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Marco temporal: bancada ruralista reage à decisão do STF e ameaça obstruir votações no Congresso

Líder da frente parlamentar, deputado Pedro Lupion diz que julgamento no Supremo Tribunal Federal não impedirá aprovação de projeto no Senado reestabelecendo marco temporal para demarcação de áreas indígenas

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Foto do author Isadora Duarte
Foto do author Gabriel de Sousa
Por Isadora Duarte (Broadcast), Gabriel Hirabahasi e Gabriel de Sousa
Atualização:

BRASÍLIA - A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) reagiu à derrubada da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira, 21. O grupo que reúne 374 parlamentares ameaça obstruir votações no Congresso.

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O presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), disse que a bancada ruralista vai adotar “todas as estratégias possíveis” para garantir que o Congresso vote projetos que reeditem o marco temporal das terras indígenas - segundo a qual só seriam passíveis de demarcação os territórios ocupados por indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988.

A bancada defende a tese descartada pelo Supremo porque limita a demarcação de reservas, impedindo que propriedades rurais corram o risco de desapropriação caso uma comunidade indígena passe a reivindicar como seu o local.

O presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), ameaçou obstruir votações no Congresso por conta da decisão do STF em relação ao marco temporal. FOTO WILTON JUNIOR/ESTADAO Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO CONTEUDO

A ameaça foi feita em reação à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, por 9 votos a 2, decidiu derrubar a tese do marco temporal.

“Nem pautas a favor nem contra o interesse do governo terão nosso empenho enquanto o direito a propriedade no País não for resolvido”, afirmou Lupion em entrevista coletiva na noite desta quinta-feira.

“Quanto à questão das obstruções e estratégias regimentais, vamos adotar todas as possíveis para que a gente consiga aprovar a PEC e resolver o direito de propriedade”, completou.

Segundo Lupion, a bancada ruralista não pode “aceitar passiva essa questão. É uma afronta completa a tudo aquilo que trabalhamos e a agropecuária brasileira”.

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Lupion disse ainda que os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sabem “o que significa ter a FPA como inimigos” e ressaltou que a bancada vai “até as últimas consequências” para fazer valer a tese do marco temporal.

“Lira e Pacheco ambos sabem a influência e o que significa ter a FPA como inimigos. Arthur [Lira] tem sido um excepcional parceiro da nossa frente, Pacheco tem cumprido o que falou conosco, inclusive a tramitação do marco temporal. Vamos ver se ele vai cumprir o compromisso de mandar para o plenário [o projeto de lei do marco temporal] depois que for aprovado na CCJ. Vamos até as últimas consequências para vencer essa batalha”, afirmou.

Lira e Pacheco ambos sabem a influência e o que significa ter a FPA como inimigos.... Foi montado um calendário contra o agro [no STF] e a gente não pode aceitar isso

Presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), deputado federal Pedro Lupion (PP-PR)

Lupion citou até a possibilidade de se instituir uma Constituinte para avaliar a divisão dos Poderes da República. O presidente da FPA criticou o Supremo Tribunal Federal pela decisão sobre o marco temporal e sobre outros casos. Segundo ele, “foi montado um calendário contra o agro [no STF] e a gente não pode aceitar isso”.

“A corda está tão esticada, o relacionamento do STF com o Congresso está tão difícil, que não me surpreenderia uma Constituinte para divisão dos poderes. Claro que é um caso extremíssimo”, ressaltou.

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O deputado disse que “decisões como essa [do marco temporal], que são meramente politiqueiras, jogam para o progressismo mundial e não ajudam em nada”.

Segundo Lupion, ao acabar com a referência do marco temporal para só permitir demarcações de terras indígenas ocupadas até 1988, o STF subverteu o entendimento que vinha adotando sobre o tema. “Essa decisão alterou a própria jurisprudência do STF sobre o tema. O marco temporal em hipótese alguma retira direito dos povos indígenas”, disse Lupion. Por 9 votos a 2, o Supremo entendeu que não existe limite temporal de ocupação indígena para a definição de uma reserva.

Lupion classificou a decisão da Suprema Corte de “politiqueira”. “Não consigo entender que tenha sido uma decisão justa pensando na sociedade brasileira. Foi uma decisão muito mais na tentativa de ser simpático ao atual governo e ao progressismo mundial do que pensando na realidade do produtor brasileiro”, afirmou.

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Segundo ele, após a decisão do STF, indígenas paraguaios invadiram propriedades em Guaíra (PR). “Prevíamos que poderia ter votação negativa para direito de propriedade do setor produtivo. Há muito temos alertado sobre isso”, acrescentou.

Julgamento

Na sessão do STF, votaram contra o marco temporal o relator do caso, Edson Fachin, e os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Nunes Marques e André Mendonça foram os únicos a favor da tese defendida pelos ruralistas.

O ministro Celso de Mello, aposentado do Supremo Tribunal Federal, afirma ao Estadão que, sem o direito ao territórios, os povos indígenas ficariam expostos ao risco ‘gravíssimo’ de desintegração cultural e de perda de sua identidade étnica.

Os ministros do Supremo ainda terão que decidir como será definida a indenização de proprietários rurais que perderem suas terras por conta da demarcação de reserva indígena. Os ministros precisam decidir, por exemplo, se a indenização obrigatória for aprovada, como será o cálculo.

É preciso estabelecer se os proprietários terão direito a receber de volta apenas o valor do terreno ou também o que gastaram com eventuais benfeitorias. Outro ponto em aberto é a modalidade do pagamento, se antes ou depois da desapropriação.

Com o caso considerado inconstitucional pelo STF, o Congresso vai continuar discutindo a pauta?

A decisão do STF não impede que o projeto que está em tramitação no Senado continue a ser analisado pelos parlamentares. Caso seja aprovado pela CCJ e pelo plenário da Casa, a proposta ainda precisa passar pela sanção de Lula.

Caso o projeto chegue até a mesa de Lula, ele terá duas opções. Uma delas é a de acatar a decisão da maioria do Congresso e sancionar o marco temporal. A sanção, porém, poderia ser contestada no STF. O outro caminho é vetar a lei, levando em consideração a decisão da Corte.

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De acordo com Emanuel Pessoa, doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), o Senado pode insistir na tramitação do projeto de lei. Porém, o entendimento atual do tribunal tornará a lei passível de ser contestada e derrubada. “Os senadores decidem se vão continuar ou não com o projeto. Mas eles sabem que, com essa posição atual do Supremo, a lei vai ser julgada como inconstitucional. Mas se o Congresso quiser aprovar essa lei, ele pode”, explicou.

Se os parlamentares insistirem na votação do projeto, o Supremo tem pelo menos dois caminhos disponíveis. O primeiro, mais cauteloso, é aguardar a movimentação no Congresso e, se o projeto for sancionado, esperar o ajuizamento de alguma ação para eventualmente derrubar o texto. A segunda alternativa é um controle prévio de constitucionalidade. A atuação preventiva ocorre, via de regra, quando há risco de violação de cláusulas pétreas da Constituição.

Se o marco fosse aprovado no STF, quais seriam as consequências práticas no processo de demarcação de terras?

De acordo com um levantamento feito pelo Estadão, o marco temporal poderia inviabilizar a demarcação de 114 terras indígenas em 185 municípios do País. O tamanho desses territórios soma 9 milhões de hectares, sendo o equivalente a um terço do tamanho do Estado de São Paulo. Atualmente, as áreas indígenas já homologadas têm 119 milhões de hectares.

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