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Labirintos da Política

Opinião|O poder moderador ‘voltou para a casinha’, de onde nunca deveria ter saído

Por 11 votos a 0, STF enterrou a tese de Jair Bolsonaro de que as Forças Armadas, segundo a Constituição, poderiam tutelar os demais Poderes em caso de conflito ou divergências

Foto do author Monica  Gugliano

O placar do Supremo Tribunal Federal não deixou dúvidas. 11 a 0 foi uma derrota acachapante para qualquer um que concordasse com a tese abraçada pelo presidente Jair Bolsonaro de que as Forças Armadas poderiam ser uma espécie de “poder moderador”, tutelando os demais Poderes em caso de conflito. A votação do artigo 142 da Constituição de 1988 foi um gasto de energia para que o STF pudesse eliminar mais uma das teses e pensamentos completamente fora de propósito, ou, como se diz popularmente, “fora da casinha”, aos quais Bolsonaro recorreu em seu mandato para adequar a realidade paralela em que vivia ao resto do mundo em que os demais vivem.

Foram precisos 32 anos para que o artigo 142 virasse a confusão que se tornou. Bolsonaro estava no início do seu mandato quando começou a confrontar o Supremo Tribunal Federal. Ora por um motivo, ora por outro, o presidente ia esticando a corda com os ministros da Corte. Até que lhe foi dito que o artigo 142 permitia às Forças Armadas serem poder moderador, acima dois demais outros Três Poderes. Foi uma festa para Bolsonaro. Nem ele sabia disso. Sendo assim, ele poderia intervir no Supremo, um dos desejos que mais acalentou ao longo do seu governo.

Ministros do STF enterraram, por unanimidade, a tese de que as Forças Armadas poderiam exercer o papel de poder moderador Foto: Gustavo Moreno/STF

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Textualmente, o artigo 142 diz: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes Constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Naqueles tempos em que a as comissões temáticas redigiam os artigos da Constituição da garantia da “lei e da ordem”, a ideia do poder moderador foi uma exigência do então todo-poderoso ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves. Em uma conversa que tivemos, ele lembrou das desconfianças que permeavam os militares sobre a Constituição que estava sendo redigida. As Forças Armadas temiam que o texto fosse liberal demais e o País saísse do controle. Alguns mais exagerados pensavam até que ainda se corria o risco de o Brasil virar um “Cubão”, como o próprio Leônidas dizia. Ele contou também que partiu para o enfrentamento com parlamentares de esquerda para que a frase não fosse retirada, como a maioria queria, e saiu vitorioso com seu “poder moderador”.

Aprovada a Constituição de 1988, a “Constituição Cidadã”, como dizia Ulysses Guimarães, e o Brasil consolidando sua democracia, o assunto foi sendo deixado de lado. Até que Bolsonaro foi eleito, a política voltou aos quartéis e, com ela, às teses golpistas que embalaram os rompantes, as minutas, as mensagens e todo tipo de excrescência que o ex-capitão e os que lhe eram próximos criaram, tentando um golpe que impedisse o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, de assumir o cargo.

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Entretanto, o suposto poder das Forças Armadas de atuar como poder moderador nunca colou, a não ser entre os bolsonaristas mais fanáticos. Ainda ontem, um general da reserva brincou: “O Supremo não precisava ter tido todo esse trabalho. Bastava consultar o Alto Comando do Exército que ele lhe diria que isso não fazia o menor sentido. Há poucos dias, o comandante do Exército, general Tomás Paiva, disse exatamente isso a ‘O Globo’.

Mas foi bom que o STF tenha tido esse trabalho. Primeiro, porque enterrou definitivamente o tema. Segundo, porque até os ministros indicados por Bolsonaro – André Mendonça e Kássio Nunes Marques – rejeitaram a interpretação do ex-chefe e acompanharam o voto do relator Luiz Fux. Por fim, porque os ministros não mediram adjetivos para qualificar a “aberração jurídica”, como disse o ministro Dias Toffoli.

Opinião por Monica Gugliano

É repórter de Política do Estadão. Escreve às terças-feiras

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