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Curiosidades do mundo da Política

Disputa por verbas para turismo tem ‘campeonato’ até com rebaixamento entre cidades paulistas

Estâncias ficam na ‘primeira divisão’ e recebem mais recursos, enquanto municípios de interesse turístico funcionam como uma ‘Série B’, ganhando menos; outras cidades ficam sem verba, na lista de espera

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Foto do author Zeca  Ferreira

As cidades turísticas de São Paulo participam de uma espécie de “campeonato” a cada três anos. A competição é baseada em critérios técnicos – como a quantidade de atrações e hospedagens, por exemplo – e tem como “prêmio” recursos do Fundo de Melhoria dos Municípios Turísticos. Quanto maior a pontuação da cidade, melhor a sua posição em um ranking elaborado pelo governo do Estado. Os municípios mais bem avaliados ocupam a “primeira divisão” e recebem maiores repasses do fundo. As cidades na “segunda divisão” recebem menos recursos, enquanto aquelas na lista de espera ficam sem verba.

Porém, o primeiro passo para disputar esses recursos não é técnico, e sim político. As cidades turísticas são definidas pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Prefeitos que desejam aumentar os recursos de seus municípios precisam convencer um deputado a apresentar um projeto de lei para classificar a cidade como de interesse turístico. A proposta deve receber um parecer favorável da Secretaria de Turismo e Viagens para avançar. Em seguida, é submetida à votação. Se aprovada pela Alesp, a cidade é incluída na lista de espera, tornando-se elegível para competir pelos repasses.

Ubatuba lidera o 'campeonato' das cidades em busca de recursos destinados ao turismo em São Paulo Foto: Felipe Rau/Estadão

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O último ranqueamento dessas cidades foi feito em 2021. A próxima lista será divulgada em agosto deste ano. Na última edição, 213 municípios foram avaliados pela Secretaria de Turismo e classificados em duas categorias: estâncias turísticas e municípios de interesse turístico (MIT). As 70 cidades mais bem avaliadas foram designadas como estâncias, formando a “primeira divisão”. Os municípios restantes foram classificados como Municípios de Interesse Turísticos (MITs). Naquela época, a legislação estadual garantia repasses às 210 cidades mais bem avaliadas, deixando as três cidades com menor pontuação sem recursos.

Um dos técnicos da Secretaria de Turismo comparou o ranqueamento à Liga Independente das Escolas de Samba, onde as escolas dos grupos de acesso competem por uma vaga no grupo especial. Da mesma forma que no Sambódromo do Anhembi, onde as escolas são avaliadas por critérios como samba-enredo, bateria e comissão de frente, as cidades turísticas recebem pontuações baseadas em diversos quesitos, como infraestrutura, fluxo de visitas e plano diretor turístico. Esses critérios são definidos numa resolução, que é elaborada pela Pasta e publicada no Diário Oficial do Estado.

Outra semelhança com o carnaval é a questão do rebaixamento. Assim como as escolas de samba podem ser rebaixadas, as cidades turísticas também enfrentam essa possibilidade. Em 2021, no último ranqueamento, três cidades foram rebaixadas da primeira divisão para a segunda, enquanto outros três municípios foram promovidos. Barretos, Araras e Paraibuna alcançaram o status de estâncias, enquanto Campos Novos Paulista, Igaraçu do Tietê e Poá perderam essa condição. Já Tabatinga, Martinópolis e Santa Albertina ficaram sem receber verbas do fundo.

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Secretário diz que modelo estimula melhora das cidades

Secretário estadual de Turismo e Viagens, Roberto de Lucena conta que o modelo de política pública adotado pela Pasta é único em todo o País. Mas refuta a ideia de que as cidades paulistas concorrem entre si. “O ranqueamento cria um ambiente virtuoso no Estado de São Paulo”, disse Lucena ao Estadão. “É como uma pista de corrida, onde cada corredor está em uma raia, observando o competidor ao lado. Ninguém quer ficar para trás. Apesar de não estarmos considerando uma competição entre os municípios, isso os impulsiona a sair da zona de conforto”, observou.

Entre 2021 e 2023, a Secretaria de Turismo repassou R$ 586,3 milhões para as 210 cidades turísticas mais bem colocadas no ranking. Embora Ubatuba tenha liderado a lista com 92 pontos, foi Santos, com 73,7 pontos, que recebeu a maior quantia de recursos, totalizando R$ 47,6 milhões, comparados aos R$ 6,5 milhões destinados a Ubatuba. Ambas as cidades são estâncias, e os recursos não são necessariamente enviados para a cidade com a maior nota. A quantia que uma cidade recebe é determinada por sua divisão, e não por sua pontuação. Assim, estâncias com notas menores podem receber mais repasses do que aquelas com notas maiores.

A política de apoio às cidades turísticas remonta à década de 1940 e é garantida pela Constituição do Estado. O envio de recursos para esses municípios leva em conta o conceito de população flutuante, que se refere a um grande número de indivíduos que permanecem temporariamente em um território. Inicialmente, a legislação foi criada para auxiliar as cidades do litoral paulista, que recebiam um grande volume de turistas durante as férias, mas não tinham infraestrutura adequada para acomodá-los. Para resolver esse problema, foi estabelecido um mecanismo legal que direciona recursos do Tesouro do Estado para essas cidades.

Para beneficiar prefeitos aliados, Alesp já ampliou várias vezes o número de cidades que recebem recursos Foto: Rodrigo Costa/Alesp

De lá para cá, muitas mudanças ocorreram. Até 1948, eram apenas nove estâncias no Estado. Em 2014, esse número aumentou para 72, com centenas de projetos para novas estâncias tramitando na Alesp. Em 2015, uma nova legislação foi aprovada, dando forma atual à política pública de turismo. Essa legislação introduziu o sistema de ranqueamento e os municípios de interesse turístico, ampliando o número de cidades beneficiadas para 210. O modelo buscou garantir a integridade do fundo de melhorias, definindo que ele seria composto por 11% da arrecadação total dos impostos municipais das estâncias, com 20% desses recursos destinados aos MITs.

Entre 2015 e 2024, novos projetos de lei foram apresentados para conceder o status de interesse turístico a mais cidades paulistas. Como a legislação impunha um limite no número de municípios que poderiam ser atendidos pelo fundo, os deputados flexibilizaram a lei em 2023 para incluir novas cidades. O total de municípios que podem receber repasses aumentou de 210 para 245, sendo 80 estâncias e 165 MITs. Assim, 35 municípios que estavam na lista de espera poderão receber repasses após o ranqueamento de 2024. Segundo técnicos da Secretaria de Turismo, mais de 50 cidades ainda aguardam para serem incluídas no ranking. Ou seja, mesmo com as mudanças, algumas cidades continuarão de fora e o campeonato entre elas continuará.

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