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Lula quer rever embaixadores indicados por Bolsonaro; ministro liga para ex-chanceler

Transição no Itamaraty tem início em telefonema entre Carlos França e Celso Amorim

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Foto do author Felipe Frazão
Por Felipe Frazão

BRASÍLIA - O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) planeja rever as indicações de embaixadores feitas pelo atual presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Senado. Há pelo menos 15 embaixadores já apresentados formalmente por Bolsonaro, cujas sabatinas estão travadas desde o início da campanha eleitoral. Com a transição de governo, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, deu o primeiro passo e telefonou para o ex-chanceler Celso Amorim, um dos articuladores da equipe petista.

A conversa introdutória entre eles ocorreu na manhã de sexta-feira, dia 4. Ficou acertado que eles voltarão a se falar para discutir detalhes da transição e dos novos representantes do País no exterior, a partir da semana que vem, depois que Amorim retomar atividades – ele passará por uma cirurgia em São Paulo na terça-feira, 8. Em tom, classificado como gentil e republicano, Carlos França se dispôs inclusive a encontrar o ex-ministro de Lula fora de Brasília.

O ex-embaixador Celso Amorim já negocia revisão de nomes indicados pelo governo Bolsonaro para embaixadas brasileiras no exterior Foto: Marcelo Chello/Estadão

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“Estou atento à situação. É um assunto delicado e teremos que analisar enquanto a transição progride”, disse Celso Amorim ao Estadão. “As pessoas compreendem o que é necessário para que a coisa seja tranquila. Não queremos antagonizar ninguém, mas obviamente o embaixador é o representante pessoal do presidente da República. São cargos de confiança. Tudo vai se passar de modo civilizado, as providências que tiverem que ser tomadas serão tomadas, sem nenhum espírito persecutório.”

Além de rever indicações, o novo governo ainda promoverá uma série de mudanças de titulares que estão em atividade em postos estratégicos. O principal deles é Washington, representação chefiada por Nestor Forster Jr, diplomata identificado com Bolsonaro. Também deverá haver troca em Buenos Aires e na representação da ONU, em Nova York.

Com a mudança de governo, o futuro do próprio chanceler Carlos França e de sua equipe mais próxima de colaboradores será negociado caso a caso, com o time de Lula, num processo conhecido como “testamento”. No fim do mandato, cabe ao titular do Itamaraty tocar as conversas para realocar os embaixadores no rodízio diplomático, de acordo com os postos disponíveis.

Em reuniões no Itamaraty, França já definiu quem serão os representantes do ministério na transição. O ponto-focal será o secretário-geral das Relações Exteriores, Fernando Simas Magalhães, o número dois na hierarquia da pasta, auxiliado por seu chefe de gabinete, Gabriel Boff Moreira. O próximo posto de Simas, proposto para a Embaixada na Itália, está em jogo.

Em privado, os próprios embaixadores da atual cúpula do Itamaraty reconhecem que as indicações serão revistas. O governo eleito indica que não abrirá mão de ter nomes da estrita confiança de Lula.

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Ao Estadão, o Itamaraty disse formalmente esperar que as sabatinas ocorram na penúltima semana de novembro, a partir do dia 21. O esforço concentrado no Senado foi adiado para 22 e 23 de novembro. Mas senadores envolvidos nas discussões dizem que a dança das cadeiras no serviço exterior ainda pode ser postergada. Há cúpulas internacionais que podem atrapalhar as conversas, como a COP 27, no Egito, e o G-20 na Indonésia. O assunto será discutido na segunda-feira, dia 7, em reunião de líderes convocada pelo presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

“Talvez isso seja um não-problema. Pode ser que até lá as coisas estejam, espero eu, mais amaciadas, porque vai ser possível conversar com mais razoabilidade”, afirmou o ex-ministro das Relações Exteriores nos dois mandatos de Lula. “É prudente esperar as conversas. A pessoa que for nomeada agora é para ficar três, quatro anos. Podemos desnomear a qualquer momento, mas isso não é bom para ninguém, nem para os próprios diplomatas.”

A Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado está acéfala. Os últimos embaixadores sabatinados foram aprovados em junho. Desde então, nenhuma sabatina avançou. Na próxima quinta-feira, dia 10, haverá uma eleição do novo presidente. Por acordo, a vaga ficará com o senador Esperidião Amin (PP-SC).

O receio da bancada do PT e de senadores alinhados a Lula, inclusive no Centrão, era que senadores ligados ao Palácio do Planalto tentassem impor uma aprovação às pressas de nomes alinhados ao bolsonarismo. Isso faria com que Lula fosse obrigado a reverter as nomeações a partir de janeiro, o que implicaria em custo político e despesas. O assunto vem sendo tratado como ato de “insensatez” por parte do governo Bolsonaro nos bastidores do Senado.

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Mas, mesmo no Itamaraty, a expectativa é de mudanças na lista, ainda que parciais. Um embaixador lembra que, ainda que aprovados no fim do ano, os novos chefes de missão só chegariam a seus postos na prática a partir de janeiro, tendo as cartas credenciais assinadas já por Lula, e não mais por Bolsonaro.

Se não houver acordo para retirada de parte dos nomes até o fim de novembro, a bancada do PT no Senado já prepara duas ações. A equipe do senador Humberto Costa (PT-PE), integrante da comissão, defende que as sabatinas sejam suspensas temporariamente e pretende apelar a Pacheco para que ele retire de tramitação as mensagens enviadas pelo Planalto.

O foco são embaixadas consideradas estratégicas para a política externa, parte delas postos-chave do “circuito Elizabeth Arden”, que reúne os destinos mais badalados da diplomacia. Da lista que chegou ao Senado, devem ser revistos Buenos Aires, Organização Mundial do Comércio (OMC), Haia, Santa Sé e Roma. Integrantes do PT dizem que esses cargos são sensíveis e que os embaixadores deveriam estar alinhados ao presidente eleito. Os nomes estão sendo revisados pela equipe do PT e de Amorim.

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“Minha opinião é que algumas dessas indicações podem ser revistas, ficar em suspenso, porque são postos estratégicos das relações internacionais. É o caso de Buenos Aires, que é eixo estruturante do Mercosul e da integração regional, além da relação bilateral com a Argentina”

Marcelo Zero, assessor do PT no Senado e especialista em Relações Internacionais

Nos bastidores, parlamentares e diplomatas admitem que há indicados com perfil ligado ao bolsonarismo ou mesmo embaixadores conservadores, indicados por causa de sua inclinação ideológica, embora tecnicamente capacitados para exercer os cargos. Não seria uma questão pessoal com os quadros do Itamaraty, mas de alinhamento político.

Das embaixadas mais sensíveis já indicadas, há uma grande preocupação com Buenos Aires, na Argentina, destino de visita de Lula nas próximas semanas. Atualmente na Itália, o indicado de Bolsonaro é o embaixador Hélio Vitor Ramos Filho, ex-assessor internacional do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (PSDB-RJ). Filho do ex-deputado Hélio Vitor Ramos, ele foi ministro de Minas e Energia no fim do governo FHC, quando a pasta era da cota do antigo PFL da Bahia. Ele substituiria em Buenos Aires Reinaldo Salgado, indicado como embaixador em Haia, na Holanda.

“Minha opinião é que algumas dessas indicações podem ser revistas, ficar em suspenso, porque são postos estratégicos das relações internacionais. É o caso de Buenos Aires, que é eixo estruturante do Mercosul e da integração regional, além da relação bilateral com a Argentina”, diz o assessor do PT no Senado e especialista em Relações Internacionais Marcelo Zero, cotado para compor a equipe de transição na política externa. “Não se trata de desmerecer os indicados do ponto de vista técnico. É uma questão política natural querer formar a própria equipe”, ressaltou. “A maioria não é problemática, em princípio não teria problema, mas tem algumas exceções.”


POSTOS DIPLOMÁTICOS EM DISPUTA


WASHINGTON

O posto mais importante da diplomacia, Washington, nos Estados Unidos, ainda segue sem “candidato” colocado internamente. Mas o embaixador Nestor Forster Jr, um dos olavistas no governo Bolsonaro, continua dando sinais de apreço pelos políticos conservadores. O fim do ciclo à frente da embaixada é dado como certo.

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VATICANO

O chefe de gabinete do chanceler França, embaixador Achilles Zaluar, já recebeu formalmente a concordância do Vaticano para assumir embaixada na Santa Sé. Porém, o cargo é outro considerado simbólico, dadas as relações próximas de Lula com a Igreja Católica e o Papa Francisco.

OMC

Ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, fundado pelos países dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o embaixador Sarquis Sarquis, atual secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos, foi indicado para a Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, na Suíça. O cargo também é considerado de grande importância.

FAO E UNESCO

A crescente cobrança por ampliar a participação feminina na primeira linha do serviço exterior foi contemplada com as embaixadoras Paula Alves de Souza e Carla Barroso Carneiro sugeridas para dois órgãos das Nações Unidas, respectivamente, a FAO e a Unesco.

LONDRES

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Segundo embaixadores da cúpula do Itamaraty, o atual ministro Carlos França já tinha confidenciado a interlocutores interesse em assumir a embaixada em Londres. Mas não houve indicação formal.

PARIS

O secretário de Assuntos Multilaterais Políticos, Paulino Franco, chegou a receber o agrément do governo Emmanuel Macron para assumir em Paris – a mudança dependia da aposentadoria do embaixador Luís Fernando Serra. Mas pode ser atrapalhada pela relação-chave que o governo terá com Macron.

NOVA DÉLI

O secretário de Oriente Médio, Europa e África Kenneth Nóbrega poderia assumir em Nova Déli, na Índia. O nome dele também foi cogitado em Berlim, onde atualmente comanda o embaixador Roberto Jaguaribe.

OCDE

Ex-porta-voz do governo Michel Temer (MDB), Alexandre Parola deve trocar a OMC pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

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ANCARA

Assessor especial na Secretaria de Governo, o embaixador Miguel Franco iria para Ancara, na Turquia, onde foi ministro conselheiro.

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