Justiça proíbe Ricardo Nunes de inaugurar ônibus aquático em SP; entenda por quê

Prefeitura previa inaugurar novo modal de transporte hidroviário na represa Billings até o fim do mês; Ministério Público alega falta de estudos que garantam segurança ambiental do projeto

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Por Giovanna Castro
Atualização:

O Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu nesta terça-feira, 26, liminar de suspensão das operações do Aquático SP, o primeiro transporte público hidroviário da capital paulista, prometido pela Prefeitura para a represa Billings, na zona sul. O projeto vinha sendo testado pela gestão municipal e tinha inauguração prevista para o fim deste mês, após sucessivos adiamentos. A gestão Ricardo Nunes (MDB) diz que ainda não foi notificada sobre a liminar.

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O tribunal acolheu as ponderações do Ministério Público do Estado (MP-SP), que entrou com ação civil pública na segunda, 25. Entre as alegações da Promotoria, estão a falta de estudos suficientes sobre o impacto ambiental do projeto e os possíveis riscos à vida humana dos passageiros e moradores do entorno por conta da movimentação e disseminação dos poluentes tóxicos que existem no lodo da represa.

Como revelou o Estadão, o MP-SP vinha apontando nas últimas semanas “falhas no licenciamento dos atracadouros e da hidrovia”. Na época, a gestão Ricardo Nunes (MDB) afirmou que as obras teriam “mínimo impacto” e disse seguir a legislação ambiental.

“Não se nega que as obras e serviços em tela tenham aptidão para melhorar a dinâmica geral dos transportes, principalmente na região da zona sul do Município de São Paulo. No entanto, não se afigura razoável que tal implantação seja feita de forma precipitada, sem as cautelas necessárias para evitar potenciais danos a um dos principais reservatórios de água do Estado”, escreveu o juiz Antonio Augusto Galvão na liminar.

Ao longo do mês de março, a Prefeitura de São Paulo vinha fazendo testes de operação dos barcos do Aquático SP na represa Billings. Foto: Felipe Rau/Estadão

Pré-candidato à reeleição em outubro deste ano, Nunes tem no Aquático SP uma de suas principais promessas para agilizar o transporte público na periferia da zona sul de São Paulo, região que deve ser de disputa por eleitorado, uma vez que Marta Suplicy (PT), pré-candidata a vice-prefeita na chapa com Guilherme Boulos (PSOL), costuma ter boa votação naquela área.

Divergências

Conforme apontado pelo MP-SP, o projeto apresentado pela Prefeitura para o transporte tem divergências significativas do plano hidroviário da cidade, feito em parceria com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e descrito em lei proposta por Nunes quando ele ainda era vereador.

A lei, sancionada em 2014 pelo então prefeito Fernando Haddad (PT), sugere implementação de embarcações movidas a energia limpa e sistemas complementares de retirada do lodo tóxico do fundo da represa, assim como o tratamento da água. Já o Aquático SP tem barcos movidos a combustível fóssil e não conta com processos de limpeza da represa.

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Em entrevista ao Estadão no começo deste mês, Alexandre Delijaicov, professor da USP que participou da criação do plano de hidrovias urbanas do Município e é arquiteto efetivo da Prefeitura, disse que o projeto apresentado pela gestão não é inviável nem deve causar mais prejuízos ambientais à represa.

Porém, ele aponta não ser o plano ideal, por não considerar a limpeza da água. “São águas ultra poluídas, com um lodo ao fundo, que é perigosíssimo. O ideal era existirem processos complementares de retirada do lodo, num sistema que chamamos de ‘navegar para limpar’”, afirmou.

Represa Billings contém lodo tóxico e potencialmente prejudicial à saúde em seu solo. Foto: Felipe Rau/Estadão

O MP também acusa a Prefeitura de dispensar e fracionar licitações ambientais e de infraestrutura urbana. “Licenciamento apartado não é compatível com as disposições legais”, afirma. “O Projeto Piloto foi dispensado de licenciamento pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), apesar dos impactos irreversíveis que poderá causar”, diz a ação civil, à qual o Estadão teve acesso.

Procurada, a Prefeitura disse que não foi notificada sobre a liminar e, assim, “desconhece o teor da decisão”. A gestão municipal afirma ainda que “o inédito transporte hidroviário na cidade irá beneficiar milhares de pessoas com um modal confortável e mais rápido, onde os passageiros irão reduzir muito seu tempo de deslocamento, melhorando diretamente a qualidade de vida de toda a população”.

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A assessoria de imprensa do tribunal informou que “a liminar foi liberada nos autos às 17h35, mas o expediente forense se encerra às 17h. Portanto, não houve tempo hábil para nenhuma providência posterior.” Assim que notificada a Prefeitura, “a liminar deve ser cumprida de imediato e não há prazo fixado na decisão”.

O projeto

Se de fato implementado, o Aquático SP deve agilizar o transporte para cerca de 385 mil moradores do entorno da Billings, facilitando o acesso ao Terminal Santo Amaro e demais pontos da cidade. Atualmente, o deslocamento é feito por ônibus ou carro, em cerca de 1h20. Já a travessia de barco é estimada em 17 minutos. A via urbana de contorno da Billings tem 17,5 quilômetros de extensão. Atravessando por embarcação, são 5,6 km.

Segundo a Prefeitura, a operação assistida ligará o Cantinho do Céu, na região do Grajaú, até o Parque Mar Paulista, em Pedreira – ainda estão sendo construídos terminais hidroviários e de ônibus, interligando a rede de transporte. Ela oferecerá viagens com intervalos de 30 minutos a partir das 6h, até as 20h, com possíveis alterações a partir das condições meteorológicas.

Serão dois barcos com capacidade para 60 passageiros cada (todos sentados), ar-condicionado, poltrona estofada, TV, banheiro e coletes salva-vidas em todos os bancos (incluindo modelos específicos para obesos e crianças). O transporte poderá ser acessado por bilhete único, com cobrança de valor igual à dos ônibus municipais (R$ 4,40) e valendo integração. No domingo, será gratuito, como a rede de ônibus da cidade.

A previsão inicial era de que fosse inaugurado entre outubro e novembro de 2023, conforme disse o prefeito em entrevista à rádio CBN em agosto de 2023. Depois, o início foi adiado sucessivas vezes: para dezembro, fevereiro e fim de março. Agora, foi suspenso por meio da liminar na justiça e não tem nova data prevista.