Herdeira da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (1934), a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) compreende um agregado de distintas tradições de investigação científica, estudos culturais e crítica literária, herdeiras da rica tradição científica e cultural trazida pela missão europeia que está na origem da USP. Firmou-se nessa comunidade acadêmica o entendimento de que não há oposição radical entre ciência, cultura e política.
Além da introjeção, nas sucessivas gerações de pesquisadores, dos cânones científicos e acadêmicos, essa herança incentivou a inovação e criação de intelectuais. Formado por docentes e estudantes, o Grupo do Capital, por exemplo, ajudou a firmar um estilo metodologicamente direcionado de tratamento de textos fundantes da Filosofia Social e Política e dos textos clássicos e contemporâneos das Ciências Sociais.
Igualmente pioneira foi a criação, no domínio dos estudos literários, do método "rente ao texto", que consiste em articular o contexto social e literário à autonomia estética da obra, na origem do qual se nutriram os estudos das literaturas brasileira, portuguesa, africanas e as modernas literaturas inglesa, francesa, alemã e espanhola. Exemplos significativos são as obras Formação da Literatura Brasileira, de Antônio Cândido, e História Concisa da Literatura Brasileira, de Alfredo Bosi.
A FFLCH foi a única instituição do País a criar bacharelado em Linguística e oferecer diversidade de estudos e línguas orientais, como japonês, chinês, coreano, russo, árabe, hebraico e sânscrito. Inédita foi a criação de um curso de pós-graduação reunindo estudos sobre línguas e literaturas árabe e hebraica. Também é tradicional a área de estudos clássicos em torno do grego e do latim.
Outro destaque é a participação de docentes como tradutores, comentaristas e apresentadores de textos. Convém mencionar a participação de docentes nas coleções Os Pensadores - cuja primeira edição, com 50 volumes, chegou à extraordinária marca de 4 milhões de exemplares -, Os Grandes Cientistas Sociais, História Geral da Civilização Brasileira, História da Vida Privada no Brasil e o Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta de São Paulo.
Momento privilegiado dessa história acadêmica se deu com a criação e o desenvolvimento da chamada Teoria da Dependência. Em uma obra de referência - Dependência e Desenvolvimento na América Latina (1967) -, Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falleto ofereceram interpretação singular dos processos estruturais, econômicos e políticos que articulavam as economias nacionais e o sistema capitalista internacional. Na mesma direção, foram historiadores da FFLCH que elaboraram interpretação original a respeito da inserção do Brasil no antigo sistema colonial, cuja obra Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808), de Fernando Novaes, é referência. Não menos importantes foram as contribuições de Florestan Fernandes e seus discípulos à compreensão da transição do regime escravista ao trabalho livre no Brasil, que facultaram originais descobertas sobre raízes do racismo e relações entre preconceito e dominação de classe.
Desde os primeiros anos posteriores ao golpe militar de 1964, forte corrente de resistência política à ditadura contribuiu para sedimentar o pensamento político brasileiro contemporâneo sobre as possibilidades de transição e consolidação da democracia, cujo livro Qual Democracia?, de Francisco Correa Weffort, é referência obrigatória.
No campo da Geografia Humana e Física, destacam-se estudos sobre industrialização, urbanização e metropolização, além de estudos recentes sobre ecologia e meio ambiente.
Essa conjugação de forças externas e internas ainda mantém a FFLCH na liderança de estudos sobre desenvolvimento econômico e social, bem como instituições políticas, governabilidade, trabalho e classes sociais, entre outros.
SÉRGIO ADORNO É PROFESSOR TITULAR DE SOCIOLOGIA E DIRETOR DA FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DA USP