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Traduzindo a política

Opinião|Fidelidade canina de líderes da direita a Bolsonaro está acabando e entorno não se conforma

Recados nervosos nas redes sociais nos últimos dias têm como ponto central o desejo de que o espectro continue girando apenas ao redor do ex-presidente

Foto do author Ricardo Corrêa

A fidelidade canina que líderes de direita tinham a Jair Bolsonaro como comandante máximo desse campo ideológico vive um processo inicial de desestruturação que o entorno do ex-presidente teima em não aceitar. Dispostos a manter a família Bolsonaro no controle dos rumos da direita, os filhos e o porta-voz do ex-chefe do Executivo, Fábio Wajngarten, deram mostras nos últimos dias que não aceitarão que haja qualquer reparo a ele ou tentativa de construção de um movimento que não orbite em torno de seu grupo.

Fora desse entorno, figuras como Tarcísio de Freitas, Marcos Pereira, Romeu Zema e Tereza Cristina, por exemplo, indicam que têm objetivos de tornar a direita um espectro mais amplo e dissociado da personalidade de Bolsonaro. Para a maioria deles, a resposta veio de forma agressiva nos últimos dias.

Em Belo Horizonte, Jair Bolsonaro esteve ao lado de Zema no final de agosto, quando recebeu o título de cidadão honorário de Minas Gerais oferecido pelo governador Foto: Luiz Santana/ALMG/Divulgação

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Ninguém apanhou mais que Romeu Zema, que levantou a pauta de que é preciso “unir a direita”, no evento do CPAC em Minas Gerais no sábado, dia 23. Os primeiros recados vieram sem a citação direta de Zema, mas com referência claras a ele. Carlos Bolsonaro, na véspera da fala do mineiro, já havia ironizado as movimentações do partido do governador, e disse que “o plano é fazer o Novo e o MBL usando o Bozo e no fim botando na orelha do Bozo!”, completando que “a isentosfera não engana seus pares no quarto escuro” e que “basta dizer que não fazem parte dos grupos que tá tudo de boas! Viram prontamente aceitáveis”. Wajngarten, advogado e assessor de Bolsonaro, fez coro quando a declaração de Zema já estampava as manchetes. “Muito bacana esse papo de unir a direita, mas quando se olha a realidade, quem propaga não mexe uma palha pela tal ‘Direita’. Não pergunta. Não oferece ajuda. Não articula. Finge de morto. Típico gafanhoto”, disse ele.

Após Zema traçar, em São Paulo, diferenças em relação a Bolsonaro, pontuando suas posições na pandemia e a separação entre família e governo, as respostas vieram mais agressivas e diretas. O deputado federal Eduardo Bolsonaro lembrou de uma reportagem de que lojas de Zema foram flagradas abertas em meio ao isolamento social para ironizar: “‘Vamos unir a direita’, ‘Família para lá, negócios para cá’. A propósito, eu e meus irmãos fomos eleitos (e bem eleitos graças ao Jair Bolsonaro)”, disse o parlamentar. Wajngarten compartilhou material do Estadão sobre a fala de Zema para completar: “Eu avisei? Ou eu também já fui rotulado como “radical extremista “!?!?!?”

De novo citando a união entre Novo e MBL, Carlos Bolsonaro citou Zema diretamente desta vez, chamando de “insosso e malandro” e dizendo que ele ataca “de forma pueril a família de um ‘aliado’”. A “Senhor Romeu”, Carluxo chegou a atribuir o jocoso apelido de “malandro com cara de pastel”, além dos tradicionais ataques de cunho sexual que gosta de fazer a adversários. Mas a frase mais importante do recado ao governador de Minas resume o motivo de toda grita nas redes. “Não temos que unir a direita ou encontrar um líder diante de um cenário EXTREMAMENTE oportuno para uns, pois a direita sempre esteve unida, como sempre disse o Presidente Jair Bolsonaro; e um líder de verdade jamais é apontado, ele é forjado”.

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Zema, o alvo da semana, não é o único a receber cutucões. Até Tarcísio, esse muito mais próximo a Bolsonaro e que se digna a recebê-lo como hóspede no Palácio dos Bandeirantes após mais uma operação, recebeu recados cifrados nas redes. Na mesma semana em que apareceu na propaganda do Republicanos dizendo que o partido é a verdadeira sigla conservadora no Brasil (em contraposição nítida ao PL), leu nas redes Wajngarten dizendo: “Eu tenho um amigo, policial federal , que fez a segurança do Pr @jairbolsonaro desde 2018, ficou noites em pé na porta do quarto do hospital protegendo-o. Participou do Governo em Bsb. Participou de uma campanha estadual. É o primeiro suplente aqui em SP. Está sendo perseguido, processado com riscos de expulsão da PF pelo governo atual. Não tô vendo união entorno (sic) dele. Precisamos de mais atos concretos e menos retórica torcedora”. Explica-se: Tarcísio tem sido pressionado a escolher um deputado do Republicanos como secretário de governo para garantir que Danilo Campetti, seu auxiliar na campanha e hoje primeiro suplente, possa tornar-se parlamentar. Mas tem atrasado a tomada dessa decisão.

Tarcísio de Freitas enfrenta pressões para nomear um deputado estadual do Republicanos e, com isso, abrir espaço para Danilo Campetti ganhar um mandato na Assembleia de São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

Também antes disso, quando ousou ter posição divergente da de Bolsonaro na discussão da reforma tributária e posou ao lado do ministro Fernando Haddad em apoio à proposta, ouviu do próprio Bolsonaro que não tinha experiência e recebe apupos da plateia do PL alinhada ao ex-presidente.

Em junho, o alvo tinha sido Marcos Pereira, presidente do Republicanos, que quer puxar a legenda para a centro-direita e já disse que considera Bolsonaro alguém de “extrema-direita”. Ele disse que Bolsonaro está isolado. Carlos Bolsonaro não gostou e lançou as reclamações ao dizer que “essa raça aumentou a bancada e o poder devido às palavras e ações do presidente Jair Bolsonaro”. Já Eduardo Bolsonaro disse que a legenda de Tarcísio “é hoje um partido de esquerda”.

Quem ainda não apanhou é Tereza Cristina. Mas não tarda. Como nos contou Monica Gugliano, ela tem feito um esforço para não melindrar o bolsonarismo em seu projeto que fortaleceria sua candidatura para 2026. Em reunião no PP na semana passada, ouviu gritos lançando-a ao Planalto. Em evento em SP no início do mês também. Seu instituto em formação busca reunir empresários de direita que não compactuam com o bolsonarismo. Mexer com ela é mais difícil para Bolsonaro, que depende profundamente do apoio de um agronegócio que respeita demais Tereza Cristina. Mas se por ventura a família Bolsonaro decidir que o candidato mais fiel a eles é outro, a hora do bombardeio a ela também vai chegar.

Tereza Cristina, que se movimenta para 2026, ainda não foi alvejada pelo núcleo do bolsonarismo e tem trabalhado com cautela para não melindrar o ex-presidente Foto: Zeca Ribeiro/Câmara do Deputados

O fato é que, com Bolsonaro inelegível e sob forte cerco judicial, é natural que as forças que compõem a oposição a Lula procurem outros caminhos. Quem quer que consiga se viabilizar como candidato hoje não pode preterir do apoio dos eleitores de Bolsonaro, que continuam sendo uma massa relevante no Brasil, mas virar da derrota de 2022 para a vitória em 2026 depende de superar a também crescente rejeição ao ex-presidente.

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É esse equilíbrio que os líderes da direita perseguem ao tentar uma dissociação parcial da personalidade de Bolsonaro. Um ensaio disso se dá em São Paulo, na disputa municipal do ano que vem. Ricardo Nunes morde e assopra e também apanha do bolsonarismo ao se colocar como nome de centro, com o apoio do ex-presidente, mas sem adulá-lo e, por vezes, fugindo de uma associação direta com ele. Igualmente, tem gerado indignações públicas de figuras ligadas ao ex-chefe do Executivo. Esse é o manual de Bolsonaro para tentar manter o país polarizado em torno de sua figura. Se depender desses outros líderes, vai ficar cada vez mais difícil.

Opinião por Ricardo Corrêa

Coordenador de política em São Paulo no Estadão e comentarista na rádio Eldorado. Escreve às quintas

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