FORTALEZA – O motim de policiais militares no Ceará, que terminou neste domingo, 1º, teve reflexo direto no aumento do número de homicídios no Estado. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública, o número de assassinatos durante o mês de fevereiro foi o maior dos últimos cinco anos. Foram registrados 386 homicídios no período – o número pode ser ainda maior porque os dados do mês ainda não estão fechados – vão do dia 1.º ao dia 26. Em 2019, fevereiro registrou 164 mortes violentas – em 2014, foram 394 crimes do tipo.
Ainda de acordo com a Secretaria, entre quarta-feira, 19 de fevereiro, primeiro dia de paralisação, e o último dia 26, foram registrados 220 assassinatos, 165 apenas durante o feriado de carnaval. O dia mais violento foi a sexta-feira, 21, com 38 ocorrências.
No último sábado, 29, o corpo do cabo Heitor Amorim da Silva, de 31 anos, foi encontrado em um terreno baldio, no município de Pacatuba, Região Metropolitana. Ele teria invadido uma residência e um homem, identificado como Thiago, estava em casa e armado. No momento da invasão, ele atirou contra o militar. O suspeito foi preso em flagrante.
Segundo a tia do policial, Aurivanda Gadelha, o sentimento é de muita tristeza. “Nós não queremos saber o porquê, quem e como. A gente costumava dizer que ele tinha o sorriso franco e o choro fácil. A tristeza é ainda maior porque nós vivemos em uma rotina de violência muito grande. Só queremos reafirmar nossa posição de educar os nossos filhos para a paz. A gente acredita que as armas não defendem. Elas matam”, desabafa. As famílias do acusado e do cabo não sabem dizer o motivo da suposta invasão.
Ainda durante o Carnaval, uma travesti foi assassinada na madrugada do dia último dia 23. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, a vítima foi encontrada sem identificação. O crime está sob investigação e é conduzido pela 4ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa.
De acordo com o órgão, após o término da paralisação, foi montada uma força-tarefa para garantir que os veículos policiais que estavam parados voltem ao funcionamento pleno. Ainda de acordo com a Secretaria, a Polícia Militar do Estado já voltou a realizar as atividades de patrulhamento tanto em Fortaleza quanto no interior.
A ambulante Claudia Magalhães relatou os momentos de tensão que vivenciou durante um desses episódios. “Foi um terror. Todo mundo fechando as lojas, fecharam até mais cedo com medo de mais assaltos. Foram três lojas de uma vez só, uma perto da outra. Infelizmente não dava para parar de trabalhar, mas eu vinha com medo”, conta. A onda de roubos aconteceu na tarde de sexta-feira, 21. No dia seguinte, os comerciantes abriram as lojas normalmente, mas ainda inseguros.
O gerente Wellington Rodrigues relata que a falta de policiais nas ruas o deixou apreensivo. “Nossa loja fica em uma área privilegiada, aqui no centro, com muita visibilidade. A gente conta sempre com o apoio e o trabalhos dos policiais, mas esses dias em que eles não estavam por aqui foram muito tensos. Graças a Deus, não aconteceu o pior”, disse.
Para o taxista João Ferreira, a rotina não mudou. “Eu trabalho mais de dia, mas mesmo assim fiquei com aquele receio. O problema é que a gente não pode deixar de trabalhar. Quando eu não estava trabalhando, ficava em casa mesmo, porque dentro de casa a gente fica guardado, né?”, afirma.
Além dos crimes, alunos de uma escola municipal que fica ao lado do 18º Batalhão da Polícia Militar, local de concentração dos amotinados, ficaram sem assistir às aulas. O colégio ficou ocupado pelos policiais desde a última quinta-feira e só deverão retornar nesta terça-feira.
A Secretaria de Educação confirma que militares e familiares ocuparam o prédio da escola EEFM José Bezerra de Menezes, desde o último dia 20 de fevereiro. “No momento, a Seduc avalia a situação e trabalha para que não haja mais prejuízos para os 565 alunos matriculados na escola”, diz em nota.
Para reforçar a segurança nas ruas, 2,5 mil homens do exército e 300 agentes da Força Nacional foram convocados para atuarem em Fortaleza e em cidades dos interior do Ceará. O decreto da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foi assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. As tropas federais permanecem no estado até o dia 6 de março, prazo final determinado pelo presidente.
Fim do motim
Os militares que estavam amotinados em sedes de batalhões da corporação aceitaram a proposta apresentada pela Comissão dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, neste domingo ,1º.
O acordo prevê que não haverá anistia aos policias envolvidos na greve ilegal, mas garante o direito dos PMs responderem ao processo sem perseguição, com amplo direito a defesa e ao contraditório, a ser feita por instituições sem ligações com o Estado, como a OAB, o Exército e a Defensoria Pública.
O acordo também prevê que o governo do Ceará não irá transferir os policiais que participaram do motim para trabalhos no interior no prazo de 60 dias.
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