Sempre que se fala no potencial terapêutico das células-tronco, uma das primeiras doenças que aparece na lista de possíveis beneficiárias é o mal de Parkinson. Pois agora uma equipe de cientistas descobriu a receita biológica para transformar células-tronco embrionárias em neurônios dopaminérgicos - exatamente as células nervosas que são destruídas pela doença. Os estudos, por enquanto, foram feitos apenas com camundongos, mas abrem uma perspectiva real de que a terapia celular poderá, de fato, beneficiar um dia os parkinsonianos. O que os cientistas fizeram foi identificar uma proteína essencial para a diferenciação de células-tronco embrionárias nesse tipo de neurônio. Uma analogia interessante seria pensar nas células-tronco como uma massa de bolo cru. Dependendo dos ingredientes que você jogar na receita, ele vai sair do forno como um bolo de chocolate, laranja, cenoura ou coco. Da mesma forma, dependendo dos fatores bioquímicos que os cientistas adicionam a uma "massa" de células-tronco no laboratório, elas podem se transformar em células do sangue, coração, fígado, neurônio ou outros tecidos do organismo. O desafio, portanto, é encontrar a receita certa para produzir cada tipo específico de tecido. No caso dos neurônios dopaminérgicos, o ingrediente principal é a proteína Lmx1a, que induz a produção de uma segunda proteína, chamada Msx1. Por meio de uma série de experimentos, os cientistas demonstraram que, sem a presença dessas proteínas, não há formação de neurônios dopaminérgicos no cérebro de camundongos. E o mais importante: por meio delas é possível direcionar a diferenciação de células-tronco embrionárias em neurônios de dopamina. "No uso terapêutico de células-tronco, é de suma importância que você produza o tipo correto de célula", afirma o pesquisador Thomas Perlmann, do Instituto Karolinska e do Instituto Ludwig para Pesquisa do Câncer, na Suécia. "Há pelo menos mil tipos diferentes de neurônios no cérebro, e apenas um é clinicamente relevante para o Parkinson." A idéia seria usar os neurônios dopaminérgicos produzidos a partir das células-tronco em implantes para substituir os neurônios destruídos pela doença. Segundo o cientista brasileiro Emmanuel Dias-Neto, do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), já havia indícios de que a terapia de células-tronco poderia ser usada dessa maneira, mas os resultados eram prejudicados justamente pela dificuldade de produzir o tipo específico de neurônio necessário. "É aí que está a beleza da coisa, a possibilidade de repor exatamente a célula que está sendo perdida", diz Dias-Neto. A dopamina é um neurotransmissor, ou seja, uma molécula que transmite sinais entre células nervosas. Pacientes com Parkinson sofrem uma degeneração gradativa de neurônios dopaminérgicos, o que leva a distúrbios motores e mentais. A pesquisa foi publicada na conceituada revista Cell. O próximo passo dos cientistas será testar os resultados de diferenciação in vitro de células-tronco no tratamento de camundongos com Parkinson. Segundo Dias-Neto, o modelo da doença é muito semelhante nos roedores e no homem, o que leva a crer que, se o tratamento funcionar em camundongos, é provável que funcione também em seres humanos. Genoma - Em outra pesquisa publicada nesta semana, pesquisadores identificaram uma mutação que é responsável por mais de 20% dos casos de Parkinson entre árabes, judeus e norte-africanos. A descoberta foi uma surpresa não apenas para essas populações porque, de forma geral, se achava que a doença não tinha uma base genética muito forte. "A genética vai ser muito mais importante no Parkinson do que muita gente imagina", disse Susan Bressman, principal autora do estudo publicado no New England Journal of Medicine.
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