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Ministro de Minas e Energia de Lula recebeu doação eleitoral de réu por mineração ilegal em MG

Alexandre Silveira afirma que doação foi feita para seu suplente e que não existe relação entre o dinheiro e a atuação da Agência Nacional de Mineração (ANM) em relação à mineradora Gute Sicht

Foto do author Pedro Augusto Figueiredo
Por Pedro Augusto Figueiredo
Atualização:

A campanha ao Senado em 2022 do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), recebeu doação eleitoral de R$ 100 mil de um empresário que é réu na Justiça Federal por extrair de forma ilegal minério de ferro na Serra do Curral, principal cartão-postal de Belo Horizonte (MG). A pasta é responsável por elaborar políticas públicas para o setor, além de fiscalizar a atuação das mineradoras através da Agência Nacional de Mineração (ANM), autarquia vinculada ao ministério.

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Procurado, Silveira disse por meio da assessoria de imprensa da pasta que a doação foi feita para seu suplente e que não existe relação entre a doação e o “direito de minerar concedido pela ANM à empresa citada, uma vez que a liberação ocorreu antes do ministro sequer cogitar assumir o atual cargo”. No entanto, a prestação de contas da campanha é unificada, já que se trata de uma única candidatura.

Ex-deputado estadual por Minas Gerais, João Alberto Paixão Lages foi o autor da doação eleitoral à campanha do ministro. Ele é um dos sócios da mineradora Gute Sicht. Em março, a Justiça Federal da 6ª Região aceitou denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra Lages e a mineradora, além de outras cinco empresas e 11 pessoas.

Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD) disse que doação de réu por mineração ilegal foi feito para o seu suplente na chapa ao Senado Federal. Foto: FOTO: DIVULGAÇÃO

As empresas são acusadas de realizar exploração de minério sem autorização legal, acusação que se estende às pessoas físicas, que também respondem pelo crime de usurpação do patrimônio da União. De acordo com o MPF, os réus simularam uma operação de terraplanagem e construção de um galpão em um terreno na Serra do Curral na divisa entre Belo Horizonte e Sabará para acobertar a extração de minério.

Em contato com o Estadão, Lages afirmou que a empresa operou de forma regular e que tinha os documentos necessários para tanto. Ele negou qualquer relação entre a doação eleitoral e a ação penal. “Diga-se, além disso, que em nosso país vigora o princípio da presunção da inocência, o qual impede que se considere uma pessoa culpada antes do trânsito em julgado”, afirmou o empresário. A Gute Sicht não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Além do ministro, Lages doou R$ 50 mil para o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Tito Torres (PSD), e R$ 100 mil para o deputado federal Luiz Fernando Faria (PSD), coordenador da bancada mineira no Congresso Nacional. Faria limitou-se a dizer que é amigo do empresário desde criança. Já Torres não se manifestou. A comissão presidida por ele é responsável por discutir a política ambiental de Minas Gerais e analisar projetos de lei sobre o setor minerário.

João Alberto Lages argumentou que quando fez a doação era impossível saber se os candidatos apoiados por ele iriam vencer a eleição ou qual cargo ocupariam. Ele pontuou que Silveira sequer foi eleito para o Senado e que Faria e Torres foram eleitos para os respectivos cargos na Câmara dos Deputados e na ALMG por meio dos demais deputados.

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Presidente da Comissão de Meio Ambiente da ALMG, Tito Torres (PSD) também recebeu doação de réu por mineração ilegal Foto: Willian Dias / ALMG

Ministro participou de evento com Lages após empresário virar réu

Alexandre Silveira não respondeu qual relação mantém com João Alberto Lages. Em abril, um mês após o empresário se tornar réu na Justiça, o ministro participou de evento em Belo Horizonte no qual a Associação das Mineradoras de Ferro do Brasil (AMF), entidade presidida por Lages, lançou uma carta firmando o compromisso de desenvolver a mineração sustentável e contribuir com o aumento da qualidade de vida país.

“Nosso mantra é a mineração responsável, que preserva o meio ambiente, os recursos hídricos e recupera as nascentes. Nosso propósito é construir e contribuir para um mundo melhor. Nesse momento, temos um marco histórico. Inauguramos a AMF, com objetivos claros, concretos e cristalinos consoantes com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU”, disse o sócio da Gute Sicht.

Em seu discurso na ocasião, Silveira afirmou que é importante que o setor mineral cresça de forma segura e sustentável “dentro da legalidade”.

“Vamos impulsionar a verdadeira mineração, a mineração séria, separando os empresários sérios daqueles que não tem compromisso e garantindo o crescimento da atividade com foco na segurança, sustentabilidade, trazendo retorno social, priorizando o conteúdo local e gerando emprego para as brasileiras e brasileiros”

Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, durante evento com a presença de João Alberto Paixão Lages, réu por mineração ilegal

A reportagem questionou Silveira sobre o motivo dele ter participado do evento promovido pela AMF. O ministro afirmou que a participação ocorreu como representante institucional do governo federal nessa pauta e que, no mesmo dia, participou de outros dois eventos em Belo Horizonte organizados por outras entidades “em que também deixou clara a sua diretriz a frente do MME em favor de uma mineração sustentável e responsável”.

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Coordenador do Projeto Manuelzão, iniciativa da UFMG que tem como objetivo lutar por melhores condições ambientais, o professor Marcus Polignano avalia que a Gute Sicht causou uma “destruição enorme” na Serra do Curral sem que sequer houvesse processo de licenciamento ambiental para as atividades da mineradora. “Eles foram meio que fazendo na marra, utilizando algumas autorizações provisórias da Secretaria de Estado de Meio Ambiente. De certa forma, faltou uma atuação mais efetiva de fiscalização e de atuação pelos órgãos do Estado”, disse.

Polignano acrescentou que doações de mineradoras a candidatos são uma prática já conhecida e tradicional no Estado. “Através dessas ações, eles procuram perpetuar uma relação de, eu diria até, certa promiscuidade entre os agentes públicos e políticos e o setor minerário”, declarou o professor da UFMG.

Alexandre Silveira discursa em evento promovido pela Associação das Mineradoras de Ferro do Brasil. Foto: Riva Moreira / TJMG

Receita com operação na Serra do Curral chegou a quase R$ 300 milhões

O minério extraído na Serra do Curral pela Gute Sicht era transportado para a Fleurs Global, também ré no processo, que fazia o beneficiamento e a venda do produto. A Polícia Federal estimou que a receita da comercialização do minério de ferro chegou a R$ 297 milhões. Apenas em 2020 foram extraídas 283 mil toneladas do produto.

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A Gute Sicht obteve junto à ANM uma autorização excepcional, chamada Guia de Utilização (GU), que lhe autorizou extrair até 300 mil toneladas de minério de ferro por ano para testar a viabilidade técnica e econômica da operação. A GU foi emitida em março de 2020 e anulada três meses depois, em junho do mesmo ano, por “desvio de finalidade”.

Um dos documentos utilizados pela empresa para obter a GU foi uma certidão de dispensa de licenciamento ambiental emitida pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad) para a atividade de terraplanagem. “A malfadada ‘certidão de dispensa de licenciamento ambiental’ não se presta a sustentar qualquer lavra, beneficiamento e tampouco alienação de bem mineral”, escreveu o gerente regional da ANM na decisão que anulou a GU. Procurada pela reportagem, a ANM não se manifestou.

Serra do Curral, um dos principais cartões-postais de Belo Horizonte Foto: Eduardo Elias Camponez/ CAU-MG

A Semad também chegou a firmar em 2021 um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Gute Sicht, além de um aditivo assinado em 2022, que permitiu à mineradora atuar na Serra do Curral. O TAC e o aditivo foram cancelados em setembro de 2022 após uma fiscalização da pasta no local.

“No caso específico da empresa Gute Sicht, não há atualmente autorização administrativa da pasta para a realização de qualquer operação devido a descumprimento de condicionantes. Vale reforçar que a Serra do Curral já está sob proteção provisória, determinada pelo Governo de Minas Gerais, pela Portaria IEPHA 22/2022, desde 19 de junho de 2022, estando suspensas quaisquer intervenções de mineração na área”, disse a Semad.

Em março deste ano, uma decisão liminar do desembargador Klaus Kuschel, do TRF-6, voltou a liberar a atuação da Gute Sicht na Serra do Curral. Porém, a mineradora está impedida de atuar no local desde maio devido a decisões da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, e da presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura. Elas atenderam a pedidos impetrados pela Prefeitura de Belo Horizonte.

Em nota, a mineradora Fleurs Global afirmou que não está situada na Serra do Curral e que não exerce a atividade de extração mineral, limitando-se a realizar o beneficiamento do minério extraído por outras empresas. A mineradora disse também que possui todas as autorizações de órgãos ambientais, estaduais e federais para exercer sua atividade.

O que dizem os citados:

Alexandre Silveira:

Sobre as questões relacionadas à doação eleitoral, informamos:

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Não existe qualquer correlação da referida doação com o direito de minerar concedido pela ANM à empresa citada, uma vez que a liberação ocorreu antes do ministro sequer cogitar assumir o atual cargo.

A doação foi realizada, na verdade, ainda na campanha, para o primeiro suplente da coligação para o Senado Federal, Virgílio Guimarães, conforme comprovante enviado anexo.

O suplente Virgílio Guimarães possuía conta bancária específica para receber doações em seu nome.

Seguindo a legislação em vigor, a prestação de contas do candidato titular e dos seus suplentes é feita legalmente de forma única.

Todo o processo ocorreu seguindo o que consta na legislação eleitoral, inclusive no que disciplina a prestação de contas nas Eleições Gerais de 2022. (Resolução 23.607/19 atualizada pela Resolução 23.665/21 do TSE)”

Sobre a participação do ministro no lançamento da “Carta de Compromisso” para uma mineração cada vez mais sustentável, promovido pela Associação de Mineradoras de Ferro do Brasil, informamos:

O ministro participou do evento especificamente como representante institucional do Governo Federal nessa pauta.

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Durante o evento, Silveira ressaltou que é imperioso ampliar a adesão do setor aos princípios ESG, quer pela crescente demanda por responsabilidade socioambiental nas atividades econômicas, quer como um caminho para ampliar a atratividade do setor aos investimentos.

Em seu discurso, o ministro se posicionou publicamente em prol de uma mineração ambientalmente sustentável, dizendo que “é fundamental que o setor compreenda que também temos como convicção que a mineração que desejamos em nosso país deve se realizar de forma segura e sustentável, com respeito ao meio ambiente e às comunidades, e considerando os interesses das gerações atual e futuras”.

No mesmo dia, em Belo Horizonte, Silveira participou de outros dois eventos organizados por entidades distintas em que também deixou clara a sua diretriz a frente do MME em favor de uma mineração sustentável e responsável

Por fim, vale ressaltar que o Ministério de Minas e Energia tem trabalhando de maneira prioritária para combater ineficiências e práticas anticompetitivas no setor, além de fortalecer os mecanismos de fiscalização, para punir e combater a mineração ilegal. Dessa forma, o ministro Alexandre Silveira tem como prioridade o fortalecimento e a melhoraria da estrutura da Agência Nacional de Mineração (ANM), imprescindível para o desenvolvimento sustentável e seguro da atividade minerária no país.”

João Alberto Paixão Lages:

“A doação eleitoral é um instituto lícito, que permite a participação do cidadão na vida política.

Nesse sentido, quando se colabora com uma campanha eleitoral, é impossível saber, a priori, se o candidato apoiado irá vencer a eleição e, se assim o fizer, qual cargo irá ocupar.

É importante registar que, dentre as pessoas citadas na matéria, uma sequer foi eleita. As demais ocuparam cargos especiais dentro do próprio legislativo, por meio de eleição dos pares.

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Portanto, com total segurança posso afirmar que não havia qualquer relação entre as doações e a ação penal em comento. Como já ressaltado, sequer era possível saber se os apoiados seriam eleitos, quem dirá saber os cargos que iriam ocupar após o sucesso (ou insucesso) eleitoral.

Refuto qualquer ilação sobre interferência política em investigação . Diferente da pergunta feita respeito os órgãos competentes e a autonomia dos mesmos .

Por fim, em relação a ação penal, existem elementos robustos que demonstram que a empresa operou de forma regular, com amparo nos documentos necessários. Diga-se, além disso, que em nosso país vigora o princípio da presunção da inocência, o qual impede que se considere uma pessoa culpada antes do trânsito em julgado.”

Semad:

“A Secretaria de Estado e Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informa que o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é um instrumento regulamentado pela legislação estadual em 2006 e que estabelece a manutenção da atividade durante o processo de regularização ambiental, com cumprimento de regras e condicionantes.

No caso específico da empresa Gute Sicht, não há atualmente autorização administrativa da pasta para a realização de qualquer operação devido a descumprimento de condicionantes.

Vale reforçar que a Serra do Curral já está sob proteção provisória, determinada pelo Governo de Minas Gerais, pela Portaria IEPHA 22/2022, desde 19 de junho de 2022, estando suspensas quaisquer intervenções de mineração na área.

O Governo de Minas segue trabalhando para garantir a preservação da Serra do Curral, com respaldo legal e sustentável, respeitando o diálogo com os entes envolvidos.”

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Fleurs Global:

“A FLEURS GLOBAL não está situada na Serra do Curral, e não exerce absolutamente nenhuma atividade de extração mineral. Para além disso, a FLEURS GLOBAL possui todas as autorizações dos órgãos ambientais, estaduais e federais para exercer a sua atividade, que se limita ao beneficiamento de minério regularmente extraído por empresas terceiras e autorizadas para tanto.”

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