Jalapão: o que fazer, dos fervedouros ao pôr do sol

Confira dicas para aproveitar a região, que ganhou fama depois da novela ‘O Outro Lado do Paraíso’, em 2017

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Foto do author Ana Lourenço
Por Ana Lourenço

Barulho de vento e pássaros; horizontes infinitos; cores vibrantes no céu; cheiro de mato no ar. Que o meu perfil de viajante era voltado para o ecoturismo, disso eu tinha certeza. Mas será que o que eu buscava para a minha viagem de férias ideal estaria no meio do cerrado? Bastou estudar um pouquinho sobre o Jalapão para eu ter certeza que sim.

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Muito mais do que ver paisagens deslumbrantes, aproveitar um dia nos fervedouros, se deliciar com uma porção de frutas da região e poder ir do perfil ‘relax’ para o aventureiro a cada parada, o Jalapão encanta por sua simplicidade. Não é um lugar com luxos ou sofisticação. O que mais surpreende é justamente a sua beleza natural, quase intocada pelo homem - daí o apelido “Jalapão Bruto”. Algo que é até facilitado pela sua falta de acessibilidade e estruturas rústicas, mas que também tem muito peso com a questão do turismo.

“O turismo no Jalapão começou há cerca de 25 anos, mas somente com a novela da TV Globo, O Outro Lado do Paraíso, de 2017, que o lugar passou a ser considerado um ponto turístico de atenção no Brasil”, conta Jeová Ferreira Gonçalves, que foi meu guia durante a viagem.

Assim, não vemos quase nada de degradação causada pelo homem nos cenários naturais. E para que tudo continue assim, os visitantes são incentivados a cuidar do lugar. Cada um é responsável por seu próprio lixo: carregue uma sacolinha para descartar só quando estiver no lugar adequado. Além disso, a contaminação das águas de rios e fervedouros é outra preocupação. Para que elas sigam cristalinas, é proibido o uso de protetor-solar ou repelentes antes de entrar. “A água vem direto do lençol freático e é bem pura”, explica Jeová.

Depois de seis dias com uma rotina tão próxima à natureza, você percebe que é justamente esse rigor na visitação que faz do Jalapão um lugar tão especial. Mas não confunda as paisagens paradisíacas com a tranquilidade muitas vezes associadas a elas. A programação ali é intensa, e começa logo cedo, com trilhas off road, caminhadas e mergulhos.

Como planejar a viagem ao Jalapão

Um carro 4X4 é essencial para desbravar as areias fofas e as terras erodidas do local. E é por isso mesmo que será necessário paciência para enfrentar as horas e horas de estrada chacoalhando dentro da caminhonete. Encontrar algum comércio nesse trajeto é raridade, por isso, leve lanchinhos para o trajeto.

Contratar um guia é essencial - não apenas por eles terem os veículos adequados, mas também por conhecerem os melhores caminhos. Além de contarem as histórias e mitos de cada cantinho visitado, dar dicas de fotos e comidas, é obrigatório a presença de um profissional cadastrado para acessar determinados atrativos.

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Também, pelo conhecimento do local, eles sabem as melhores rotas nas estradas. Afinal o sinal de celular, GPS e wi-fi são precários, e podem deixar aqueles que viajam solo na mão. Jeová, que além de guia, nasceu na região, fazia questão de parar no meio da estrada, colher flores comestíveis e colocar a música regional como trilha sonora.

Jeová, seu grupo e a 'Pantera Negra', o 4x4 que nos acompanhou durante a viagem Foto: Ana Lourenço

Na maioria das vezes, no entanto, o carro vai cheio, por isso se estiver viajando em dupla, prepare-se para dividir a caminhonete com mais dois desconhecidos. No nosso caso, pela empresa Jalapão 3.0, fomos, eu e meu namorado, ao lado do oceanógrafo Luis Sérgio, de 28 anos, e sua mãe, Teresa dos Santos, de 61 anos - que depois se tornaram grandes amigos.

A opção é ótima, também, para quem não tem tempo de planejar uma viagem. Basta selecionar uma opção de roteiro e você fecha o contrato de tudo com a mesma empresa: hospedagem, alimentação, passeio, entradas e transporte. “Você paga pela comodidade”, resume Luis.

São vários pacotes oferecidos pelas diversas agências que lá atuam, normalmente variando de 3 a 10 dias de passeio. Mas de acordo com o nosso guia, o mínimo indicado são cinco. “Nesse período, você consegue vivenciar a cultura do Jalapão, menos que isso é muito corrido e você não conhece verdadeiramente o lugar.”

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A escolha do roteiro e da época fará total diferença para a sua viagem. Alguns fazem hospedagem fixa na cidade de Mateiros, e outras, como no nosso caso, seguem um curso que também passa por Ponte Alta e São Félix, com hospedagem em diferentes cidades. Assim, tudo é bem corrido, pois vamos pernoitando em diferentes cidades e sempre viajando ao longo dos dias. Na hora de fazer a mala, portanto, leve o mínimo, mas o necessário. Quanto mais fácil de organizar seus pertences, melhor.

Independente da época escolhida, seca (maio a setembro) ou chuvosa (de outubro a abril), o calor é constante na região - o que é ótimo para aproveitar a água dos fervedouros e cachoeiras. No entanto, as paisagens e até a presença de animais podem mudar. Em setembro, por exemplo, é a melhor época para ver os famosos capins-dourados.

O aproveitamento não será tão grande durante as férias escolares ou feriados prolongados, uma vez que algumas atrações têm limite de visitantes e podem lotar facilmente.

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Estrada de terra, chacolejos e belos cenários

A maioria dos roteiros saem da capital tocantinense, Palmas, logo cedo. Por isso é essencial planejar a ida para pelo menos um dia antes da viagem ao Jalapão. No nosso caso, Jeová e a Pantera Negra (apelido da nossa caminhonete 4x4) passaram para nos buscar às 7h da manhã de uma terça-feira e seguimos rumo a dentro por 240 km de estrada de terra, cheia de curvas e buracos. Ao chegar, tudo o que você mais quer é uma prova de que aquele passeio vale a pena, e não tem como não sentir isso ao ver o oásis cristalino que é a Lagoa do Japonês.

Ali, quem te recebe são os peixinhos piabas, que dão ‘mordidinhas’ em cada um que desce o deck de madeira e entra na lagoa. A cor da água - que vai de verde a azul, ao chegar mais perto de uma pequena gruta - permite que o viajante nade sem medo. Porém, é recomendado o uso de sapatilhas para água, a fim de proteger os pés de possíveis galhos e pedras no caminho. Também é interessante levar um óculos de mergulho para explorar debaixo d’água.

A lagoa é um dos poucos pontos turísticos que não tem tempo de permanência. Os fervedouros, por exemplo, têm tolerância máxima de 20 minutos - que passam voando. Já as outras, para garantir o sucesso da lista de tarefas do dia, também são limitadas. No primeiro dia, no entanto, o tempo é mais sossegado, e depois dali somente fazemos mais uma parada, já oficialmente dentro do Parque do Jalapão: a Pedra Furada.

Turistas assistem ao pôr do sol no mirante da Pedra Furada, em Ponte Alta do Tocantins Foto: Ana Lourenço

Depois de algumas horas de estrada e uma pequena trilha, chegamos a um cenário digno de filme, com rochas de arenitos de diversas camadas de cores - que revelam a idade avançada daquele lugar - e que parecem ter sido esculpidas à mão. Para além dela, uma visão ampla do cerrado tocantinense com a cereja do bolo: o pôr-do-sol mais lindo que você verá na vida. Assistimos ao espetáculo e eu, como uma boa paulista, aplaudi no final. Depois, paramos para jantar em um self-service improvisado que era na garagem de moradores da região. A comida tem bastante fritura e são poucas as opções vegetarianas (que é o meu caso), mas o bom e velho macarrão sempre salva.

Para quem quer um pouco mais de luxo, a empresa Korubo Expedições é uma boa pedida. Eles seguem o conceito de glamping (acampamento glamouroso) e oferecem um passeio no estilo safari, com caminhões adaptados.

As principais atrações do Jalapão

É impressionante a quantidade de cenários exuberantes que cabem nos 34 mil km² de conservação. Uma das vistas mais impressionantes é no Cânion Sussuapara, que consiste em paredões de aproximadamente 25 metros de profundidade que permite vermos as raízes das árvores e o interior das rochas.

O nome do local se dá pelo nome dos veados-galheiros que na língua tupi é “suçuapara” e que eram comuns no local. Reza a lenda que o local é encantado e quem vai até lá, tem direito a um pedido. Para isso, basta pegar uma das pedrinhas espalhadas pelo chão e depositá-la em alguma parte do paredão.

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As cachoeiras do Jalapão também são ponto de parada obrigatório. Especialmente a da Formiga. A queda d’água não é muito grande, mas o bom mesmo é aproveitar a água mais quente da piscina que se forma. Seu fundo contém areia calcária, o que dá a tonalidade azul-turquesa da água.

Assim como em outras atrações do Jalapão, a cachoeira está localizada em uma área particular e por isso é cobrado o ingresso de R$ 20 por pessoa. Além disso, desde setembro deste ano, é preciso de um voucher gratuito e digital que permita a entrada do visitante. A regra foi imposta pela Secretaria de Cultura e Turismo (Sectur) para controlar o fluxo de turistas. No entanto, a Sectur informou ao Estadão que o turista não será impedido de visitar os atrativos que estão sob a gestão estadual. Na portaria desses locais será possível fazer a solicitação do voucher e a contratação de um condutor para acessá-lo.

Ver araras faz parte do dia a dia no Jalapão. Essa, de tanto dar oi para os turistas recebeu um nome: Nina Foto: Ana Lourenço

Outro ponto imperdível são as Dunas do Jalapão. Um lugar com areias alaranjadas de 40 metros de altura que te fazem sentir em pleno deserto. Do lugar que se para o carro até o topo da duna, são cerca de 25 minutos de caminhada. Isso porque contornamos o paredão de areia para subir em uma espécie de morrinho e assim preservar a formação da areia.

É ideal que a visita seja programada para o fim da tarde, para que o pôr do sol intensifique a cor das areias e garanta o que provavelmente vai ser a foto mais bonita da viagem. Um cartão-postal.

A máquina também tem que estar preparada para uma das atrações mais conhecidas do Jalapão: os famosos fervedouros. Em resumo, são nascentes de água de rios subterrâneos, no qual o lençol freático exerce uma pressão para a superfície. Na prática, são piscinas naturais em que o banhista não afunda.

De fora, a imagem realmente é divina: a água azul-bebê e a areia branca se misturam com a vegetação de bananeiras, buritis e gramas que a circulam. Ao entrar, a temperatura da água confirma o apelido de oásis. Mas, por ser um lugar em meio a mata, as mutucas podem acabar com a tranquilidade dos banhistas.

É muito difícil explicar a sensação de entrar em um fervedouro. Ao mesmo tempo em que os primeiros passos se assemelham à sensação de pisar em areia movediça, para o meio do poço, você não encontra mais fundo e passa a ser “empurrado” pela água. Isso porque os fervedouros podem chegar até 70 metros de profundidade. Como não são muito grandes em diâmetro, a entrada de visitantes é controlada, normalmente no máximo dez pessoas por vez, com tempo de permanência de 20 minutos.

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Nas estradas, são horas que dirigimos sem ver nem uma alma pelo caminho, mas chegando nos fervedouros você descobre a quantidade de gente que está dividindo as férias com você.

Para conseguir driblar o pouco tempo que é permitido estar dentro dos fervedouros, uma boa saída é tentar se hospedar em uma das pousadas que contam com a atração. Nosso colega de viagem, o Luis, fez isso. “Desde o começo, era uma prioridade, para mim, ficar em um lugar com fervedouro. Eu queria muito ver como era de noite e também queria aproveitar mais tempo dentro d’água. Como me hospedei ali, sabia que não fechariam para mim”, conta ele que ficou no fervedouro Por Enquanto. “De manhã ou quando não tem muitos hóspedes, a água é outra. A areia fica bem baixa e é possível ver com muito mais nitidez”.

Já seguindo o caminho de volta para Palmas, nossa última parada foi na cidade de Taquaruçu, onde descobrimos o sentido da gíria “arrocha o buriti”. A expressão, que serve para incentivar uma ação, foi muito dita pelo nosso guia enquanto hesitamos em fazer ou não as atividades radicais da região. Uma tirolesa (R$ 120) de 1.300 metros de comprimento, a 180 metros do solo, em que se atinge até 60 km/h; um rapel (R$ 120) em plena Cachoeira do Roncador e um rafting (R$ 200) no Rio Novo com a equipe Natos Jalapão. Fiz todas e digo com firmeza que valem muito a pena.

Equipe de rafting no Rio do Sono Foto: Ana Lourenço

Jalapão: o que saber antes de viajar

  • O que levar?

Protetor solar, repelente e óculos de mergulho são essenciais. Uma máquina fotográfica que tire fotos submersas (como uma Go-Pro) também pode ser grande facilitadora para as fotos debaixo d’água. E, se possível, um carregador portátil para garantir bateria durante todo o dia. Não esqueça o “kit-farmácia” com os medicamentos mais usados e talvez um para enjoo (para aguentar as curvas da estrada). Leve produtos de higiene: sabonete, xampu e condicionador (nem todas as pousadas têm).

  • O que vestir?

Roupas bem leves para não ficar molhado depois de sair das atrações. Como as estradas são de terra, dificilmente os guias abrem as janelas, mas sim colocam ar-condicionado. Então um casaquinho e uma toalha são úteis. Roupas de banho serão muito usadas, assim como chinelo e tênis de trilha.

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  • Quanto custa viajar ao Jalapão?

A opção que fizemos, de 6 dias, durante a alta temporada - de maio a setembro -, custa, em média, R$ 3 mil reais por pessoa. O pacote inclui quase tudo, menos eventuais bebidas alcoólicas ou refrigerantes consumidos nos restaurantes.

  • O que não pode faltar em um roteiro pelo Jalapão?

Os famosos fervedouros são imperdíveis. Não só pela beleza única, mas pela diversão. O maior e mais conhecido é o Bela Vista (R$ 15), em São Félix. O mais bonito, na minha opinião, foi o do Buritizinho (R$ 15), em Mateiros, que diferente de todos os outros que são circulares, é um rastro comprido de cor azul-turquesa.

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