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Representante do Comando Vermelho esteve também no Congresso, no CNJ e nos Direitos Humanos

Mulher de chefe do CV no Amazonas foi recebida em audiências no Ministério dos Direitos Humanos e no Conselho Nacional de Justiça. Também postou fotos com parlamentares

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Foto do author André Shalders
Foto do author Tácio Lorran
Foto do author Gabriel de Sousa
Por André Shalders , Tácio Lorran e Gabriel de Sousa
Atualização:

Ligada à facção criminosa Comando Vermelho, Luciane Barbosa Farias, de 37 anos, não teve dificuldades em circular pelos palácios de Brasília. Os principais compromissos da “dama do tráfico do Amazonas” na capital federal foram audiências previamente marcadas com autoridades do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que tratam diretamente de questões como o combate ao crime organizado e o sistema prisional, como revelou o Estadão. Além de participar de audiências no ministério, Luciane Farias, também tentou ampliar conexões abordando políticos no Congresso.

No começo da tarde, assessores do governo tentaram reforçar o fato de que Luciane não esteve apenas no Ministério da Justiça, mas no Legislativo. Entretanto, a situação é diferente da maioria dos encontros do Congresso. Nestes casos, parlamentares foram abordados nos corredores da Câmara e não em agendas nos gabinetes, como ocorreu no Ministério da Justiça.

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Em seu périplo pela cidade, ela aproveitou para andar pelo Congresso Nacional e visitar o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Sem ser importunada pela Polícia Legislativa da Câmara, Luciane frequentou os corredores e salões da Casa em março e maio. Nas suas redes sociais, ela exibiu fotos tiradas no Salão Verde, área de grande circulação, com os deputados Guilherme Boulos (PSOL-SP) e Daiana Santos (PC do B-RS). Elas também posou com André Janones (Avante-MG). Além de postar fotos na porta dos gabinetes do ex-ministro da Saúde de Jair Bolsonaro (PL), o general Eduardo Pazuello (PL-RJ), e do deputado Júnior Ferrari (PSD-PA).

A “dama do tráfico”, como é conhecida, esteve também na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), outra instituição que atua de forma direta em questões sobre o crime organizado. Num post no Instagram, Luciane contou ter sido recebida pelo conselheiro do CNJ Luiz Phillippe Vieira de Mello Filho, que é também ministro do Tribunal Superior do Trabalho.

Não há foto dos dois – apenas uma imagem de Luciane na porta do gabinete do magistrado. Segundo a postagem no Instagram, houve “reunião com o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho” para apresentação “serviço prestado da entidade aos seus associados e a comunidade”. Não há menção ao encontro na agenda do ministro.

Em nota enviada ao Estadão, o CNJ confirmou que Mello Filho recebeu Luciane no dia 4 de maio deste ano e que recebeu informações de que ela representava “familiares de presos egressos, reclusos, além da comunidade em geral. “O agendamento da reunião constou da agenda pública do conselheiro que, na oportunidade, recebeu documentação com projetos e denúncias sobre a questão prisional no estado do Amazonas”, afirmou o conselho em nota.

Mulher de um dos líderes do Comando Vermelho no Amazonas, Luciane Barbosa Farias diz ter se encontrado com conselheiro do CNJ Foto: Instagram / reprodução

A última visita de Luciane a Brasília foi no começo deste mês. Na segunda-feira, 6, ela participou do IV Encontro Nacional de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura, promovido pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Isto mesmo depois de ter sido condenada em segunda instância por associação para o tráfico de drogas, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

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Não foi a primeira vez que Luciane entrou no ministério chefiado por Sílvio Almeida. No dia 05 de maio ela foi recebida por Erica Meireles de Oliveira, que é coordenadora de gabinete da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (SNDH) da pasta.

Em uma nota enviada ao Estadão, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e afirmou que, no dia 2 de maio, atendeu pessoas “que se apresentaram como atuantes na promoção da pauta no sistema carcerário”.

Segundo a pasta, a reunião consistiu na apresentação do trabalho da Associação Nacional da Advocacia Criminal e da Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), que segundo a Polícia Civil do Amazonas, é financiada pelo tráfico de drogas. O ministério afirmou que o encontro durou cerca de 15 minutos e que “não houve mais qualquer contato desde então”.

“O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania tem por política receber em agenda as pessoas e entidades que demandam reunião e que atuam diretamente com as pautas de sua competência temática”, disse a pasta.

Luciane Barbosa Farias com Erica Meireles de Oliveira, do Ministério dos Direitos Humanos Foto: Instagram / Re

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Nas visitas, Luciane se apresentou como presidente da Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), uma organização não-governamental criada por ela mesma no ano passado. Em seu site, o ILA diz ser “uma entidade voltada para o sistema prisional, e tem como principal objetivo ser o porta voz de todos os familiares e egressos dentro e fora do Estado do Amazonas”.

Para Polícia Civil do Amazonas, no entanto, a entidade usa dinheiro do tráfico de drogas para “perpetuar a existência da facção criminosa e obter capital político para negociações com o Estado”. As ações sociais da entidade seriam sustentadas pelo CV “com a arrecadação de seus membros”, segundo trecho de um relatório policial.

ONG de Luciane é financiada pelo Comando Vermelho, segundo relatório da Polícia Civil do Amazonas Foto: Polícia Civil do Amazonas / Reprodução


Boulos diz que que tirou fotos “como faz diariamente com dezenas de pessoas”

Procurada, a assessoria do deputado Guilherme Boulos disse que ele “posou para fotos”, da mesma forma “como faz diariamente com dezenas de pessoas”. “O deputado foi abordado no Salão Verde da Câmara por duas mulheres, que se apresentaram como representantes do Instituto Liberdade do Amazonas, que pediram para apresentar suas demandas. O deputado, então, ouviu as demandas no próprio Salão Verde, que é uma área de livre circulação”, disse Boulos, em nota enviada ao Estadão. “Demandas como essa são apresentadas presencialmente todos os dias aos parlamentares por pessoas de todo o Brasil, o que impossibilita que se saiba com antecedência o histórico ou as ligações de cada uma delas”, diz a nota oficial de Boulos.

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Em uma das imagens postadas nas redes, Luciane aparece sentada à mesa com Boulos no cafezinho do Salão Verde da Câmara. “A Associação Instituto Liberdade do Amazonas -ILA em nome de todos seus associados agradece a oportunidade de ser recebida e ouvida com toda atenção e solidariedade a nossa pauta. Muito obrigado @guilhermeboulos.oficial”, diz a postagem.

Guilherme Boulos com Luciane Barbosa Farias, representante do Comando Vermelho Foto: Instagram / Reprodução

Janones diz que responsabilidade é da Polícia Legislativa

O deputado André Janones (Avante-MG) usou explicação semelhante à de Boulos. “Eu quero deixar claro que a Câmara é aberta para visitas, é a casa do povo. Eu atendo a todos que chegam no meu gabinete ou me encontram nos corredores, sem distinção, uma vez que a segurança e a identificação é feita pela polícia da câmara, não por mim”, disse ele, em postagem no X (antigo Twitter). “Logo, se a pessoa entrou, é porque ela pode estar lá dentro (...). Foram em meu gabinete diversas mulheres que se apresentaram como representantes de associações civis em defesa dos direitos humanos, bem como duas mães que tiveram os filhos vítimas de crimes e aguardam por JUSTIÇA”, disse o deputado do Avante de Minas Gerais.

Na foto com Janones, Luciane está acompanhada da advogada Camila Guimarães de Lima, que trabalha com ela. Eles estão num escritório em que há uma pintura com a logo do Avante, partido de Janones, e uma bandeira de Minas. Na postagem, ela não fez comentários sobre o encontro: postou apenas frases de efeito ligadas ao Direito. “A força do direito deve superar o direito da força”, diz uma delas – ironicamente, a força bruta era o meio de ação preferido do marido de Luciane, Clemilson dos Santos Farias, o “Tio Patinhas”, enquanto esteve em liberdade.

Representante do CV com André Janones Foto: Instagram / reprodução

Ao circular em Brasília, Luciane costuma estar acompanhada de uma amiga com trânsito no mundo da política: a advogada criminalista e ex-deputada estadual pelo PSOL fluminense Janira Rocha. Condenada em 2021 sob a acusação de fazer “rachadinha” com os salários de seus assessores na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Janira voltou aos holofotes recentemente ao assumir a defesa da ex-deputada federal Flordelis dos Santos de Souza, condenada no ano passado pelo assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo.

“E hoje em Brasília, nas articulações políticas no Congresso Nacional, em reuniões no Ministério da Justiça e no debate de construção de estratégias para trazer a luz a pauta de direitos fundamentais e humanos para o sistema prisional brasileiro só deu esse time de mulheres”, escreveu Janira Rocha no Instagram no dia 02 de maio, ao postar uma foto com Luciane e a equipe dela.

Janira acompanhou Luciane na visita a Brasília e solicitou as audiências no Ministério da Justiça, segundo disse a pasta ao Estadão. No começo de 2022, Janira, também participou da assembleia de fundação da ONG de Luciane. “Muito boas as expectativas de avanço na pauta, ficou notória a diferença política na sensibilidade de tratar o tema, outro governo, outra conversa, seguiremos!!!”, escreveu Janira na postagem no Instagram.

Luciane é casada com Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, condenado a 31 anos de prisão. Durante anos, ele figurou como o “número um” na lista de foragidos da polícia amazonense. Em 2018, a denúncia do Ministério Público que resultou em sua condenação o descreveu como indivíduo de “altíssima periculosidade, com desprezo à vida alheia, ostentador de poder econômico do tráfico de drogas e não indulgente para com devedores”. Reportagens da imprensa local amazonense dão conta dos métodos violentos do cônjuge de Luciane. “Homem é encontrado morto com cartaz no rosto: ‘devia Tio Patinhas’”, diz uma reportagem de abril de 2019, acompanhada da foto do bilhete.

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O criminoso também tinha um grande poderio militar, de acordo com relatório de inteligência policial, uma vez que suas ações seriam apoiadas pela cúpula do Comando Vermelho e pelo narcotraficante Gelson de Lima Carnaúba, o Mano G, condenado a mais de 190 anos de prisão por uma chacina no Amazonas. Clemilson já posou para foto ao lado de uma metralhadora antiaérea calibre .30, armamento com potência para abater aeronaves e atravessar veículos blindados.

O envolvimento de Luciane Farias com a política não começou agora. Em outubro, ela fez uma fala no que parece ser um evento de campanha em Manaus. “Nós da Liberdade do Amazonas… A nossa associação não defende a criminalidade. O que nós defendemos lá são os direitos humanos, certo? A pessoa quando ela erra, que ela fere a lei, ela deve ser presa e cumprir sua sentença, conforme a Justiça manda. Porém o único direito que ela perde (...) é o direito de ir e vir, a sua liberdade. Os outros direitos são garantidos pela Constituição Federal”, disse ela, na ocasião.

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