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Curiosidades do mundo da Política

Saiba como Avenida Paulista passou de ‘palacetes dos barões’ para palco de manifestações políticas

Inspirada em boulevards de Paris, Paulista surge como área residencial no final do século 19, abrigando casarões da elite paulistana

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Foto do author Zeca  Ferreira

Milhares de manifestantes caminham em direção ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista, gritando palavras de ordem e segurando cartazes. No alto de um trio elétrico, um político carismático conduz a multidão com ataques ao grupo adversário. A despeito da ideologia, esse tem sido o cenário das manifestações na capital paulista desde 25 de agosto de 1992, quando 120 mil pessoas marcharam a partir do vão livre do Masp pedindo o impeachment do então presidente Fernando Collor.

A estimativa de público foi divulgada pela Polícia Militar (PM) à época. O Estadão noticiou, na edição de 26 de agosto daquele ano, que os manifestantes ocuparam cinco quadras da Paulista, entre a Rua Peixoto Gomide e a Avenida Brigadeiro Luís Antônio. A passeata contra Collor foi organizada pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e integrava o movimento dos “caras-pintadas”. A marcha estudantil terminou numa concentração no Vale do Anhangabaú, que reuniu cerca de 200 mil pessoas, ainda segundo a PM. (Veja mais sobre o ato abaixo).

Capa do Estadão em 26 de agosto de 1992 com a cobertura dos atos pelo impeachment de Collor Foto: Acervo/Estadão

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Collor não resistiria à pressão popular, perdendo o mandato em dezembro daquele ano. Porém, as consequências dos atos promovidos pelos caras-pintadas não se restringiram ao impedimento de um presidente da República. Para o professor Paulo Niccoli Ramirez, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o movimento foi o principal responsável por deslocar o eixo de manifestações da Praça da Sé e do Vale do Anhangabaú para a Avenida Paulista.

Ramirez explica que o golpe militar, em 1964, impôs um período sem grandes manifestações no País. Esse “apagão de atos políticos” só foi interrompido com as greves de metalúrgicos no ABC Paulista em 1978. A partir de 1983, as manifestações voltaram à capital paulista com a campanha das Diretas Já. Mas o movimento pró-democracia não realizou comícios na Avenida Paulista, e sim na Praça da Sé, que chegou a receber 250 mil pessoas no dia 25 de janeiro de 1984, segundo noticiado na época pela imprensa.

O professor da FESPSP conta que o deslocamento do eixo de manifestações para a Paulista ocorreu por múltiplos fatores. A deterioração do centro e o abandono da região central por parte do poder público é um deles, mas não explica todo o fenômeno. “Outro fator é que a Paulista é o centro financeiro do País. Simbolicamente, ocupar a Paulista é também ocupar o lugar mais relevante da cidade. Isso tem um apelo político e econômico muito forte”, diz Ramirez.

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À esquerda, manifestantes pedem pelo impeachment da Presidente Dilma Rousseff, na Avenida Paulista em 2015; à direita, ato pró Bolsonaro na Avenida Paulista em 2024 Foto: Filipe Araújo e Tiago Queiroz/Estadão

Ele ainda afirma que as manifestações dos caras-pintadas foram o “ponto culminante da transferência da Sé e do Anhangabaú para a Paulista”. Nesse contexto, é importante entender que o movimento era composto por jovens universitários de classe média que já frequentavam as galerias e os bares da Paulista. Essa proximidade dos caras-pintadas com a região favoreceu que as concentrações ocorressem em frente ao Masp.

Outro elemento essencial para entender o fenômeno é a ocupação da Paulista por eventos não necessariamente políticos, como a Corrida de São Silvestre e a comemoração do réveillon. Nesse contexto, Ramirez destaca a participação dos clubes de futebol em fazer com que a população normalizasse a ocupação da Paulista. Isso porque os times da capital tradicionalmente comemoram as conquistas de títulos na avenida. “De alguma forma, o futebol também foi lançando as sementes para que a Paulista se tornasse relevante”, conta.

De Paris paulistana a palco de manifestações

Inspirada nos boulevards de Paris, a Avenida Paulista surgiu como uma área residencial no final do século 19, abrigando os palacetes e as mansões dos barões do café. Foi com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, que a avenida se transformou por completo. Isso porque parte da elite paulistana foi afetada pela crise econômica, sendo obrigada a vender seus casarões para investidores, que, anos mais tarde, ergueram edifícios na região.

A Casa das Rosas é um casarão localizado na Avenida Paulista. Sua construção data do período de auge da produção cafeeira em São Paulo. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Entre as décadas de 1950 e 1960, o processo de verticalização da Paulista se intensificou com a construção dos primeiros grandes edifícios residenciais, como o Saint Honoré e o Conjunto Nacional. Logo após, vieram as sedes de bancos e corporações, que moldaram o cenário atual da avenida.

A primeira manifestação na Paulista ocorreu em 1976, quando boiadeiros reagiram às suas condições de trabalho, relata a professora Maria Margarida Cavalcanti Limena, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no livro “Avenida Paulista: imagens da metrópole”.

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Ramirez considera que atualmente a Paulista pode ser definida pelo conceito de “campo”, do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-1922). Ou seja, um espaço simbólico, em que lutas de agentes determinam, validam, legitimam representações. “Sempre que ocorre uma manifestação na Paulista, há o debate sobre o número de pessoas no ato. Ou seja, quanto mais gente nas ruas, maior a sensação de que existe um apoio massivo sobre determinado tema. A ocupação das ruas é um instrumento de pressão política”, conta o professor da FESPSP, que considera que, hoje, a Paulista é um espaço de disputa entre esquerda e direita.

Veja como foi a cobertura do ato pelo impeachment de Collor em 26 de agosto de 1992:

Página da edição de 26 de agosto de 1992 com a cobertura da manifestação pelo impeachment de Collor Foto: Acervo/Estadão
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