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Água do Rio Pinheiros é avaliada como ‘péssima’ e Tietê tem melhora, diz estudo

Balanço é feito pela entidade SOS Mata Atlântica; governo paulista diz que os critérios usados pela entidade são diferentes da metodologia adotada pela Cetesb

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Por Caio Possati
Atualização:

Estudo feito pela SOS Mata Atlântica classificou a qualidade da água do Rio Pinheiros, em pontos monitorados na cidade de São Paulo ao longo de 2023, como “péssima”, ao passo que parte curso do Rio Tietê, que passa pela divisa da capital paulista com Guarulhos, apresentou melhora e passou do nível “ruim” para “regular”.

As classificações integram a edição de 2024 da pesquisa O Retrato da Qualidade da Água nas Bacias Hidrográficas da Mata Atlântica, do programa Observando os Rios, da SOS Mata Atlântica, e que será lançado nesta sexta-feira, 22, no Dia Mundial da Água.

Registro de acúmulo de lixo próximo ao Rio Tietê, na altura da Ponte dos Nordestinos, próximo à cidade de Guarulhos.  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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O governo diz que a qualidade da água tem melhorado com ações do programa IntegraTietê, que inclui as ações para o Pinheiros, e afirma que os critérios usados pela SOS Mata Atlântica são diferentes da metodologia adotada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), o que pode gerar diferenças nos resultados.

Apesar de o governo paulista ter injetado bilhões de reais em programas para despoluir o Rio Pinheiros nos últimos anos, os resultados encontrados que indicam qualidade péssima não surpreendem, segundo o geógrafo Gustavo Veronesi, coordenador do programa Observando os Rios.

“Não se pode adotar um discurso de que o rio vai ficar limpo, maravilhoso, porque é um rio que está sofrendo há décadas, com despejo de restos industriais, domésticos, lixo. Não é de uma hora para outra que vai melhorar, sobretudo em uma cidade como São Paulo”, afirma.

Como referência, ele cita o projeto de despoluição do Rio Tâmisa, em Londres, que inspirou o programa de despoluição do Rio Tietê. O processo, segundo ele, durou cerca de 70 anos para ser concluído.

“Tratamento de esgoto e obras de saneamento não podem ser só um projeto, tem de ter manutenção, continuidade. A cidade cresce e as demandas aumentam. É como uma ponte: se não cuidar, vai cair”, diz. “Saneamento não é projeto, é processo. E é pra sempre”.

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A respeito do Rio Tietê, os pesquisadores destacam a melhora da qualidade da água em um ponto específico do rio: a parte do curso entre Guarulhos, na região metropolitana, e a capital. Veronesi atribui a melhora a obras de tratamento de esgoto na região.

“Presumimos que essas obras tenham melhorado a qualidade da água no ponto da divisa de São Paulo com Guarulhos, no extremo leste da cidade de São Paulo”, afirma.

No entanto, ele afirma que essa melhora não reverbera nas águas do rio quando o Tietê passa pela capital. “Aqui, em São Paulo, uma série de rios, como Itacoatiara e Aricanduva, começam a levar para o Tietê a carga de esgoto que recebem”, explica.

Qualidade da água do Rio Tietê melhora, mas ainda não é considerada boa Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Como é feita a avaliação?

A pesquisa apresenta o cenário da qualidade da água em bacias hidrográficas da Mata Atlântica, apresentada por meio do Índice de Qualidade da Água (IQA). Esse cálculo é feito com base na pontuação (uma espécie de nota) dada para alguns indicadores físicos, químicos e biológicos que aparecem na amostra e que apontam para o estado da água do ponto monitorado.

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O material foi colhido e analisado mensalmente ao longo de 2023. Segundo a SOS Mata Atlântica,174 pontos de 129 rios e corpos d’água foram monitorados, totalizando 1.101 análises. A pesquisa abrange 80 municípios de 16 Estados onde existe a cobertura do bioma.

As classificações utilizadas pelo estudo são: ótima, boa, regular, ruim e péssima. Cada amostra monitorada recebe pontuação de 1 a 3 (quanto maior, melhor) para cada parâmetro analisado.

Entre esses indicadores, estão a presença de animais; turbidez e transparência da água; lixo flutuante, presença de vermes, espumas, coliformes, cheiro, temperatura da água comparada com a temperatura ambiente, entre outros. Há também parâmetros bioquímicos, nos quais são calculadas as quantidades de oxigênio dissolvido, nitrato, fosfatos, e pH da água, entre outros.

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Feita a análise, os avaliadores atribuem a nota e a soma final indica a classificação. Para o IQA de um rio ou córrego ter avaliação Ótima, é preciso que a soma fique acima de 40,1 pontos; Boa; entre 35,1 e 40; Regular, 26,1 e 35; Ruim, 20,1 e 26; e Péssima, igual ou abaixo de 20 pontos.

O IQA da água do Rio Pinheiros, monitorada a partir da Ponte do Jaguaré, por exemplo, foi classificado como péssimo porque a média final do índice de qualidade da água foi de 18 pontos.

Melhoras tímidas

O estudo apontou que a água dos rios e córregos da Mata Atlântica, em geral, melhorou ante as medições feitas em 2022. No ano passado, há avanço tímido na preservação dos recursos hídricos, com aumento de IQAs Bons e Regulares, e diminuição dos rios com água de qualidade considerada Ruim.

De todas as amostras, 8% apresentaram qualidade “Boa”, aumento em comparação com avaliação anterior de 2022, quando 6,9% tiveram essa classificação; e 77%, atingiram o índice regular (aumento de 2% em relação à última medição).

A melhora também pôde ser percebida pela queda da quantidade de rios com qualidade considerada Ruim. Em 2022, esse índice foi de 16,1% e, no balanço mais recente, 12,1%

A situação, porém, ainda está longe de ser a ideal. Em nenhum dos pontos analisados, por exemplo, o IQA chegou a alcançar pontuação de um índice considerado ótimo. E a quantidade de locais onde a amostra coletada apontou qualidade péssima aumentou de 1,9%, para 2,9%.

Pinheiros não vai se recuperar tão rápido, diz especialista

As medições da SOS Mata Atlântica no Rio Pinheiros foram feitas na ponte João Dias, em Santo Amaro, e nas pontes Cidade Jardim e Jaguaré, localizadas em bairros homônimos. Os IQAs encontrados para os locais monitorados foram, respectivamente, 19, 19 e 18 - todos abaixo dos dados do relatório apresentado em 2023, onde os índices foram 20, 20 e 19 das coletas feitas em 2022.

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Para Gustavo Veronesi, o Pinheiros não deve ter recuperação tão rápida como muitos esperam, apesar da injeção bilionária de recursos aplicados pelo Estado em obras para revitalizar os 25 quilômetros do curso de água.

“Não dá pra resolver um problema de um século em um mandato de quatro anos.”, diz Veronese. A despoluição do Pinheiros foi uma das bandeiras do ex-chefe do Executivo paulista João Doria (então no PSDB). Tarcísio de Freitas (Republicanos) prometeu manter as ações nesse sentido e direcionar verba também para a recuperação do Tietê, tarefa ainda mais complexa.

Os investimentos previstos para a revitalização é de R$ 1,7 bilhão, com financiamento de R$ 1 bilhão do Banco Mundial. A meta é transformar o rio em um lugar onde seja possível a vida aquática, e que haja bem-estar dos frequentadores do Parque Linear Bruno Covas, onde funcionam ciclovias às margens do Pinheiros.

A gestão Tarcísio lançou em 2023 o programa IntegraTietê (que inclui antigos programas como o Projeto Tietê, Renasce Tietê e Novo Rio Pinheiros), para intensificar as ações de despoluição dos rios e corpos d’água do Estado. “Por meio das ações, já foi possível remover, até dezembro de 2023, o maior volume de sedimentos dos rios Tietê e Pinheiros desde 2015 – cerca de 1,16 milhão de m³”, diz o governo, em nota.

A água do Rio Pinheiros, em São Paulo, foi classificada como péssima pela SOS Mata Atlântica.  Foto: Felipe Rau/Estadão

“Vai melhorar, mas precisa que os tomadores de decisão e o poder público tenham a ciência de que o trabalho de despoluição deve ser contínuo e não pode ser abandonado”, afirma o coordenador do programa Observando os Rios.

“Aqui temos o desafio também de 10% da população brasileira morar na região metropolitana de São Paulo”, acrescenta.

Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística disse que não teve acesso ao relatório da SOS Mata Atlântica nem aos pontos de medição usados pela entidade. A pasta afirma que os dados do período de 2020-2023 usados na gestão “evidenciam melhora do Índice de Qualidade das Águas” e diz que houve redução de 90% matéria orgânica entre 2022 e 2023 no ponto situado na Usina São Paulo.

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A Semil diz que o relatório produzido pela ONG adota critérios diferentes dos utilizados pela Companhia Ambiental do Estado (Cetesb), como número de variáveis, tipos de parâmetros e metodologia de cálculo, “fatores que podem refletir em classificações distintas de faixas de qualidade”.

O parâmetro usado pela Cetesb, segundo a pasta, é o Carbono Orgânico Total (COT), utilizado na avaliação das redes de monitoramento pela companhia ambiental há 10 anos .

Ainda conforme o governo, o ano de 2023 foi encerrado com total de 3.961.932 domicílios encaminhados para tratamento de esgoto até dezembro, e que a atual gestão investiu R$ 296 milhões no desassoreamento de 25 km de leito do Pinheiros, entre o Rio Tietê e o canal da represa Guarapiranga.

“As máquinas removeram 443 mil m³ de sedimentos, o maior volume desde 2012, equivalente à carga de 34 mil caminhões basculantes, além da retirada de 35,6 mil toneladas de lixo do rio Pinheiros. O investimento total do programa é de R$ 5,6 bilhões”, afirmou a Semil no comunicado.

Rio Tietê melhora na divisa da capital com Guarulhos

O estudo, por outro lado, destaca a melhora da água em um dos pontos monitorados do Rio Tietê, o maior do Estado de São Paulo, com 1,1 mil quilômetros de extensão.

Em Guarulhos, na divisa com a capital, a água coletada no bairro Jardim Arujá apresentou média de IQA de 28 (Regular) - as medições, porém, não foram feitas após o mês de maio de 2023. O índice anterior para este mesmo ponto, com base nas coletas de 2022, foi de 26, pontuação que enquadrou a qualidade da água como ruim na época.

“Presumimos que as obras que algumas obras de saneamento e tratamento de esgoto foram finalizadas e tenham melhorado a qualidade da água no ponto da divisa de São Paulo com Guarulhos, no extremo leste da capital”, diz Veronese.

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A SOS Mata Atlântica monitorou, ao todo, 15 pontos do Tietê no Estado, incluindo a capital. Contando com a coleta de Guarulhos, os resultados encontrados mostraram que 8 pontos apresentaram IQA de nível regular; 2 locais, boa; 5, ruim e em um único ponto monitorado, em Barueri, a qualidade da água do rio foi considerada péssima.

Dos cinco pontos ruins no Estado, um deles está na capital, no ponto monitorado em Santana. Veronesi explica que a água encontrada em Guarulhos já volta a perder a qualidade quando se aproxima da Ponta das Bandeiras, onde houve a coleta na cidade de São Paulo.

Governo de São Paulo diz que houve queda de 29,3% na concentração de matéria orgânica no Tietê.  Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Não dá para só pensar somente o rio. Tem que olhar a bacia como um todo”, destaca ele.

A secretaria de Ambiente diz, em comunicado, que em 2023 “monitorou o rio Tietê em 16 pontos ao longo de toda a sua extensão, desde o trecho mais próximo da sua nascente, em Biritiba-Mirim, no Alto Tietê, até próximo da sua foz, no Baixo Tietê, em Itapura”.

Segundo o governo, a Cetesb dispõe de quatro estações automáticas para monitoramento em Mogi das Cruzes, em Pirapora-Rasgão, Itu e Laranjal Paulista, onde a qualidade da água a é analisada “a cada 5 minutos para os parâmetros Oxigênio Dissolvido, pH, Turbidez, Condutividade Elétrica e Temperatura”.

“Os dados gerais de monitoramento no rio mostram estabilidade no período de 2022-2023 na carga de COT, no ponto de saída da calha do Rio - Reservatório Edgard Souza - e melhor concentração nos afluentes, com queda de 29,3% na concentração de matéria orgânica”, afirma o governo.

Córrego do Sapateiro

Veronese lamentou também o recuo na qualidade na nascente do Córrego do Sapateiro - que passa pelo Parque Ibirapuera -, que apresentou IQA de qualidade boa nas medições de 2022, reveladas no ano passado, mas voltou a piorar neste novo levantamento.

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Ele explica que a melhora de dois anos atrás está associada à mobilização da comunidade no entorno do rio e com ações da Prefeitura. Mas diz que, desta vez, não teve informações de que os cuidados com a nascente foram continuados, tanto pelo poder público como pelos moradores locais.

“Isso evidencia que o envolvimento da sociedade é importante para a qualidade do rio local, e que esse cuidado tem que ser constante. É algo que tem que acontecer pra sempre porque poluir é muito mais rápido do que despoluir”, diz.

Sobre o córrego do Sapateiro, a Sabesp diz que “os resultados de monitoramento se mantêm dentro da meta de despoluição do programa”. “É importante salientar que a recuperação de um córrego urbano não se resume à remoção de esgoto, já que ele recebe grande carga de poluição difusa”, como resíduos diversos lançados pela população ou pelas chuvas, como restos de asfalto, combustíveis, graxas de veículos e lixo.

A Sabesp diz também que executa, junto com a Prefeitura, o programa Córrego Limpo, que despoluiu “161 córregos urbanos desde 2007″.

Já a Prefeitura, também em nota, afirma que os serviços de zeladoria e limpeza no local “são feitos regularmente”, e que a gestão municipal prepara a construção de dois reservatórios na bacia do córrego para melhorar o sistema de drenagem na região.

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