Por Levy Teles, Samuel Lima e Gustavo Queiroz
Momentos críticos do presidente Jair Bolsonaro (PL) na campanha eleitoral acompanham o aumento na mobilização da retórica "anticomunista". Apoiadores do mandatário acusam opositores, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), jornalistas, ex-aliados e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de apoiarem a ideologia e justificam, em razão de uma suposta ameaça, a necessidade de ações mais radicais.
Bolsonaristas são os que mais movimentam a pauta no Brasil. A Constituição garante a liberdade de expressão e de pensamento, mas, no contexto eleitoral, especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que a tática é acionada para criar um "ambiente de medo". O cenário repete uma tendência já observada em 2018, cujos alvos foram Lula e o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), candidato que assumiu a chapa após a prisão do ex-presidente.
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Em publicações atuais, pastores e apoiadores de Bolsonaro associam também a ideia de que a esquerda está atrelada ao "ateísmo". Esse movimento não passou despercebido pela campanha de Lula. O PT produziu um vídeo para ironizar o "fantasma do comunismo" e ressaltar ações de seu governo favoráveis à liberdade religiosa. O material trazia um "fantasma" que afirmava, por exemplo, que Lula fecharia igrejas. A afirmação era contestada por um eleitor do petista.
No Instagram, por exemplo, houve picos de citações ao tema no dia 16 de agosto - início oficial da campanha - e em 22 de agosto, data em que Bolsonaro participou de sabatina no Jornal Nacional, da TV Globo. O total de posts públicos, com o intuito de gerar engajamento sobre a pauta encontrados na rede de fotos e vídeos, chegou a 4,6 mil.
Já no Twitter, o comunismo foi mencionado 680 mil vezes no período que compreende o primeiro dia de campanha até 23 de setembro, segundo dados do Monitor de Redes do Estadão. Além da agitação em torno do 7 de Setembro, o maior pico de menções ocorreu nos dias 10 e 11 de setembro, quando o jogador brasileiro Lucas Moura, do time inglês de futebol Tottenham, declarou voto em Bolsonaro e associou Lula ao socialismo e ao comunismo. "Não há nada de diferente entre o nazismo e o comunismo", disse o atleta.
As postagens no Facebook também cresceram. Foram 5 mil publicações apenas na semana do 7 de Setembro, de um total de 35 mil coletadas em todo o período eleitoral. "Intervenção militar, sim", pede uma publicação, que sugere liberdade ou morte pelo Brasil. "Ou depois não chorem se o comunismo tomar nossa bandeira."
"A política do medo é decisiva em todo esse processo, ela acompanha essa linguagem (sobre o comunismo) e adquire uma conotação mais ou menos agressiva ao longo do tempo", afirmou a cientista política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Daniela Mussi, que também destaca a motivação antidemocrática dessas mensagens.
Para Eugênio Bucci, professor titular da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e coordenador acadêmico do Instituto de Estudos Avançados (IEA), da Universidade de São Paulo (USP), o desconhecimento também assusta. "Esses grupos que alimentam o medo do comunismo têm em comum a característica de não saber o que é comunismo. Faz parte de uma expressão daquilo que o ser humano tem de mais primitivo. Não há muito como esperar se resolver esse tipo de coisa com algum tipo de censura. De forma nenhuma", ponderou Bucci.
O movimento nas redes sociais acompanha o posicionamento do próprio presidente, que citou o comunismo em discursos para retroalimentar esse sentimento de aversão. "Será que é difícil entender? Que essa política deles, esse esquerdismo, esse socialismo, esse comunismo leva à miséria?", disse Bolsonaro em live com apoiadores no dia 8 de setembro.
O discurso que associa a esquerda à ameaça comunista não é novidade, mostra um estudo do pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF) Viktor Chagas sobre a eleição de 2018. "É um termo esvaziado completamente de sentido a ponto de se transformar em uma espécie de meme. Não importa efetivamente o significado, porque ele é empregado de maneira a constituir uma imagem negativa do adversário e, em momentos particulares, toda vez que é preciso chamar a atenção para algo."
Diferentemente dos dias atuais, o comunismo avançava de forma concreta pelo mundo no século passado. Tanto era assim que decreto e encíclica papais, por exemplo, alertavam católicos para o risco "comunismo ateu". Hoje, porém, especialistas veem a retórica com um espantalho eleitoral.
Até mesmo ex-aliados do presidente, atualmente, são tachados de comunistas. "Direita odeia traidores. Sérgio Moro é lixo comunista", comentou um usuário no Twitter sobre o ex-ministro da Justiça, que deixou o governo após acusar Bolsonaro de tentar intervir na gestão da Polícia Federal. Hoje, o ex-juiz da Lava Jato, que condenou Lula à prisão, em primeira instância, busca uma vaga pelo Senado no Paraná e se reaproxima do bolsonarismo no Estado.
Procurado, o Twitter afirmou que procura estabelecer um equilíbrio entre o direito à liberdade de expressão e a segurança do usuário. A empresa destacou que há políticas contra propagação de ódio, comportamento abusivo, ameaças violentas e contra a integridade cívica, além de proibir o uso da rede para manipular e interferir em eleições.
A Meta (que administra o Facebook e o Instagram) afirmou que não permite que organizações ou indivíduos "anunciem uma missão violenta". A empresa monitora os apoios a organizações que propagam "ódio organizado". Também disse que mantém parceria com a Justiça Eleitoral.