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O país precisa de um ‘avançaço’ para recuperar área ambiental, diz Capobianco

Cotado para integrar o governo Lula e próximo a Marina Silva, João Paulo Capobianco diz que só revogar medidas de Bolsonaro não é suficiente para resolver problemas ambientais

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Foto do author Adriana Fernandes
Foto do author André Borges
Por Adriana Fernandes e André Borges

BRASÍLIA - Nome de referência internacional e colaborador do programa do governo eleito, João Paulo Capobianco afirma que a área ambiental não precisa apenas de um “revogaço” para dar fim ao desmantelamento do setor causado durante a gestão Bolsonaro. É preciso fazer um “avançaço” no setor. Ele defende ainda a reestruturação dos órgãos ambientais, a retirada dos militares da coordenação de ações de fiscalização ambiental e uma transição gradual que reduza os incentivos em combustíveis fósseis.

Ex-secretário na gestão de Marina Silva à frente do Ministério de Meio Ambiente, Capobianco destaca que definição de política socioambiental não será periférica no próximo governo.

João Paulo Capobianco, ambientalista, é cotado para participar do governo Lula Foto: Hélvio Romero / Estadão

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Nesta semana em que o mundo espera sinais claros e compromissos do Brasil e de Lula durante a COP 27, Capobianco diz que “um ministro da economia que não esteja atento às oportunidades não vai ter a menor chance de prosperar”. Ele ressalta que fala de forma pessoal e não recebeu convite para integrar o governo.

Leia abaixo a entrevista.

O tema ambiental terá importância efetiva no governo ou serviu só para discurso de campanha?

É importante destacar o posicionamento do presidente Lula, que vem se repetindo em vários momentos, sinalizando claramente que a agenda socioambiental subiu de patamar na escala política e deve ter um tratamento diferenciado do que vimos até hoje. Isso é claro nas falas dele e na forma como recebeu as contribuições da Marina Silva, em especial. Ficou claro, no discurso da vitória, que a questão ambiental aparece com muita força. Eu diria até que, para nós que estamos acompanhando, me surpreendeu. Não será algo periférico, para enfeitar. Eu vejo como algo internalizado no presidente.

E o revogaço das normas editadas por Bolsonaro? Como será isso?

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Há um conjunto grande de medidas infralegais, principalmente, que terão que ser revistas. Será necessária uma ação de reorganização desses atos todos. Agora, na minha perspectiva, e eu acredito que seja a do próprio presidente, não é só um revogaço. Não adianta nada fazer o revogaço e voltar à realidade pré-Bolsonaro. Além de termos retroagido, nesse período a agenda avançou muito no mundo todo, mas nós não evoluímos juntos. Temos que fazer uma ação para corrigir perdas e danos, com uma necessidade de acelerar a agenda. Em vez de revogaço, eu prefiro um avançaço, para recolocar o País num patamar em que recupera sua capacidade de gestão e de diálogo construtivo no plano internacional. Falar em revogação hoje dá uma ideia, para mim, de que vamos voltar para 2017, 2018. O mundo exige novos compromissos. Recuperar uma gestão pública já é um enorme feito, mas avançar significa que vamos olhar para o século 22.

O que isso significaria, na prática?

No Brasil, as questões ambientais e sociais estão muito interligadas. Para um governo que tem como compromisso promover a inclusão social, a questão social vem junto. Basta ver os impactos das mudanças climáticas que temos hoje, em função do baixíssimo investimento em adaptação. É central, porque quem está em zona de risco sofrendo mais impactos é a população de baixa renda. E isso é uma questão econômica. Assim como a questão energética também é. Uma agenda afirmativa nesse campo é uma agenda econômica, porque há recursos internacionais para investimento privado, fundos de investimento que estão crescendo e que estão na busca de bons projetos. Não há dúvida que é uma agenda urgente, mas é uma agenda de oportunidades.

Qual é a expectativa de retomar iniciativas como Fundo Amazônia e Fundo Clima?

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Isso tem que ser uma prioridade, porque são recursos em caixa e têm que ser destravados. O Brasil tem que sair da posição da chantagem para a posição da ação concreta. O governo atual achou que poderia chantagear o mundo. No sentido de ‘se não me der dinheiro, a Amazônia vai pegar fogo’. É coisa não só irresponsável, como um erro estratégico. Muitos desses grandes fundos de investimento têm como principais acionistas uma segunda geração de milionários da Europa e dos EUA que incorporaram essa questão da sustentabilidade. É uma mudança de paradigma. Os investidores, ao questionarem o gestor do fundo, questionam a relação entre o investimento e a redução das emissões e da melhoria da qualidade de vida. O ambiente é muito propício para isso. É o caminho que o Brasil deve trilhar.

Como a política econômica trata da questão ambiental no Brasil? Não estamos atrasados?

São dois caminhos. Na parte urbana, nas cidades em geral, essa responsabilidade é dos governos locais. O que seria uma política para isso? O que a Marina propôs ao presidente: a criação de uma linha orçamentária destinada a financiar objetivamente ações de adaptação onde há riscos em função dos eventos climáticos extremos. São ações que passam, por exemplo, por apoiar de forma correta a mudança de populações de zona de riscos, onde há problemas de relevo, de solo, de qualidade ambiental. Tem que ter uma melhoria desses locais com obras e ações, melhoria das construções, das casas populares para que elas incorporem medidas preventivas. Ações para melhoria do espaço urbano para aumentar infiltrações e cuidar de uma parte que é relegada ao 15º plano, que a parte de drenagem urbana. Custa caro e tem que haver investimento. O saneamento é central também.

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O Brasil tem um problema antigo e básico que não está resolvido: a questão dos lixões. Em Manaus, se vê lixão no rio de forma chocante. O que pensa a respeito?

É tema crucial da agenda. Um dos compromissos assumidos em Glasgow na COP do clima foi exatamente a questão do metano, que entrou na agenda do clima de forma muito firme. Por quê? É um gás que tem um impacto sobre as emissões. Ele tem um potencial de aquecimento extremamente alto. O Brasil emite cerca de 5,5% de todo o mundo. A maior parte vem da pecuária, mas uma parte importante vem exatamente da disposição de resíduos sólidos. Enfrentar a questão do metano implica numa ação de interesse direto das emissões de um lado e é um excelente exemplo de projeto de adaptação. Melhora as condições ambientais e reduz o impacto sobre as populações locais e as emissões. Como isso é uma prioridade da Convenção do Clima, haverá investimentos.

Qual é a visão de futuro, do ponto de vista econômico desses investimentos?

Geração de emprego e renda, melhoria do PIB. É ver esforço internacional em relação ao clima como oportunidade. Se olharmos o nosso perfil de emissão, a maior parte é por desmatamento. E está crescendo. Pegue os dados de 2017 a 2021. Em 2017, 39,49% das emissões vinham de desmatamento. No governo Bolsonaro, passou para 49% em 2021. Metade das emissões de gases de efeito estufa no Brasil tem origem no desmatamento, que não gera economia. A maioria desse desmatamento é especulativo, de grilagem de terra pública.

Esse desmatamento, então, não gera aumento de PIB?

Não gera. Reduzir as emissões no Brasil não implica em impacto sobre o PIB. Ao contrário. Reduzir as emissões implica numa oportunidade de crescimento econômico. É uma questão de bons projetos. O Brasil é o primeiro País que teria a oportunidade não apenas de ser carbono neutro. O Brasil pode ser carbono negativo.

De que forma?

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O volume de áreas a serem restauradas no Brasil, por exemplo, implicaria numa economia da floresta inédita de processos produtivos. Tem que ter viveiros, isso é obra, tem que ter mão de obra capacitada, é emprego, e ao mesmo tempo, captura CO2. A lei brasileira exige, independente da Convenção do Clima. Já temos uma agenda de redução de emissão e captura de emissão enorme. É uma questão de financiamento, política pública, estímulo, de criar oportunidade.

Com os fundos que temos hoje, uma vez destravados já seriam suficientes para fazer frente a uma boa parte desses desafios?

Não seriam suficientes. Mas seriam fundamentais para ‘startar’ (começar) o processo. No caso da Amazônia, eu diria que com os recursos orçamentários que o Brasil possui tem uma enorme capacidade de reduzir desmatamento. O Brasil já fez isso sem investimento internacional. O Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento, conhecido como PPCDAm, foi implementado com recursos orçamentários dos 13 ministérios que participaram do plano. Por outro lado, a transição econômica na Amazônia vai precisar de investimento grande. Muito maior do que o recurso necessário para controlar o desmatamento. Segurar o desmatamento é urgente. Fecha-se a porta da ilegalidade, do desmatamento, mas tem que abrir a porta das atividades econômicas sustentáveis.

O Brasil vai perder de R$ 52 bilhões em arrecadação para incentivar combustíveis fósseis. É uma montanha de dinheiro. Isso não é um problema?

É uma disfunção da economia. É que nosso desafio é construir uma transição. Nenhuma decisão de rompante, nenhuma radicalização do tema vai resolver, isso paralisaria o País. É preciso que o governo implemente um processo para chegar ao objetivo. Temos que reduzir os combustíveis fósseis, dentro de um parâmetro social e econômico adequado. Por isso, Marina Silva levou ao presidente Lula a ideia de uma autoridade nacional climática, uma instância de governo que tenha a função institucional de mobilizar a sociedade para atingir as metas que o Brasil estabeleceu. É um arranjo que estimule o governo e, também, a economia, a perseguir isso. Não podemos ter ações que continuem a estimular quem produz essas atividades mais emissoras. É preciso substituí-la por estímulos àqueles que estão fazendo essa transição.

O governo Lula terá condições de reestruturar os órgãos ambientais?

Eu acredito que sim. Será preciso ainda recuperar a função institucional desses órgãos, como o papel no planejamento de ações de fiscalização e controle, que era do Ibama. Os demais órgãos apoiavam as ações. O grande da política atual foi esse, trazendo as Forças Armadas para coordenarem esses processos. Ela tem papel importante, mas não de comandar isso, por falta de conhecimento nessas operações. É preciso retomar todos esses órgãos, como nomeação de pessoal de carreira, que conhece esses órgãos.

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Ocorre que estes órgãos foram esvaziados.

Eu não tenho dúvidas de que é preciso aumentar os quadros, com uma ação muito concreta na renovação da equipe, com realização de concurso público. Sem isso, não vejo possibilidade nenhuma de reestruturação. Esse é um desafio que o governo vai ter que enfrentar. Eu entendo que isso já está subentendido. É uma obrigação. Assim como teremos de revogar uma série de ações do governo federal, teremos de ter mais equipe, remontar esses órgãos públicos.

O futuro ministro da Fazenda precisará estar conectado com a agenda ambiental?

Há algum tempo a questão ambiental não estava colocada nesse campo (da economia). Era um problema de licenciamento, de impacto. Mas a realidade mudou. Estamos abrindo o País a receber investimentos pesados do ponto de vista internacional. Um ministro da economia que não esteja atento às oportunidades não vai ter a menor chance de prosperar.

É possível zerar o desmatamento ilegal em 2028?

É factível. Não só zerar o ilegal como reduzir o legal, aquele que a lei permite. É absolutamente indesejável que se faça o desmatamento desses 20% que seriam legalmente permitidos. Mas isso é um direito que os proprietários têm.

O presidente eleito Lula falou sobre uma participação transversal da gestão ambiental com todos os ministérios. O que é isso?

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É uma conquista importante do ponto de vista político. A agenda ambiental sempre foi considerada uma agenda paralela, subalterna e periférica. Isso é inviável. O grande exemplo inspirador que fez com esse tema foi a experiência do PPCDAm porque a concepção do plano foi de que não era um plano ambiental, mas de governo. Isso se traduziu colocando a coordenação do plano na Casa Civil. Essa foi a virada de chave. Isso é transversalidade. O segredo é fazer um planejamento conjunto em que cada ministério assume um conjunto de ações para atingir o objetivo.

É isso que vai acontecer novamente?

Tem que acontecer. Se isso não acontecer, não há a menor chance de implementar uma política de clima consistente.

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