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SÃO PAULO - A Universidade Estadual Paulista (Unesp) está ocultando o resultado de pesquisas feitas por integrantes e assessores de sua reitoria, que foram bancadas com dinheiro da própria instituição. Por trabalhos acadêmicos que foram produzidos nos anos de 2014, 2015 e 2016, esses servidores receberam bolsas de, no total, R$ 2,4 milhões. O Estado tenta ter acesso a esses trabalhos e valores desde o início do mês de agosto, sem sucesso.
Uma entidade mantida com recursos públicos da Unesp, a Fundação para o Desenvolvimento da Unesp (Fundunesp), foi a responsável por efetuar esses pagamentos. Ao todo, o Estado identificou a produção de pelo menos 40 pesquisas feitas por integrantes da reitoria e assessores no período. Na lista estão não só professores, mas também funcionários técnico-administrativos. Só foram divulgados os títulos dos trabalhos, sem o conteúdo. A Lei de Acesso à Informação prevê que mesmo entidades privadas, se fizerem ações que envolvem o uso dinheiro público, devem garantir transparência dessas ações.
Hoje, essas bolsas são pagas pela Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista (Vunesp), mas o valor total atual de benefícios e os funcionários beneficiados não foram divulgados. Os números a que a reportagem teve acesso se referem ao período 2014-2016.
Questionada, a universidade disse que não possui nenhum dos trabalhos, que estariam sob domínio exclusivo da Fundunesp. Também disse não saber o valor individual das bolsas. A Fundunesp também não entregou os documentos (mais informações abaixo). Procurada, a entidade ainda não se manifestou. O espaço segue aberto.
A remuneração em forma de bolsas a esses servidores da reitoria é frequentemente questionada internamente por servidores da instituição, já que, na prática, "eleva" o salário dos funcionários da reitoria em um período de crise econômica que tem afetado as universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) que vem se arrastando ao menos desde 2014.No ano passado, por exemplo, servidores autárquicos ativos e aposentados não receberam o 13º, que só foi pago neste ano, em duas parcelas. A instituição fechou o ano de 2017 com um déficit de R$ 164 milhões. Há risco de o problema se repetir neste ano, segundo informe interno publicado pela reitoria e obtido pelo Estado.
Não há evidência de ilegalidade no pagamento dessas bolsas. O que é criticado pelos servidores da instituição é a falta de transparência, já que não se sabe onde ou quando as pesquisas foram publicadas e nem quanto recebeu cada funcionário.
As bolsas também foram alvo de questionamento de professores durante debate entre candidatos à reitoria da Unesp, em outubro de 2016. Na ocasião, a professora Maria do Rosário Longo Mortatti, que era candidata, criticou a falta de transparência sobre as bolsas. "Se apresentou como algo que ninguém sabia, e que somente recentemente ficamos sabendo que essas bolsas existiam. Como justificar que ficaram por tanto tempo em segredo?". O então candidato e hoje reitor da Unesp, Sandro Valentim, concordou que a falta de transparência era um problema. "Essa questão de ser tratada na Fundunesp, onde nós temos transferência de recurso para a fundação, isso trouxe um problema extremamente preocupante."
Veja o trecho da discussão sobre as bolsas neste vídeo, em 1h1m54s:
O Sindicato dos Trabalhadores da Unesp (Sintunesp) chegou a publicar boletins em que chamava esses pagamentos de "ilegais", já que não havia transparência sobre os valores e nem sobre o teor das pesquisas. "Tentamos dialogar com a universidade, pois entendemos que as bolsas são irregulares. Para nós fica parecendo até que não existe pesquisa. Cadê os projetos? Quem está recebendo?", questiona o coordenador do Sintunesp Alberto de Souza. "Já tentamos obter essas informações por meio de ofícios, mas nem a Unesp nem as fundações respondem".
O presidente da Associação dos docentes da Unesp, João Chaves, diz que a entidade não é contra uma remuneração "justa" para os servidores da reitoria, mas que nunca houve esclarecimento e transparência para que houvesse discussão com a comunidade. "Queremos que isso seja discutido claramente com a comunidade."
Tìtulos. Parte das pesquisas diz respeito à gestão da própria Unesp, como a de título "Gestão de documentos da reitoria da Unesp - Classificação e Temporariedade", de Carlos Antonio Winckler, que, segundo o portal da Transparência da Unesp, ocupa o cargo de assistente administrativo, ou ainda "Metas e ações da Pró-reitoria de pós-graduação da Unesp para o período 2013-2016", do professor Eduardo Kokubun, que já ocupou o cargo de pró-reitor de pós-graduação e vice-reitor. Questionada, a instituição não esclareceu se essas pesquisas pelas quais eles foram remunerados tinham relação com o trabalho que exerciam em suas funções.
Diárias
Conforme o Estadorevelou em março, parte dos funcionários da reitoria também recebe diárias "contínuas", uma espécie de auxílio-moradia que já foi considerado irregular pelo Ministério Público de Contas de São Paulo(MPC-SP), que passou a pedir a devolução desses valores aos cofres públicos após a publicação da reportagem. Embora residam na capital e trabalhem exclusivamente na reitoria, que fica na cidade de São Paulo, estes funcionários têm seus cargos lotados em cidades no interior, o que garante que recebam diárias. Parte dos servidores beneficiados - como o reitor - possui imóvel na capital.
Veja abaixo o único documento fornecido pela Fundunesp até o momento.
Transparência
O Estado pediu para ter acesso a essas pesquisas à Unesp, tanto por meio da assessoria de comunicação quanto pela Lei de Acesso à Informação, e também ao valor individual recebido pelos servidores para efetuar tais pesquisas. A Unesp disse que não possuía as pesquisas e valores individuais das bolsas e orientou que a reportagem deveria solicitá-las à Fundunesp. Ao tentar marcar uma visita à fundação, um funcionário disse, por telefone, que não poderia fornecer essas informações, e que a reportagem deveria falar com um advogado, mas que ele está em férias e só retornaria no dia 2 de outubro. Antes desse prazo, disse o funcionário, nada poderia ser feito.
O artigo 2º da Lei de Acesso à Informação prevê que mesmo entidades privadas devem garantir transparência, caso recebam, "para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento".Por este motivo, a Ouvidoria Geral do Estado (OGE) determinou, em maio, que a reportagem recebesse os primeiros dados solicitados.
Foi por este motivo que a Unesp enviou um documento preliminar, assinado pelo diretor presidente da Fundunesp, Edson Luiz Furtado. Nele, estão descritos somente o valor total das bolsas e os títulos, mas não a íntegra das pesquisas e os valores individuais.
O Estado então entrou com novos pedidos de informação, dessa vez individualizados, pedindo a íntegra das pesquisas e valor de cada uma das bolsas, por funcionário. Dessa vez, tanto a instituição quanto a OGE negaram o envio dos dados.
Veja a nota da Unesp sobre o caso
A Unesp assegura transparência ativa e vem, nos últimos anos, aprimorando e ampliando esse mecanismo, dispondo ao público inclusive debates internos da Universidade, o que pode ser constatado, por exemplo, nas transmissões das reuniões do Conselho Universitário (https://tv.unesp.br/co), órgão colegiado máximo da instituição.
Além disso, a Universidade fornece informações, tanto de caráter acadêmico como administrativo, por canais como o SiC (Serviço Estadual de Informações ao Cidadão) e a Ouvidoria (https://www2.unesp.br/portal#!/ouvidoria_ses).
Sobre as pesquisas fomentadas pela Fundunesp, as informações foram devidamente fornecidas por aquela entidade e repassadas pela Unesp ao senhor, em conformidade com o que dispõe a LAI (Lei de Acesso à Informação).
Salientamos que esta Assessoria de Comunicação e Imprensa segue à disposição para eventuais esclarecimentos.