PUBLICIDADE

‘Sempre foi assim no Brasil: corruptos saem impunes’, diz Deltan Dallagnol sobre multa da Odebrecht

‘Quem paga o pato disso tudo é, sempre, a sociedade’, disse ao Estadão o ex-procurador da Lava Jato. Pagamento de R$ 3,8 bilhões devido pela empreiteira foi suspenso por decisão do ministro Dias Toffoli (STF); empresa disse que não comenta as declarações

PUBLICIDADE

Foto do author André Shalders
Atualização:

Para o ex-procurador do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná, Deltan Dallagnol, a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de suspender a multa da empreiteira Novonor (antiga Odebrecht) faz parte de um “grande pacotão” para garantir a impunidade de empresários e políticos que confessaram crimes de corrupção. Dallagnol integrou a antiga força-tarefa da Operação Lava Jato e participou da celebração dos acordos de delação premiada de vários funcionários da empreiteira. Procurada, a Novonor disse apenas que a “empresa não comenta as declarações do ex-procurador”.

Ex-procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, disse que 'corruptos saem impunes' no Brasil Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

“É um grande pacotão no qual as pessoas que confessaram praticar crimes estão saindo impunes, e outras estão tendo os casos anulados. E quem paga o pato disso tudo é, sempre, a sociedade. Sempre foi assim no Brasil. Os corruptos saem impunes. E o Supremo Tribunal Federal está garantindo que isso continue da mesma forma”, disse Dallagnol ao Estadão nesta quinta-feira, 1, quando a decisão de Toffoli veio a público.

“Acordos de leniência” como o firmado pela Odebrecht são uma espécie de “delação premiada” para empresas. São o primeiro passo para que a empresa deixe de ser considerada inidônea e volte a poder contratar com o poder público. O acordo de leniência foi homologado pelo ex-juiz federal Sérgio Moro, ainda em maio de 2017. A decisão de Toffoli estende à Novonor um benefício que o próprio ministro concedeu ao frigorífico J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista, em dezembro passado. Na ocasião, o magistrado suspendeu multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência do frigorífico.

O ministro do STF, Dias Toffoli, nomeado por Lula para o cargo em 2009 Foto: Fellipe Sampaio/STF

PUBLICIDADE

A argumentação de Toffoli é de que a multa deve ser suspensa para que a empreiteira possa analisar as mensagens de celular colhidas pela Operação Spoofing. O material, originalmente obtido por meio da invasão dos celulares dos procuradores, contém diálogos entre os procuradores da Lava Jato em Curitiba e Sérgio Moro.

Algumas das conversas dizem respeito a casos que seriam depois julgados pelo então juiz. Segundo a empresa, as mensagens “revelam um quadro de atuação comum de todas essas autoridades visando à derrocada da Novonor”. Para Toffoli, houve conluio entre Moro e os procuradores para para “elaboração de cenário jurídico-processual-investigativo que conduzisse os investigados à adoção de medidas que melhor conviesse a tais órgãos, e não à defesa em si”.

Argumentação dos advogados da Odebrecht foi citada por Toffoli na decisão que suspendeu o pagamento da multa Foto: STF/Reprodução

Deltan Dallagnol, que deixou o MPF em novembro de 2021 e se elegeu deputado federal nas eleições de 2022 – mas foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em maio –nega que a empreiteira tenha sido coagida de alguma forma.

“De modo nu e cru, a decisão do ministro Dias Toffoli beneficia uma empresa que desviou dinheiro público, impedindo que ela devolva para a sociedade aquilo que ela confessadamente roubou. E qual o fundamento desta decisão? É a pura e simples especulação de que poderia ter tido alguma coação. O porém é que essa especulação, essa suspeita de uma possível pressão é desmentida por dezenas de confissões e delações premiadas assinadas e homologadas diretamente perante o próprio Supremo Tribunal Federal”, diz ele.

Publicidade

Assim como aconteceu com a Odebrecht, o ex-procurador teme que a decisão de Dias Toffoli termine por ser aplicada a outras empresas que admitiram ter feito parte do cartel para fraudar licitações da Petrobras, conforme revelado pela Lava Jato. “Esse tipo de decisão pode sim ser expandida para todos os outros acordos de leniência, impedindo a devolução para os cofres públicos de bilhões de reais que foram confessadamente roubados da sociedade”, diz ele.

Dallagnol deixou o MPF em novembro de 2021 e se elegeu deputado federal nas eleições de 2022, mas foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em maio, com base na Lei da Ficha Limpa Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Além de suspender o pagamento do acordo de leniência, Dias Toffoli também declarou nulas todas as provas do sistema MyWebDay, usado pela Odebrecht para manter a contabilidade do “setor de propinas” da empreiteira. A decisão foi dada em setembro passado.

“Dias Toffoli enterrou as provas contra mais de 400 políticos que, segundo a empreiteira, estiveram envolvidos nos esquemas de desvio de dinheiro público. E, além disso, o ministro Dias Toffoli está impedindo que o dinheiro desviado, confessadamente, seja devolvido para a sociedade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, está mantendo todos os benefícios do acordo em favor da empresa”, diz Deltan Dallagnol.

Em maio de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarou a perda do mandato de Deltan Dallagnol na Câmara dos Deputados. O tribunal invalidou o registro da candidatura do procurador, que foi o deputado mais votado do Estado do Paraná em 2022, com 344.917 votos. A decisão atendeu a uma petição formulada pela federação partidária do PT, do PC do B e do PV. No pedido, os partidos argumentaram que Dallagnol estaria impedido pela Lei da Ficha Limpa ao supostamente ter deixado o Ministério Público para escapar de uma eventual punição pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.