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Análises para entender o jogo do poder

Opinião|O tamanho do problema em que o Supremo se meteu

Ministros estão numa encruzilhada: precisam descer à planície e fazer política para se blindarem de ataques. Ao fazerem política, reforçam a posição de seus detratores

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Foto do author Renata Agostini

Os ministros do Supremo Tribunal Federal encontram-se numa aparente encruzilhada. Para se blindarem do que consideram ataques inaceitáveis à Corte, precisam descer à planície e fazer política. Ao recorrerem à política, reforçam a posição de seus detratores.

Os magistrados viram na proposta que restringe o poder de suas canetas o prenúncio de um movimento mais amplo para alvejar a Suprema Corte. Foram a campo antes da votação no Senado, telefonando pessoalmente para senadores. O plano era segurar o movimento no nascedouro. Tinha sido assim em 2019, no início do governo Jair Bolsonaro, quando proposta de igual teor foi derrubada no plenário após a mudança de orientação – veja só – do Palácio do Planalto.

O plenário do Supremo Tribunal Federal Foto: Carlos Alves Moura / STF

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Roda mundo e, desta vez, o empurrão derradeiro veio do líder do governo petista, que não só votou a favor do texto como levou de arrastão os demais votos da bancada baiana. O movimento de Jaques Wagner antecedeu o do conterrâneo e aliado Otto Alencar, que não vinha demonstrando nas últimas semanas entusiasmo com a proposta e ainda assim depositou seu voto “sim”. Também aderiu à iniciativa o baiano Ângelo Coronel, o mesmo que, em 2019, ajudou a barrar igual proposta, dizendo que não era o momento de gerar conflito entre os Poderes e que a “beligerância” não beneficia o país.

Aprovado o texto, os bolsonaristas andaram casas valiosas na disputa com o STF: enfureceram os ministros enquanto os chamavam para uma disputa no terreno pantanoso da política. Menos de 24 horas após a aprovação do texto pelo Senado, o Estadão registrava que magistrados da Corte não só falavam em “traição” como pediam a cabeça do líder do governo. Pouco depois, no plenário do Supremo, Luís Roberto Barroso argumentava – não sem razão – que a medida era desnecessária, especialmente diante de uma corte que havia sido um “dique de resistência” ao negacionismo. Gilmar Mendes, com abordagem menos polida, falava em intimidações vindas de “pigmeus morais”.

Findo o desabafo, o tamanho do problema ficou evidente. Mais do que forçar o Congresso a recuar, os ministros robusteceram a posição dos parlamentares interessados na empreitada contra o Supremo. O presidente do Senado se mostrou indignado e, ato contínuo, anunciou que investiria esforços na proposta que pretende estabelecer mandatos aos ministros - só se espantam com os movimentos de Pacheco, aliás, os que se esqueceram de como ele deve sua ascensão a um conveniente consórcio com o bolsonarismo.

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Já o bolsonarismo fartou-se no material oferecido pelos magistrados. Viram nas declarações ríspidas dos ministros e na ampla reação capitaneada por eles nos bastidores a chance de provar que a corte é, sim, um ator político. A estratégia dos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro é lapidar esse discurso para inflamar o eleitorado e tentar, assim, embalar a votação na Câmara. Não se trata aqui de convencer a extrema-direita, que deseja há tempos conter o STF. A estratégia agora é crescer o bolo da insatisfação entre os eleitores de forma mais ampla, tornando indolor aos parlamentares o voto contra a Suprema Corte.

O caminho da argumentação está posto: o STF não aceita críticas, não respeita as demais instituições e está disposto a tudo para preservar poder. É um discurso usado por um pessoal que literalmente depredou o Supremo e tem o golpismo a embalar seus sonhos. O problema é que ele se aproveita neste momento do surgimento de questões reais: qual tipo de controle externo os ministros do STF de fato permitiriam submeter-se? Há atualmente contrapesos ao Supremo de forma a garantir que o sistema de “pesos e contrapesos” no qual se baseia nossa democracia funcione a contento?

Essas dúvidas já estão na praça e não vão sumir sob o argumento de que o debate existe, mas não é o momento de encará-lo. Os políticos dão sinais de que estão atrás de um acordo nacional, sim. Desta vez, no entanto, um acordo nacional sem o Supremo.

Opinião por Renata Agostini

Jornalista e analista de política e economia da CNN

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