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Obesidade deve ser vista como problema de saúde pública

Taxação de produtos ultraprocessados e educação nutricional são recursos para combater a doença

Por Ocimara Balmant e Fernando Beagá

Mais da metade da população brasileira está com sobrepeso. Projeções indicam que, em 2030, cerca de 30% dos brasileiros serão obesos. Apesar de classificada como doença – já recebeu inclusive um CID pela Organização Mundial da Saúde –, a obesidade continua sendo tratada como um problema individual. Uma abordagem que, de certa forma, isenta ações governamentais, mas que custa muito caro ao indivíduo e ao sistema de saúde, ressaltaram especialistas durante o Summit Saúde & Bem-estar 2023, evento promovido pelo Estadão, com transmissão online.

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“A obesidade é a base inflamatória, oxidativa, que leva a uma série de alterações metabólicas e que contribui para o desenvolvimento das doenças que mais matam a população brasileira e mundial, que são as cardiovasculares e o câncer”, afirma Nágila Raquel Teixeira Damasceno, professora associada do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

Para os especialistas, reverter esse cenário implica traçar uma abordagem preventiva e interdisciplinar que parta do pressuposto de que o excesso de peso não é uma escolha.

“Existe uma pressão no sentido de que você fez as suas escolhas erradas, você não tem energia suficiente para mudar a sua vida, quando não é tão simples assim”, observa Nágila. “Muitas vezes, a pessoa busca um nutricionista, um profissional de educação física, uma meditação e, mesmo assim, não resolve. Porque esses profissionais isolados são insuficientes para tratar uma doença tão complexa quanto a obesidade.”

Isso ocorre porque todas as atitudes acima se relacionam à prevenção da obesidade. Comer bem, exercitar-se regularmente e cuidar da saúde mental evitam que o ponteiro da balança suba. No entanto, podem não ser suficientes para fazer sumir os quilos extras.

Para ajudar na melhora da alimentação da população, é preciso garantir subsídio à agricultura familiar e a exoneração de impostos dos alimentos in natura, além de aumentar a taxação sobre itens ultraprocessados, defendem especialistas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Dizer a uma pessoa com obesidade para melhorar a alimentação e fazer exercícios físicos é a mesma coisa que dizer para alguém sangrando que é para evitar facas”, compara Bruno Halpern, endocrinologista e presidente da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica. “As razões pelas quais é difícil perder peso são biológicas, além de comportamentais.”

Dessa forma, o tratamento medicamentoso é, por vezes, necessário. Mas, segundo Halpern, não tem sido oferecido. “Faltam políticas de tratamento de obesidade dentro do nosso país.” O endocrinologista cita um artigo publicado recentemente no periódico de saúde New England que atribui 57% das doenças cardiovasculares e 30% das mortes do mundo a cinco fatores: tabagismo, hipertensão, diabetes, colesterol e obesidade.

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“Para quatro desses você tem tratamento disponível no SUS. O único que não tem nenhuma linha de cuidado é a obesidade, porque tem aquela ideia do estigma”, diz Halpern. “Então, precisamos trabalhar para ter medicamentos disponíveis no SUS. E aí um ponto importante – lembrar que não é remédio para emagrecer, é remédio para tratar a obesidade, que é uma coisa completamente diferente.”

O médico também lembra que a cirurgia bariátrica pode ser feita no SUS, mas é para situações muito específicas e o sistema não oferece, por exemplo, vitaminas para o pós-operatório.

Os produtos ultraprocessados

Ao mesmo tempo em que o tratamento da obesidade não chega à população que depende do sistema público, é nessa mesma parcela da sociedade que mais cresce o porcentual de pessoas com excesso de peso. E boa parte da explicação está na qualidade do que é ingerido.

A alimentação dos mais pobres é tão ruim que obesidade e desnutrição deixaram de ser contraditórias. Tanto no Brasil como em outros países, como os Estados Unidos, cresce o porcentual de obesos com carência de nutrientes importantes para o organismo.

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No prato, em vez dos alimentos in natura, estão os ultraprocessados – ricos em sódio, açúcar e gorduras saturadas, e pobres em fibras, proteínas e vários micronutrientes. Entretanto, esses produtos são mais baratos e alardeados pelo lobby das grandes indústrias, como explica a nutricionista Maria Alvim, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens-USP). “Não é uma batalha fácil, mas acho que a gente pode beber muito da água que bebemos quando se pensou em política para diminuir o tabagismo.”

Entre as alternativas para diminuir o consumo de ultraprocessados, Maria cita a taxação desses produtos e a rotulagem frontal de advertência – medida que chegou ao Brasil após pressão da sociedade civil e que determina que seja destacado, no rótulo, que aquele alimento é rico em gordura trans, açúcar ou sódio, por exemplo.

Também entram na lista políticas mais institucionalizadas, como o subsídio à agricultura familiar e a exoneração de impostos dos alimentos in natura, além de legislações locais que já proíbem ultraprocessados dentro de escolas.

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“Sou a favor de certa radicalidade, de proibir os ultraprocessados em alguns espaços estratégicos, proibir propaganda, principalmente para a criança, porque elas têm muito menos autonomia nas escolhas”, completa a nutricionista.

Educação nutricional

A longo prazo, diminuir o número de obesos demanda um processo educacional que perpassa toda a vida. “Quando a gente tem que se preocupar? Desde o momento da concepção até o último dia da nossa vida”, diz Nágila Damasceno, da USP.

Na primeira infância, cabe à família cuidar da qualidade do alimento. Uma criança de até 4 anos, explica Nágila, não precisa ter nenhuma de suas preparações adoçadas e o consumo de frutas deve ser estimulado in natura, e não na forma de sucos. “A fruta estimula a mastigação. Um bebê que come frutas e legumes al dente vai ter a musculatura fortalecida e articular as palavras de maneira muito mais correta e mais precocemente do que uma criança que come papinha.”

A partir da idade escolar, a formação precisa vir também dos educadores. Nesse sentido, um programa bem-sucedido é o Peduca, parceria da Faculdade de Saúde Pública da USP com a secretaria paulista de Educação. A iniciativa atinge 5.600 escolas estaduais e prevê a formação dos educadores sobre alimentação saudável, para auxiliar na construção de propostas pedagógicas sobre o tema.

“O professor capacitado passa a ter elementos cientificamente fundamentados para falar com seu aluno”, afirma Nágila. “Dá para ensinar a ler rotulagem alimentar e fazer continhas numa aula de matemática; falar de sustentabilidade e aproveitamento integral numa gincana entre adolescentes. Então, de maneira intrínseca, você vai permeando a educação nutricional em todas as matérias.”

‘É preciso trazer para o dia a dia a comida de verdade’

Brasileiros estão vivendo mais. Mas estão vivendo melhor? São preocupantes os índices nacionais de obesidade, ansiedade, diabetes e doenças cardiovasculares. Esse questionamento contempla um conceito mais qualitativo do que o de expectativa de vida: o tempo de vida saudável. Viver melhor é prolongar ao máximo o período de existência livre de doenças e limitações, segundo a nutricionista Alessandra Feltre, que palestrou em um TED Talks, durante o Summit.

Para tanto, além de bons hábitos como atividade física frequente e sono de qualidade, a alimentação é a chave para alcançar a chamada longevidade ótima. “Para ter mais energia e proteger o organismo, é preciso trazer para o dia a dia a comida de verdade – colorida, nutritiva, cheia de fibras, vitaminas, minerais”, diz Feltre.

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A alimentação saudável, segundo a nutricionista, contribui para a produção de ácidos graxos de cadeia curta, substâncias responsáveis por manter íntegra a barreira intestinal, que tem influência no sistema imunológico e, consequentemente, evita processos inflamatórios e doenças crônicas.

Empresas também podem ajudar a promover bem-estar

A população economicamente ativa passa a maior parte do tempo trabalhando, e o que ocorre durante a atividade (de bom ou ruim) reflete na saúde dessas pessoas. Em 2022, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) concedeu auxílio-doença por transtornos mentais – como ansiedade e depressão – a quase 210 mil pessoas.

O número justifica a preocupação das empresas em promover ambientes sadios e oferecer benefícios que, de fato, proporcionem o bem-estar. “Olhamos essa questão sob quatro pilares: saúde física, mental, equilíbrio financeiro e relações humanas, buscando alinhar os propósitos individuais com os valores da empresa”, conta Luiz Sergio Vieira, CEO da EY Brasil.

Marcos Zavanella, presidente e CEO da Schaeffler América do Sul, conta que o investimento da empresa em saúde preventiva vem trazendo bons resultados. “Temos uma equipe médica disponível para todos os funcionários, para que cheguem bem de manhã e saiam nas mesmas condições. E temos uma atenção especial para o líder de equipe perceber os sinais de que algo não está bem com o funcionário.”

A promoção de uma agenda de diversidade e inclusão gera um ambiente de respeito e, consequentemente, mais seguro, acredita o CEO da UnitedHealth Group no Brasil, Ricardo Bottas. “A organização tem que ter ferramentas e, principalmente, senso de urgência para atuar em ambientes potencialmente tóxicos.”

Estimular atividades de voluntariado e o autocuidado (alimentação saudável, atividade física) e manter uma escuta ativa são medidas importantes para a saúde ocupacional. “Nossa preocupação é a prevenção, buscando os primeiros sinais em que podemos atuar na busca do equilíbrio profissional e pessoal”, diz Zavanella.

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