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Concreto, trânsito e barulho: construções causam transtornos em série para vizinhos de obras em SP

Moradores que vivem no entorno de canteiros de obras relatam problemas com barulho, sujeira, trânsito e até queda de materiais pesados. Prefeitura diz ter aplicado 254 multas no ano e sindicato de construtoras reforça orientação a empresas

Foto do author Giovanna Castro
Por Giovanna Castro

Obras que se concentram em um mesmo quarteirão têm causado transtornos em série para moradores de diferentes bairros da cidade de São Paulo. Denúncias feitas ao poder público têm apontado as consequências do barulho, do trânsito e da sujeira oriundos de construções de prédios no entorno de imóveis residenciais, cujos proprietários cobram controle mais eficiente.

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Infrações de construtoras resultaram em média em uma multa da Prefeitura por dia neste ano, aponta a gestão municipal. O cenário de casas cercadas por canteiros de obra foi constatada pela reportagem em diferentes bairros, como Pinheiros, na zona oeste, e Brooklin, na zona sul. Os problemas dessa natureza se intensificaram nos últimos anos com o boom imobiliário nos eixos de transporte, como na vizinhança de estações de metrô, impulsionado por previsões abertas pelo plano diretor de 2014.

Foram 254 autuações a construtoras de janeiro a setembro de 2023, 115 delas especificamente sobre despejo irregular de concreto. “A quantidade de imagens, filmagens e reclamações que eu recebo por dia é muito grande”, diz Verônica Bilyk, coordenadora da Pró-Pinheiros, uma organização de moradores do bairro da zona oeste, e conselheira participativa municipal por Pinheiros.

A Rua Cacilda Becker, no Brooklin, foi praticamente interditada pela instalação de diferentes canteiros de obras. Caçambas, caminhões e barracas dificultam o trânsito e a circulação de pedestres Foto: Taba Benedicto/Estadão

“Você vê, na cara dura, a água correndo com os detritos (de concreto) para as bocas de lobo, fora as calçadas interditadas, que são um desrespeito com o pedestre e quem dirá com cadeirantes”, afirma.

Na Rua Capote Valente, próximo à Praça Oswaldo Cruz de Souza Dias, o asfalto ganhou relevo após um caminhão deixar cair uma porção da nata de concreto na via – depois que secou, ela se tornou permanente.

Porções de concreto presas ao asfalto na rua Capote Valente, próximo ao numeral 1.120, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Foto: Daniel Teixeira/ Estadão

De acordo com a Prefeitura de São Paulo, só nas ruas Capote Valente e Tenente Negrão, que também aparece em muitas denúncias de moradores do bairro, a Subprefeitura de Pinheiros já aplicou nove multas contra construtoras que despejaram concreto na via do começo do ano para cá. Em todo o bairro, foram 95 multas até setembro.

A Lei municipal n.º 17.916/2023 reforça a vigência de multa e determina os valores a serem pagos por quem comete esse tipo de infração – a atitude já era prevista em leis anteriores, de 2002 e 2008. “A administração regional trabalha diariamente para combater o crime de despejo irregular de concreto nas galerias da cidade. A multa para este crime pode chegar a 30 mil reais”, afirma a Secretaria Municipal das Subprefeituras (SMSUB).

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A cidade de São Paulo tem um guia próprio para descarte de resíduos da Construção Civil, que funciona da seguinte maneira:

  • As empresas que geram resíduos devem contratar empresas autorizadas pela administração municipal que prestem o serviço de limpeza urbana, como coleta, transporte, tratamento e destinação final do lixo;
  • Concreto, argamassa e cerâmica devem ser despejados numa caçamba, contratada pela empresa e autorizada pelo município a ser colocada na via, sem interditar a calçada.

No Brooklin, após a reportagem do Estadão visitar obras no entorno da Rua Cacilda Becker e questionar a Prefeitura sobre as cenas que viu, de marcas de concreto nas laterais de algumas ruas e água com resíduos sendo despejada, uma vistoria do poder público foi feita e uma construtora foi autuada por despejo irregular do material.

Pelo excesso de obras no local, não foi possível identificar qual era a empresa responsável. A informação também não foi cedida pela prefeitura.

Água com cimento escorre pelas Ruas próximas à rua Cacilda Becker, no Brooklin. O quarteirão tem mais de seis prédios em construção, recém entregues ou prestes a serem construídos. Foto: Taba Benedicto/Estadão

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Questionado sobre o tema, o Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP) disse que “preza pela correta destinação de resíduos proveniente das atividades relacionadas ao setor e lidera há anos o debate sobre o tema”.

O sindicato afirma que as empresas associadas são “orientadas sobre a correta adoção de medidas destinadas a impedir o derramamento em passeios, ruas e sarjetas, da nata de concreto originária das obras” e que, após o contato da reportagem, um novo comunicado foi emitido a todas as empresas associadas reforçando a orientação e pedindo “especial atenção ao tema”.

Interdição de vias e transtornos no trânsito

Outro transtorno relatado pelos vizinhos é que em ruas onde o movimento de carros é menor, há uma tendência de que a via seja utilizada sem tantos critérios.

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Na Cacilda Becker, por exemplo, o fluxo de funcionários das obras – que são três acontecendo ao mesmo tempo em um quarteirão – praticamente interdita as ruas no horário de almoço. O movimento é tão grande que food trucks se alocaram ali para atender o pessoal. Há, ainda, diversas caçambas alocadas e caminhões parados.

Food trucks atendem os funcionários das obras da Região da rua Cacilda Becker, no Brooklin. São três obras grandes simultâneas no mesmo quarteirão. Foto: Taba Benedicto/Estadão

“Às vezes eu preciso sair de casa e tenho que tomar cuidado na hora de abrir o portão, para não acertar alguém que pode estar encostado”, conta Daniela Sirianni, dentista e moradora da região há 48 anos. “Eles são muito gentis e educados comigo, são uns amores, mas, realmente, quando estou com pressa, atrapalha um pouco.”

Daniela, que sofre de enxaqueca, condição que pode ser agravada pelo excesso de barulho e poluição do ar, diz que o movimento de construções na região vem desde 2015. “É um prédio atrás do outro”, afirma. Naquele quarteirão, dois prédios foram entregues há cerca de um ano, um está com as obras de construção prestes a começar e três estão sendo levantados.

Alguns moradores reclamam ainda de caminhões das construtoras e carros de pessoas que trabalham nas obras que são estacionados em frente às suas garagens. Eles contam que precisam chamar o responsável para tirar o veículo do local na hora de entrarem ou saírem de suas casas, o que é motivo atraso e estresse.

“Já aconteceu de eu chegar em casa, ter carro parado em frente à garagem, eu ligar para a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e, quando o agente chegar, descobrir que o dono do carro trabalhava em uma das obras. Daí tiveram que chamar o cara para vir tirar o carro”, afirma Guilherme Lucardy, gerente de marketing e morador de um quarteirão de Pinheiros que tem três obras simultâneas.

Segundo a CET, a autuação de veículos parados irregularmente em frente a garagens e a liberação da via costumam ser feitas rapidamente após denúncias, mas não há um programa de fiscalização constante em locais onde há muitas obras juntas. A Companhia ressalta ainda que as empresas envolvidas nas construções devem seguir a regulamentação de trânsito da cidade.

O barulho de caminhões circulando e homens trabalhando de noite, quando normalmente é feita a retirada dos materiais das caçambas e cargas e descargas nas obras, também incomoda. No entanto, há respaldo legal para que as construtoras e empresas terceirizadas façam isso no período noturno.

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“As entregas de materiais no período noturno acontecem devido à restrição de tráfego de caminhões em algumas áreas da cidade denominadas Zona de Máxima Restrição de Circulação (ZMRC), conforme as portarias publicadas pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), tais como: PORTARIA N.o 137/18-SMT.GAB e PORTARIA N.o 154/18-SMT.GAB”, diz a SindusCon-SP.

Danos nas casas dos vizinhos mais próximos

A relação com os vizinhos fica ainda mais estremecida quando há danos estruturais às residências. A SindusCon-SP diz que dissemina uma lista de boas práticas de vizinhança para as construtoras, recomendando que elas tenham um canal de atendimento para vizinhos e façam vistorias constantes, mas nem sempre essas orientações são seguidas ou são suficientes para eliminar os atritos.

Um homem que mora na Rua Madressilva, no Brooklin, reclama que sua casa sofreu rachaduras nas paredes, teve telhas quebradas e hoje sofre com problemas de infiltração, principalmente quando chove. Ele alega que os danos aconteceram por conta da obra vizinha à sua casa, de responsabilidade do Grupo Kallas.

“Desde que começou essa obra, eu não tive paz”, diz o homem, que preferiu não se identificar. “Já estouraram um cano de água e, por conta disso, a conta de água veio mais de mil reais. Eu paguei do meu bolso”, afirma. Também houve queda de materiais pesados na casa. “Se caísse na cabeça de alguém, teria matado.”

Peça pesada de metal caiu de obra vizinha no quintal do morador do Brooklin. Foto: Taba Benedicto/ Estadão

Nem mesmo os bichos de estimação da família saíram ilesos – uma foto mostrada à reportagem exibia os animais cobertos do cimento que, do prédio, caiu no quintal do vizinho. Mesmo assim, o homem diz que nunca fez nenhum tipo de denúncia contra a construtora e que pretende resolver os problemas amigavelmente.

“Só quero que arrumem minha casa. Estou evitando ao máximo entrar com processo”, diz. Recentemente, a construtora enviou uma seguradora para fazer vistoria da residência, com o objetivo de avaliar os danos causados. A família espera agora um retorno.

Procurado, o Grupo Kallas disse, em nota, que “segue todas as regulamentações previstas em lei em relação às suas obras”. A construtora informou, ainda, que “possui um canal específico para contatos de vizinhos de empreendimentos em construção e uma equipe especializada para esse tipo de atendimento”.

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“Todos os projetos seguem um cronograma definido por lei para a instalação de bandejas de proteção e telas para evitar riscos relativos a quedas de materiais”, finaliza a nota do Grupo Kallas.

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