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Rita Lee: do ‘casarão’ ao Ibirapuera, relembre lugares ligados à história da cantora em São Paulo

Artista morta nesta segunda, 8, se dizia conhecedora da cidade ‘de ponta a ponta’ e narrou relação com ‘Sampa’ na autobiografia; veja alguns dos relatos

Foto do author Priscila Mengue
Por Priscila Mengue
Atualização:

Rita Lee dizia que conhecia São Paulo de “ponta a ponta”, do Museu do Ipiranga à Galeria Metrópole, da Rua Augusta a Interlagos, do Bixiga à Praça da Sé. Em sua biografia, lançada em 2016, a cantora, compositora e escritora morta nesta segunda-feira, 8, narra as décadas de “andações” pela capital paulista, que chamava carinhosamente de Sampa. A rainha do rock brasileiro também morou em diferentes bairros da cidade, como Vila Mariana, Paraíso, Pacaembu, Cantareira e Higienópolis.

“Lembro quando construíram o Conjunto Nacional, das escadarias elegantes do Cine Metro, dos lampiões do Teatro Municipal, da sempre emocionante travessia do viaduto do Chá, da vista no topo do Banco do Estado, do chiquê do Edifício Martinelli, das arcadas românticas da faculdade do largo de São Francisco. Lembro até do observatório astronômico no lugar onde hoje fica o Masp”, escreveu em Rita Lee: uma autobiografia, lançada em 2016 pela editora Globo.

Rita Lee durante entrevista no Teatro Aquarius, na Bela Vista Foto: Solano de Freitas/Estadão - 16/08/1976

O casarão da Vila Mariana

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Chamado de “casarão” pela artista, a residência dos anos 1920 em que cresceu na Rua Joaquim Távora, 670, na Vila Mariana, é presença constante em relatos da infância e adolescência. Ao lado, em um sobrado geminado, vivia uma família de imigrantes hispano-poloneses.

“Lembro poucos detalhes dos lugares onde morei no decorrer da vida, mas o casarão da Rua Joaquim Távora, telefone 703-487, permanece intacto na minha memória. Era na ampla cozinha que as mulheres passavam o dia inteiro escutando rádio, costurando e cozinhando”, conta no livro.

Hoje, a residência não existe mais. “O casarão todo tinha pé direito bem alto, as portas eram pesadas, os janelões largos, os ornamentos das paredes pintados à mão e cada quarto e sala tinha um carimbo diferente”, descreve.

Imóvel construído onde existia casarão onde Rita Lee cresceu Foto: Jose Luis da Conceição/Estadão

Ela comenta também sobre o extenso porão, “palco das idiossincrasias de nossa família ‘Addams’. Tinha tetos e paredes forrados com desenhos, paisagens, fotos de artistas de cinema e da música, contos de fadas, animais, santos, marcas de produtos, sobras de pano, capas de revistas, mosaicos de louças quebradas, enfim, pensávamos mil vezes antes de jogar qualquer obra de arte no lixo”, diz. Lá também havia o laboratório de experiências científicas do pai de Rita e um palquinho em que a família se apresentava.

O escritório do pai no centro

Charles, pai de Rita Lee, dividia um consultório odontológico no sétimo andar de um edifício na Rua Xavier Toledo, 98, no centro de São Paulo. Rita conta de famosos que foram atendidos pelo pai, como o ator Sérgio Cardoso e a cantora Maysa. Ele também chegou a atender em casa, no “casarão”, em um consultório improvisado na sala de visitas.

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As lembranças do Aeroporto de Congonhas

Além das incontáveis vezes em que viajou a partir do Aeroporto de Congonhas, na zona sul, durante a carreira, Rita também guardava lembranças de infância no local. Ela visitava o espaço com a família aos sábados para avistar os pousos e as decolagens. “Era uma farra”, chegou a descrever.

“No segundo andar do prédio central havia uma varanda para visitantes bem em cima do portão de embarque. Era de praxe famílias acompanharem o viajante até o aeroporto e depois acenar da varanda enquanto os passageiros desfilavam pela pista até o avião, sem esquecer o famoso tchauzinho na escadinha antes de entrar.”

Os momentos de Rita Lee no Ibirapuera

A relação com o Ibirapuera faz parte das lembranças de Rita Lee desde antes de virar parque. A artista será velada na quarta-feira, 10, no planetário do local.

Na autobiografia, narra, por exemplo, a relação da família com a então “Floresta do Ibirapuera”. “Estacionávamos em frente ao Instituto Biológico e de lá seguíamos a pé dois quarteirões até a entrada da floresta. A imensidão do lugar nos convidava a abrir pequenas clareiras em pontos diferentes, onde montávamos um pequeno acampamento. Cada um de nós escolhia uma árvore ou planta para ‘tomar conta’, limpando ervas daninhas, juntando folhas mortas e batizando as plantas”, relata.

Rita Lee no lançamento de sua autobiografia no Conjunto Nacional Foto: Gabriela Biló/Estadão - 16/11/2016

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A artista relembra da decepção do pai, Charles, com a urbanização de parte da área de mata e transformação em um parque urbano, em 1954. “O sonho acabou no quarto centenário de São Paulo, quando grande parte da floresta virou asfalto, cimento e construções de gosto duvidoso”, conta.

Na biografia, ainda lembra que o planetário do parque se tornou o “must semanal” do público, em passeios seguidos de uma ida à lanchonete local para tomar uma banana split. Foi no parque também em que posou para a capa de seu disco Entradas e bandeiras, com a Tutti Frutti, no qual está com o papagaio Paco (de um amigo) no ombro.

Rita Lee tem histórias ligadas à represa Guarapiranga Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Amigos e festinhas na represa do Guarapiranga

Rita Lee tinha amigos e familiares por diferentes bairros e regiões de São Paulo. Na autobiografia, fala de festas na casa de amigos em uma casa no entorno da represa Guarapiranga, como o “fiel escudeiro de infância”, o bailarino e ator Bellonzi.

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Ela narra as experiências de “festinhas de arromba na casa da Guarapiranga, point do crazy people da Pauliceia, com aquela cena manjada de gente desbundada amanhecendo pelos quatro cantos da casa”, escreveu. “Na casa da Guarapiranga, Mick e o namorado administravam as finanças(hã?), Bellonzi cuidava da cozinha, eu ajudava na faxina.”

Foi naquelas imediações que libertou uma jabuti batizada de Nancy e também acampou com uma barraca e uma “fogueirinha”. “Durante a madrugada fui devorada por borrachudos e voltei para casa parecendo um peixe-boi de tão inchada.”

A casa dos mutantes

Uma casa na Pompeia, zona oeste, foi o local de convívio de Rita Lee com os colegas da banda Os Mutantes, mais precisamente na Rua Venâncio Aires, 408. Pela concentração de músicos de rock, o bairro chegou a ser apelidado de “Liverpool paulistana”. O muro em frente à residência foi grafitado com referências ao grupo musical.

“A verdade é que eu bundava entre a Pompeia, onde ozmano moravam, e a Avenida São Luís, no qg Bahia, assistindo à mais completa procissão de beautiful people da vanguarda brazuquesa, um entra e sai de humanos interessantíssimos jamais vistos no planeta de onde vim”, narrou no livro.

Casa onde se reuniam Rita Lee e os demais integrantes da banda Os Mutantes Foto: Google Street View/Reprodução

A escola de Rita Lee

A cantora estudou no Liceu Pasteur, na Vila Mariana. “Meu pai podia economizar na carne moída em vez de filé-mignon, mas em matéria de educação não poupava tostão. Para as filhas, nem pensar colégio de freiras. Entre a escola italiana Dante Alighieri e a americana Graduada, Charles deu uma de suíço e escolheu a francesa Liceu Pasteur”, conta.

No livro, também se recorda da rivalidade entre a sua banda, das “garotas do Liceu”, e um grupo de estudantes do “colégio rival”, o Caetano de Campos, formado pelos irmãos Dias Baptista. A banda de Rita, a Teenage Singers, também tem ligação com outros locais da cidade, como o Teatro João Caetano, até hoje em funcionamento na região da Vila Clementino.

Rita Lee partiu com a família da Estação da Luz para viagens ao interior Foto: Tiago Queiroz/Estadão

As passagens pela Estação da Luz

Assim como outras famílias da época, a de Rita viajava também de trem. No livro, ela narra passeios que saíam da Estação da Luz, no centro. “A impressão de entrar na majestosa estação da Luz construída pelos ingleses era a de um filme europeu em branco e preto da Segunda Guerra”, descreveu.

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Rita Lee fez primeira comunhão e batizou filho Beto em igreja na Vila Mariana Foto: Google Street View/Reprodução

A igreja da família de Rita Lee

Rita Lee conta alguns causos envolvendo igrejas e capelas que frequentou durante a vida. Uma delas é a Paróquia Santo Inácio de Loyola, na Rua França Pinto, na Vila Mariana, na qual batizou os filhos Beto (com Gilberto Gil e Sandra de padrinhos), Tui e Juca, e onde ela foi “anjinho de procissão” e fez a primeira comunhão.

Rita Lee na Serra da Cantareira

A cantora explorou diferentes pontos de São Paulo. No começo dos anos 1970, passou a frequentar a Serra da Cantareira, na zona norte. Ela narra na autobiografia que os irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Baptista compraram um terreno “no meio do mato”, “cercado de despenhadeiros”.

“A ideia era montar uma comunidade hippie para ali vivermos all together now felizes para sempre, sonho de dez entre dez jovens tolinhos da época. Logo que as estruturas básicas foram erguidas, oztrêsmano se mudaram de mala e cuia pra lá”, escreveu a artista.

Rita resistiu por um tempo até se mudar para a casa de Arnaldo, da qual saiu para voltar a viver com os pais no “casarão”. Anos depois, a cantora voltou a morar na região da Cantareira, acompanhada do companheiro Roberto de Carvalho. Em uma madrugada durante uma ida à farmácia, foi feita de refém junto com o marido durante um assalto, cuja experiência descreveu como “uma historinha tragicômica”.

Outros artistas também viviam no entorno. “Por uma grata coincidência, a casa de Elis e a minha eram vizinhas na Cantareira e logo passamos a nos frequentar tipo as mais novas amigas de infância. (...) O ‘sistema de segurança’ de sua casa não era eletrônico nem canino: tinha uns gansos pra lá de brabos que faziam uma algazarra danada quando alguém dava as caras por lá.”

Rita Lee durante sua apresentação no festival Hollywood Rock, realizado no estádio do Pacaembu, na abertura do show do grupo The Rolling Stones Foto: Massao Goto Filho/Estadão - 28/01/1995

Histórias de vida e futebol no Pacaembu

Rita Lee se mudou no fim dos anos 1970 com a família para o Pacaembu, na zona oeste, na Rua Ferdinando Laboriau, a uma quadra do estádio. Mais adiante, mudou-se para outra parte do bairro, na Rua Manoel Maria Tourinho, “num sobradão bacana”, com piscina, jardim e “um espaço legal para os meninos se esbaldarem”. Na segunda casa, teve como um cozinheiro um homem que descobriu depois ser um assassino procurado pela polícia.

Corintiana, também frequentava jogos do time. No livro, narra que a música Orra meu apresenta um trecho inspirado em um canto que ouviu no estádio do Pacaembu durante um jogo do Corinthians.

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“O refrão ‘guerrilheiro, forasteiro’ foi chupado da torcida corinthiana num jogo que fui assistir no Pacaembu, o estádio de honra do timão, contra um timeco sul-americano”, contou. Além disso, chegou a se apresentar em shows no estádio.

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