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Motivações patéticas

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Por Bruno Simões
Atualização:
"Exigir que o hambúrguer exibido no cartaz seja idêntico ao que é posto sobre o balcão é tolice. Resta ao eleitor contar com uma paixão sua menos desbragada, para descobrir nas entrelinhas das jogadas de marketing a verdade efetiva dos planos políticos" Foto: Gene J.Puskar/AP

Artigo publicado originalmente no Estadão Noite Nos estertores que acompanham as últimas cartadas do segundo turno, estamos travando contato diário com as manifestações mais disparatadas por parte das campanhas de ambos os candidatos, da imprensa em geral, bem como da população. Em vez da apresentação consistente de projetos, vemos uma irrefreável troca de acusações, apelando a uma irretocável imagem própria de honestidade e a um possivelmente intocável horizonte humano da ética, justamente num cenário de contínua divulgação de práticas de corrupção, de favorecimentos e financiamentos indevidos, de pouca ou nenhuma transparência e afins. Muito aquém da reportagem investigativa, o boato difundido por uma “fonte” insondável se torna crível, embora o desfecho pós-eleitoral da denúncia investigada não seja mais relevante, muito menos matéria de capa. Por fim, no lugar de um uso e verificação racionais das informações postadas nas redes sociais, tem-se a difamação permeada do ódio mais acachapante, em que blogueiros e seguidores parecem querer se armar para a batalha final.

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Em época de eleições presidenciais, talvez seja assim mesmo que as pessoas se comportem. Afinal, o destino de todos está em jogo, e ninguém gosta de perder. Por outro lado, quando são levadas em conta as proporções que esse voluntarismo ético adquiriu, ele não parece bem ajustado a uma realidade em que não apenas os políticos, mas muitos de nós brasileiros de uma maneira ou de outra praticamos e/ou somos vítimas de alguma “picaretagem” nos mares turvados do “jeitinho brasileiro”. A coisa simplesmente está entranhada no nosso proceder. E a conhecida expressão “macaco não olha o rabo” mostra-se mais do que nunca apropriada às atuais circunstâncias.

Embora tenha se tornado lugar-comum dizer que conhecemos a precariedade moral de nossos representantes, seria interessante acrescentar que a imagem do bom governante - impoluto em seus desígnios executivos - já não engana ninguém, e isso provavelmente porque, afinal, somos nós que não só sabemos como vivem os “gatos pardos” em Brasília como também acabamos de escolher os “novos” parlamentares. A eleição direta de apenas 36 deputados federais em relação aos outros 478 eleitos pela legenda ou pela surpreendente reeleição dos afamados congressistas conservadores (ou avacalhadores?) atestam que, independentemente dos méritos dos candidatos, nossas escolhas não andam lá muito certeiras. Além do desânimo com que todos têm ido às urnas, o diagnóstico, portanto, revela que não há motivos para esperar que nossas miras fiquem mais apuradas até a eleição final. 

Ao mesmo tempo, como avaliar o papel destrambelhado do marketing eleitoral completamente descompassado com o dia a dia do eleitor? Bendita seja a inventividade e beleza da arquitetura modernista erigida no Plano Piloto! Maldita seja a distopia que aquelas terras apartadas do mundo real têm criado sobre nossas vidas. Em grande medida, a polarização irracional que se desdobra nas últimas semanas entre eleitores de Aécio e de Dilma resulta de um trabalho “competente” e, sem dúvida, irresponsável de marqueteiros que, como se sabe, são pagos para vender o seu produto, sem nenhum compromisso.

Dadas as suas especializações profissionais, não é cabível exigir que publicitários acirrem menos os ânimos, sob pena de perder o cliente, que passou a ser percebido pela população como menos atrativo: se é a luta decisiva do bem contra o mal que se (des)configura sob o céu da justiça, então o melhor mesmo é excitar ainda mais as motivações mais patéticas do eleitor para que, despojado de qualquer raciocínio, tome uma decisão - não mais nos moldes amenos de uma propaganda de margarina, em que uma família feliz saboreava o prosaico café, ainda mais gostoso com o uso daquele produto especial, mas talvez mais parecida com uma das última febres televisivas brasileiras, as transmissões dos UFCs (Ultimate Fighting Championgship) e de Andersons Silvas da vida, prontos para tirar sangue e fraturar ossos do adversário.

Talvez seja no mínimo curioso considerar que, se por um lado a perda de confiança do eleitor e dos mercados não lhes permitem se animar com as “ofertas de mercado”, por outro as estratégias de marketing são cada vez mais eficazes quando voltadas para desqualificação do produto do concorrente/adversário (do que quando enaltecem os méritos próprios do seu produto). 

Ainda que Aécio e Dilma tentassem frisar que estavam lá - no debate entre surdo e mudo na Band - para discutir propostas, suas falas eram entremeadas de acusações graves, em que um mínimo de tempo para maior esclarecimento não existia ou não era usado. Passava-se por cima de denúncias escabrosas, como quem, patinando no gelo, dissesse ‘isso não vem ao caso...’, sem que o outro pudesse escutar, já que o patins ia em outra direção.

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Esperar que as coisas se apaziguem não só é ingênuo, como, para muitos, inapropriado. Exigir que o hambúrguer exibido no cartaz seja idêntico ao que é posto sobre o balcão é tolice. Resta ao eleitor contar com uma paixão sua menos desbragada, para descobrir nas entrelinhas das jogadas de marketing, repletas de cores, sons, sabores e odores fortes, a verdade efetiva (para citar Maquiavel) dos planos políticos, econômicos e sociais, entre tanto outros, escamoteados até agora. Se houver tempo.

* BRUNO SIMÕES É DOUTOR EM FILOSOFIA PELA USP E PROFESSOR DE PENSAMENTO CRÍTICO E ÉTICA DO INSPER

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