Na lista de recomendações para uma boa noite de sono sempre há um item sobre evitar a prática de exercício físico perto da hora de ir para a cama. E não é para menos, já que atividades intensas aumentam a temperatura do corpo e a frequência cardíaca, o que atrapalha o relaxamento — e esse fator é essencial para que a pessoa adormeça.
Mas, um novo estudo publicado em julho deste ano no jornal científico BMJ Open Sport & Exercise Medicine revelou que, dependendo da forma como a atividade é realizada, o efeito pode ser o oposto, melhorando o descanso. Essa conclusão foi obtida após os pesquisadores da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, compararem o impacto de duas sessões de intervenções noturnas de quatro horas.
Na primeira, os 30 voluntários permaneceram sentados continuamente enquanto assistiam a serviços de streaming. Na segunda, fizeram três minutos de exercícios de resistência usando o peso corporal a cada meia hora — os movimentos incluíam agachamento, elevação de panturrilha e extensão de quadril.
Após cada intervenção, os participantes voltavam para as suas rotinas normais e seu sono era analisado com a ajuda de um monitor de pulso. Os dados obtidos pelo aparelho revelaram, então, que os participantes dormiram em média meia hora a mais na noite em que se exercitaram. Entretanto, não houve alteração na qualidade do sono, que leva em consideração quantas vezes a pessoa acorda durante a noite e a duração desses despertares.
Segundo os autores do trabalho, a escolha de exercícios simples e que utilizam apenas o peso do corpo foi motivada pelo fato de que são fáceis de implementar. Afinal, não exigem equipamentos ou muito espaço nem demandam a interrupção da atividade dos participantes. Eles ressaltam ainda que provavelmente poderiam obter resultados semelhantes com outros tipos de atividades, como marchar no mesmo lugar ou dançar.
“Esse estudo é muito relevante, pois aponta a possibilidade de melhorar a qualidade do sono através de uma simples mudança no comportamento e nos abre portas para reavaliarmos as diretrizes existentes sobre atividades físicas antes de dormir, oferecendo uma nova perspectiva que poderia ser integrada em estratégias de prevenção de doenças e promoção de saúde pública”, opina o médico do esporte e ortopedista Thiago Viana, membro da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) e da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT).
Além de o sono ser essencial para a saúde como um todo, o médico chama atenção para o fato de que o achado pode ajudar a solucionar a questão do sedentarismo prolongado, que é um problema crescente na nossa sociedade e já foi associado a doenças como diabetes e males cardiovasculares. Ele lembra que o hábito de ficar parado acaba sendo mais pronunciado no período noturno.
Utilizar o período noturno para mexer o corpo pode ser uma boa opção sobretudo para quem é mais notívago ou não tem tempo durante o dia. “Os exercícios de moderada e leve intensidade são os mais indicados para essas pessoas. E é importante lembrar que as atividades físicas, mesmo quando praticadas à noite, podem ajudar a ‘acalmar a mente’ de quem sofre com ansiedade e depressão e a melhorar distúrbios do sono, como apneia obstrutiva do sono, insônia e distúrbios do movimento”, diz Erika Treptow, pneumologista do Instituto do Sono que tem pós-doutorado no Departamento de Clínica, Sono e Fisiologia do Exercício do Hospital Albert Michallon do Centre Hospitalier Universitaire de Grenoble, na França.
Modalidades que trabalham a flexibilidade, a mobilidade e a respiração, como ioga e tai chi chuan, são particularmente bem-vindas depois que o sol se põe, já que ajudam a relaxar o corpo e a mente e promovem um estado de tranquilidade que influencia de maneira favorável no sono.
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Moderação é essencial
Apesar de a prática de exercícios feitos da maneira correta à noite ser uma opção para ajudar a melhorar o repouso, há razões para os especialistas fazerem ressalvas quanto à malhação noturna. “Atividades como treinamentos intervalados de alta intensidade, conhecidos como HIIT, e levantamento de peso, entre outros, podem elevar significativamente a frequência cardíaca e a temperatura corporal, prejudicando o descanso”, diz Viana. “Além disso, elas podem interferir no ritmo circadiano do indivíduo, o mecanismo que permite ao organismo se adaptar à luz e à escuridão, que é fundamental para a regulação do sono.”
Realizar atividades intensas à noite ainda é capaz de aumentar a atividade neurológica. “Tudo isso pode indicar ao organismo que é o momento de ficar alerta, o que pode levar a um atraso no início do sono e um padrão de descanso mais fragmentado, com aumento dos despertares”, descreve Treptow.
Não existe um intervalo ideal entre suar a camisa e ir para a cama estabelecido pela medicina. “Diversos estudos recomendam não se exercitar nos 90 minutos que antecedem o sono. Entretanto, outros afirmam que praticar atividades físicas nas quatro horas anteriores ao descanso pode ser prejudicial”, conta a médica.
O que se sabe é que essa resposta varia muito de pessoa para pessoa e fatores como idade, sexo, cronotipo (preferência do horário de dormir), tipo de exercício e consistência influenciam na maneira como cada um responde à malhação no período noturno. Por isso, é importante que cada um avalie como seu corpo reage. “Mas, para evitar problemas, o recomendado é esperar entre uma e duas horas após os exercícios para se deitar”, recomenda Viana.
Outras atitudes são válidas para ajudar a garantir a qualidade do sono, como tomar um banho quente, ler um livro interessante, ouvir uma música relaxante, fazer uma refeição leve à noite, deitar-se todos os dias no mesmo horário (o que ajuda a regular o relógio biológico), reduzir a exposição a telas brilhantes pelo menos uma hora antes de dormir e evitar tomar café após o almoço.