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Diagnosticada com autismo nível 1, conhecido como autismo leve, a jornalista Renata Simões vai debater abertamente sobre o tema

Opinião|(A)Típica mãe: a maternidade é ainda mais complexa no espectro

Quando a atipicidade da mãe ou a criança se apresenta, o maternar ganha novas camadas

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Maternidade é assunto complexo. Há definições como “capacidade infinita de amar” e “entrega da vida a um ciclo de obrigação, culpa e responsabilidade”. Ouço relatos, angústias e explosões de alegria acompanhados daquele sonoro “manhêêê” enquanto ela tenta ir ao banheiro, compensados por um sorriso. Típico, na maternidade, é a transformação experimentada por todas.

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Quando a atipicidade da mãe ou da criança se apresenta, esse processo ganha novas camadas. Mães estão na linha de frente da luta pelas políticas públicas, uma batalha hercúlea constante. É do encontro delas nessa trincheira que nascem associações que reivindicam que o problema não é seu e nem só das mães, mas da sociedade.

Essa tal de sociedade não ajuda no processo. Estatísticas mostram que a taxa de demissão de mulheres pós-maternidade chega a 48% em até dois anos após o retorno ao trabalho. No caso do espectro, muitas mulheres são obrigadas a largar a profissão para se tornar “mãetorista” de uma criança que precisa de tratamentos e terapias. Setenta e oito por cento das mulheres com filhos autistas ou com outras deficiências são abandonadas por seus companheiros, que nunca vão passar pelo puerpério ou ser julgados pela condição do filho.

No grupo das mães atípicas, há quem se descobriu no espectro, com TDAH ou transtorno de ansiedade durante a saga de obter um diagnóstico para o filho. E não é que o tempo para, e elas podem elaborar seus espaços internos, é tudo ao mesmo tempo agora, entre uma troca de fralda e uma ida ao terapeuta. O autoconhecimento parece ser típico do processo, assim como aquela “força” tão exaltada e tão desgastante.

O clichê diz “uma mãe é capaz de tudo por seu filho”, imagine então quando ele chega com necessidade de suporte. Um embate constante no movimento TEA é o de autistas versus mães de autista. De um lado, jovens adultos buscando reconhecimento, autonomia e respeito. Do outro, uma mulher que lida com fantasmas sobre o futuro. O desespero de uma mãe é um prato pronto para ser garfado por charlatões prometendo curas milagrosas. Agora, quem pode julgar uma mulher que é assombrada pelo improvável acolhimento da sociedade ao seu filho com pouca autonomia, quando ela não estiver mais aqui?

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Minha mãe morreu quando eu era criança. O Dia das Mães nunca foi uma data interessante, até minha irmã se tornar mãe de dois. Em vez de presenteá-la, penso em um presente às outras mães. Se pudesse escolher, seria que nenhuma mulher passasse pelo transtorno de ter seu filho recusado por uma escola. E que seu plano de saúde não pudesse decidir interromper o contrato. E que as pessoas passassem a olhar de forma mais empática e cuidadosa para ela e seu filho. Sozinha eu não consigo presenteá-las, você está disposto a oferecer esse presente comigo?

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