana em posicionamentos de dois ex-governadores de esquerda, homens experientes na política e que foram eleitos para o Senado no ano passado. Um deles, o petista Jaques Wagner, foi atacado pela militância do partido por votar a favor da Proposta de Emenda Constitucional que restringe decisões individuais de ministros do Supremo Tribunal Federal.

A proposta, levada a plenário pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), é uma ação oportunista, que acirra os ânimos entre os poderes, um anseio de intimidar o Supremo por parte de lavajatistas e bolsonaristas, que nunca tiveram muita consideração pelas instituições. Esta coluna já discutiu ações do grupo de Pacheco contra o Judiciário.

Ao votar pela PEC, Wagner mirou apenas a governabilidade. O Palácio do Planalto tem necessidade urgente de estreitar relações com o Legislativo. Com líderes sem trânsito num Congresso de maioria conservadora, Lula corre risco de ter um 2024 de derrotas de projetos importantes na área econômica e ficar de fora, no ano seguinte, da sucessão das mesas diretoras das duas casas. O senador atuou de forma combinada com Lula, claro, e que a Câmara derrube a PEC - a propósito, o presidente Arthur Lira (PP) não tem nada contra decisões monocráticas.

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Sem a mesma disposição para o sacrifício do colega baiano, o ministro da Justiça, Flávio Dino, aposta no papel de incendiador. Numa ação diversionista, ele espalhou notícia falsa, ajudou a promover ataques nas redes a repórteres e deixou sua pasta às moscas; abriu um vácuo até no papel de buscar convergências entre os poderes na semana decisiva.

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André Shalders e Tácio Lorran, do Estadão, revelaram que subordinados do ministro receberam em audiência representantes de uma ONG bancada pelo Comando Vermelho. A pasta chegou a publicar portaria para acabar com a frouxidão das regras de acesso aos seus gabinetes. Era um debate, as pessoas podiam ter as mais diferentes visões.

Entretanto, Dino usou sua conta no Twitter para dizer que não recebeu gente da facção criminosa. Ele “desmentiu” o que os jornalistas não escreveram. A tática foi rebater uma fake news da turma extremista da direita para confundir. Lula repetiu a resposta e caiu no jogo de seu ministro, que fez de tudo para ganhar o papel de vítima. Na sequência, Dino divulgou uma denúncia anônima e inverídica contra a editora executiva do jornal Andreza Matais.

O ministro entrou de sola numa campanha de ataque troll aos jornalistas. O guia “Falando sobre ataques online e trolls”, elaborado pelo centro InternetLab e pela organização Redes Cordiais, mostra que ataques massivos nas redes podem ser tão graves quanto os físicos. O termo troll designa, segundo o guia, “o usuário que transgride as normas do aceitável no debate público através de um comportamento violento que busca, de forma performática e intencional, desestabilizar um debate online e provocar as pessoas envolvidas”.

Em maio, o influenciador Felipe Neto discursou na ONU sobre liberdade de expressão, saúde mental e desinformação. No governo de Jair Bolsonaro, ele foi alvo de uma rede do ódio. Agora, atuou nos ataques a repórteres do Estadão. Estes profissionais fazem parte de uma equipe que, também no mandato do ex-presidente, iniciou a produção de uma série de reportagens como orçamento secreto, pastores do MEC, escolas fake, conluio entre militares e Bolsonaro para um golpe, identidades dos envolvidos no 8 de janeiro, caso Juscelino Filho, grilagem digital, entre outras. As investigações mostraram a corrupção com profundidade, e renderam perseguições digitais. O conceito de liberdade de Felipe talvez seja o mesmo de Dino. Muito diferente daquele de caráter inclusivo, sem flertar com extremos, pregado pelo Menestrel das Alagoas Brasil afora.

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Opinião por Leonencio Nossa

Editor de especiais do Estadão. Mestre em história e política. Autor dos livros “As guerras da Independência do Brasil”, “Roberto Marinho, o poder está no ar” e “Mata! O Major Curió e as guerrilhas no Araguaia”. Escreve aos sábados.

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