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Cracolândia: ataques a comércio e ônibus são ‘reações a nossos acertos’, diz vice-governador de SP

Felicio Ramuth, que lidera ações do Estado no centro de São Paulo, descarta ampliar estratégia de internação compulsória de usuários de droga e aposta em bons resultados das câmeras

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Por Gonçalo Junior
Atualização:
Foto: DANIEL TEIXEIRA
Entrevista comFelicio RamuthVice-governador de São Paulo

Seis meses após ter sido escolhido pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para liderar uma ação conjunta entre os poderes estadual e municipal na Cracolândia, o vice-governador Felicio Ramuth (PSD) afirma que “as coisas na região estão no caminho certo”.

Em entrevista exclusiva ao Estadão, Ramuth considera que os ataques de dependentes químicos a ônibus e caminhões de lixo no mês passado foram reações às ações corretas do poder público. Por outro lado, Ramuth reconhece que a sensação de insegurança no centro permanece.

Para o vice-governador, a dispersão dos usuários, motivo de queix de moradores e comerciantes, também foi verificada entre outras cidades do mundo que enfrentaram cenas abertas de uso de drogas, como Amsterdã, Frankfurt e Nova York.

Diferentemente do que vem sendo defendido publicamente pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), Ramuth não vê a internação compulsória de usuários de drogas como uma estratégia a ser intensificada. O vice-governador também aposta em efeitos positivos na instalação de câmeras de inteligência no controle dos problemas da região.

Veja os principais pontos da entrevista.

A estratégia do governo na Cracolândia está dando certo?

Nosso objetivo é entregar a situação de uma maneira melhor do que encontramos nas cenas abertas de uso ao longo de quatro anos. Esse é o foco. Para aqueles que têm problemas neste momento, como lojistas, moradores e trabalhadores, pode parecer muito. Por isso, já estamos realizando ações para chegar a esse objetivo de médio e longo prazo. As coisas estão no caminho certo. Mas não temos pretensão de resolver o problema do dia para a noite.

Quais são essas ações?

A primeira é política: prefeito e governador estão empenhados de mudar aquela realidade para todos. Temos ações de saúde, como a criação do hub de cuidado com crack e outras drogas com um trabalho científico de acompanhamento.

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Os números de acolhimento na comunidade terapêutica e internações em hospitais especializados são surpreendentes. São mais de cinco mil atendimentos e 2,8 mil internações. Hoje já temos mais de 350 usuários cadastrados pela Secretaria de Segurança Pública. Isso nunca havia sido feito.

E temos ações contra o tráfico. Temos imagens comprovando quem é traficante e quem é usuário. O foco das ações de segurança não é o usuário e, sim, o traficante. Essas ações trouxeram a redução de roubos na região central. E temos as ações de zeladoria, duas vezes por dia. Isso é fato. A Praça da Sé foi devolvida para o cidadão e o turista.

Ramuth considera que os ataques de dependentes químicos a ônibus e caminhões de lixo no mês passado foram reações às ações corretas do governo Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 30-01-2023

Por outro lado, os ataques a ônibus, algo que não acontecia, trazem impressão de falta de controle da situação.

Vemos imagens de reação do tráfico às nossas ações, como a invasão aos mercados, a questão dos caminhões de lixo. São reações que mostram que nossas ações estão corretas. Ao contrário do que o cidadão comum vê. São reações aos nossos acertos, não aos nossos erros. Essas reações pontuais podem dar a impressão de que o centro passa pela mesma situação, o que não é verdade.

Temos imagens de reação do tráfico às nossas ações, como a invasão aos mercados, a questão dos caminhões de lixo. São reações que mostram que nossas ações estão corretas.

Felicio Ramuth, vice-governador

Como impedir que esses ataques aconteçam?

Nas nossas duas últimas operações, com atuação mais efetiva da PM no entorno, com Guarda Civil e Polícia Civil fazendo operação, buscando a reação. Isso não significa que não ocorram, mas a gente procurou contornar.

A estratégia vai continuar da mesma forma?

Estudamos “cases” de várias cidades do mundo. Temos 15 ações adotadas na Cracolândia que foram executadas em outras cidades do mundo que enfrentaram cenas abertas de uso. Dentro do que a legislação permite, 80% delas estão sendo implementadas na nossa estratégia. Em todas elas, a dispersão foi aplicada, algo que parte da população e da imprensa criticam. A estratégia da dispersão foi aplicada em praticamente todas. O foco na zeladoria também é bastante utilizado. Estamos convictos sobre o que fizemos e o que pretendemos fazer.

A estratégia da dispersão foi aplicada em praticamente todas (experiências internacionais). O foco na zeladoria também é bastante utilizado. Estamos convictos sobre o que fizemos e o que pretendemos fazer.

Felicio Ramuth, vice-governador

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Essa dispersão não pode ter causado o surgimento de algumas milícias, grupos que cobram por proteção?

Vamos investigar e punir os maus profissionais, seja nas esferas estadual e municipal, de qualquer força de segurança ou associação com essa venda de facilidades. Não dá para colocar embaixo do tapete. Pode ter relação com a dispersão da Cracolândia. Ainda que haja espalhamento, temos uma concentração maior de usuários na Rua dos Gusmões, entre a Rio Branco e a Rua Santa Ifigênia.

A internação compulsória vai ser usada de forma mais ampla?

Neste momento, isso está absolutamente descartado. Temos muito que convencer as pessoas. Precisamos esgotar o trabalho voluntário das pessoas que aceitam a oferta de tratamento. Eventualmente pode existir uma ou outra pessoa numa condição extrema. Mas como conseguimos um número grande de internações, temos razão para mudar essa política. Não significa que ela esteja descartada. Significa que não foi necessária até este momento. Não percebe que ela será necessária a curto prazo. Como a medida é muito polêmica, entre os que concordam e aqueles que não concordam, ela não é pauta. É a exceção da exceção.

Polícia cerca usuários na Cracolândia, no centro de São Paulo Foto: Ítalo Lo Re/Estadão

Existem vagas suficientes?

Sim. Já temos vagas suficientes e existem possibilidades de ampliação de vagas. Temos muitas delas em hospitais especializados e comunidades terapêuticas. Visitei dois hospitais públicos vazios em Franco da Rocha (na Grande São Paulo) que serão usados. Não tem restrição orçamentária do governo nesse sentido.

Outro problema do centro são as gangues de bicicletas. Como contê-las?

Nesse ponto, a estratégia pode envolver até alguma alteração da legislação municipal.

Como assim?

Calçada é lugar de bicicleta? A grande maioria dos roubos acontece nas calçadas e nas calçadas mais largas, que são usadas por ciclistas mal intencionados. Utilizando esse local onde o pedestre deveria ir e vir. O fato de haver a permissão para os ciclistas andarem pelas calçadas, ou de não haver legislação específica, acaba permitindo. Estamos estudando possibilidades de inibir o uso das calçadas por ciclistas na região central, desde que as vias tenham suas ciclovias.

Esse estudo está em que ponto?

Estamos na fase do estudo jurídico da legislação de trânsito, mobilidade e segurança ao pedestre. Existe até essa possibilidade. Implementa ou não de acordo com a viabilidade jurídica e técnica (Procurada pela reportagem para comentar a questão das regras sobre as calçadas, a Prefeitura não comentou). Paralelamente, temos o trabalho da Polícia Civil e várias prisões e apreensões de bicicletas. Isso acontece semanalmente. Já tivemos o aumento de policiamento, com mais 400 guardas civis militares e mais 180 policiais militares.

Ramuth coordena ações do governo Tarcísio na Cracolândia em parceria com o prefeito Ricardo Nunes Foto: Isadora de Leão Moreira/GOVERNO SP

Todos esses problemas deixam forte sensação de insegurança para quem anda no centro...

A gente compreende que a sensação de insegurança ainda está deslocada da melhora do aumento da policia. A sensação de medo é fato. Mas a gente mostra os dados. Os índices foram reduzidos? Sim, mas ainda estão aquém do que desejamos. O consumo de drogas tem relação com isso. Quando acaba o dinheiro, a pessoa, consumida pela droga, vai atrás do lixo reciclável ou de algum furto.

A gente compreende que a sensação de insegurança ainda está deslocada da melhora do aumento da policia. A sensação de medo é fato. Mas a gente mostra os dados.

Felicio Ramuth, vice-governador

Temos informações sobre a criação de um novo batalhão policial, especializado na região central. Como ele vai atuar?

Tudo indica que o novo batalhão será formado por motocicletas. É uma modalidade que tem mais agilidade para atender qualquer tipo de ocorrência na região central. Mas ele não será implementado agora, mas em 2024. Os policiais ainda estão sem formação, na academia.

O senhor anda pelo centro?

Sim. Sempre. A propósito, vou atender no gabinete do centro, uma vez por semana, a partir da segunda quinzena. Minhas agendas serão lá no prédio Cidade I, na Rua Boa Vista.

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Sua ida para lá tem relação com a transferência da administração estadual?

Não. Esse é um projeto maior, de médio e longo prazo. Minha ida é se aproximar ainda mais da região central para continuar escutando as pessoas. Gosto de estar próximo. O objetivo é estar presente, próximo do problema.

Hoje é difícil imaginar a transferência do governo para o centro...

É um plano de médio e longo prazo. Estar lá mostra a vontade do governo de estar presente. É um projeto inovador, que envolve habitação e prédios de escritórios. Mas o centro está melhor do que em janeiro pelas ações de zeladoria e urbanismo da Prefeitura, de segurança do Estado, de apoio social e saúde, ainda que com todos os obstáculos. Um divisor de águas será a implantação das câmeras de inteligência. Serão 500 câmeras na região central de um total de 20 mil. Teremos as primeiras dentro de 60 a 90 dias a partir do final de agosto. (Nesta segunda, a Prefeitura anunciou que começa em dois meses a instalação de câmeras de monitoramento facial na região central)

Neste mês, a atenção da população se deslocou da Cracolândia para o Guarujá com 16 mortes. A operação foi positiva?

A ação da SSP é positiva nesses seis meses. É o enfrentamento contra o crime organizado. Não vamos fugir disso. É a característica do nosso governo com o governador Tarcísio de Freitas. Valorizar nossas forças de segurança, acreditar nesses homens e mulheres, até que se prove o contrário.

Ao longo dos últimos anos, todas as atitudes eram colocadas em dúvida. Estamos fazendo isso: primeiro acreditar neles e depois checar. Acreditamos nas nossas ações e depois fazemos a checagem com nossas câmeras de seguranças e outras câmeras que possam presenciar. Não vi imagens da população em geral sobre qualquer tipo de abuso. Vi o contrário: imagens de bandidos atingindo uma cabo da PM com fuzil pelas costas. O celular está tão difundido que registra qualquer problema. E ele pode acontecer, uma ação equivocada, homens e mulheres podem errar. Quando vemos isso acontecer, vemos as imagens dos populares.

Ao longo dos últimos anos, todas as atitudes eram colocadas em dúvida. Estamos fazendo isso: primeiro acreditar neles e depois checar.

Felicio Ramuth, vice-governador

Como assim?

A gente já viu várias imagens de policiais militares extrapolando sua autoridade não nessa gestão, mas ao longo da história recente. Sempre tem alguém com celular. Nesse caso, não temos nada disso. Não temos nenhuma imagem, e nem precisava ter, não é obrigatório que a população filme, mas temos nossas câmeras que não apontam nada nesse sentido. Temos as nossas imagens contra nenhuma outra imagem. No momento em que você coloca em dúvida a ação das forças de segurança, é necessário que se comprove.

Os moradores argumentam que nem todos eram criminosos...

O MP vai apurar. A Defensoria Pública vai apurar. É ótimo que apure. É um número que ninguém gostaria que acontecesse, 16 mortes de criminosos, mas foram necessárias em uma reação.

Mas as pessoas estão apavoradas, com medo de sair de casa...

Estamos seguros que as apurações vão mostrar que, apesar de não ser o que gostaríamos, criminosos estavam atacando o Estado por retaliar a ação da Polícia Militar. A preocupação da população é um efeito colateral que a gente lamenta por conta do embate contra o crime organizado. A gente espera que esses momentos de tensão sejam premiados com momentos futuros de tranquilidade.

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A preocupação da população é um efeito colateral que a gente lamenta por conta do embate contra o crime organizado. A gente espera que esses momentos de tensão sejam premiados com momentos futuros de tranquilidade.

Felicio Ramuth, vice-governador

O senhor mencionou as imagens, mas ainda não está claro se todos os policiais usavam câmeras corporais.

Todas as imagens serão fornecidas e disponibilizadas. (Nesta segunda-feira, o governo informou que imagens de sete das 16 ocorrências foram repassadas ao Ministério Público.)

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) chegou a defender a retirada das câmeras dos uniformes durante a campanha. Elas serão abolidas?

O governador já mostrou em várias ocasiões, na campanha e em sua gestão, que não tem problema de reconhecer que uma proposta original pode não trazer ganho na prática. Ele já foi claro em relação às câmeras. Não existe nenhum movimento do governo de abolir ou retirar a câmera dos policiais. E ele já reafirmou isso ao longo da semana.

Porque tivemos um aumento da letalidade policial de maneira geral?

O aumento da letalidade tem de ser comparado com o aumento da produtividade policial. Com policiais agindo mais e combatendo o crime, um dos efeitos pode ser uma letalidade que, a princípio, pode parecer maior, mas que, pela produtividade, não indica esse aumento. Pelos meus dados, a letalidade não aumentou por causa do aumento da produtividade. Não podemos olhar só a letalidade.

Houve alguma mudança de orientação às tropas?

Não acompanho a atividade operacional das tropas, mas a ação das forças de segurança ocorre dentro da legalidade. Não houve mudança na forma de atuação. Acredito nisso, mesmo que não esteja no dia a dia. A Polícia Militar segue regras claras, não acredito que tenha havido uma mudança de atuação.

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