PUBLICIDADE

Dino avalia que governo Lula demorou para perceber gravidade das queimadas; leia bastidores

Decisão de ministro do STF sobre retirar despesas com combate a incêndio do arcabouço fiscal ajudou Executivo, mas muitos acham que magistrado quer agora definir políticas públicas

PUBLICIDADE

Foto do author Vera Rosa
Foto do author Guilherme Caetano
Atualização:

BRASÍLIA – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino avalia que o governo Luiz Inácio Lula da Silva demorou para perceber a gravidade das queimadas no País. Para o magistrado, porém, não seria necessário “grande esforço” para se chegar à conclusão de que “se vivencia um um dos maiores desastres ambientais dos últimos cem anos, devido à aceleração da degradação das condições climáticas do nosso Planeta.”

PUBLICIDADE

O diagnóstico consta de decisão dada por Dino no domingo, 15, quando ele autorizou o governo a abrir créditos extraordinários para combater os incêndios que se alastram pelo País, principalmente na Amazônia e no Pantanal.

Como antecipou o Estado, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública já pretendia retirar as despesas para o enfrentamento às queimadas do limite de gastos do arcabouço e da meta fiscal e só estava à espera de petição da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre o assunto.

O ministro do STF Flávio Dino acha que houve tratamento diferente do governo e do Congresso em relação à tragédia no Rio Grande do Sul e aos incêndios na Amazônia e no Pantanal. Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

Dino tem audiência nesta quinta-feira, 19, pela manhã, com representantes dos governos de dez Estados para verificar o cumprimento das medidas emergenciais determinadas pelo STF, em março, a fim de combater o fogo que se alastra pelo País.

À tarde, governadores do Pará, Goiás, Mato Grosso, Amazonas, Acre, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Roraima e Distrito Federal, além dos vice-governadores de Rondônia e do Amapá, vão se reunir com o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, para discutir um programa de resposta rápida aos incêndios.

Lula enviou ao Congresso Medida Provisória para a liberação de crédito extraordinário de R$ 514 milhões, valor destinado ao combate às queimadas. Nesta terça-feira, 17, em reunião com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do STF, Luís Roberto Barroso, ele também anunciou que encaminhará ao Legislativo proposta para elevar as penas de quem põe fogo em florestas.

Lula vai usar discurso na ONU para pedir proteção à Amazônia

Pesquisas em poder do Palácio do Planalto mostram que a imagem de Lula vem sofrendo desgaste por causa das queimadas. Em Nova York, o presidente usará o discurso de abertura da 79.ª Assembleia Geral das Organização das Nações Unidas (ONU), na semana que vem, para destacar a necessidade de proteger a Amazônia.

Publicidade

Embora a decisão de Dino sobre crédito extraordinário tenha representado uma tábua de salvação fiscal para o Executivo, setores do governo vêm se queixando do “ativismo” do magistrado na definição de políticas públicas. O ministro não responde às críticas.

Onça pintada teve patas queimadas em incêndio no Pantanal Foto: Reprodução/Decisão STF

Em conversas reservadas, integrantes do primeiro escalão dizem, por exemplo, que nunca viram fotos coloridas em decisão judicial. Tudo porque no domingo, 15, Dino anexou em sua sentença imagens da tragédia no Pantanal e na Amazônia. Uma delas mostrava as patas de uma onça pintada em carne viva, por causa do fogo.

Logo que o ministro deu seu primeiro despacho, no qual fixou prazo de 15 dias para o Executivo intensificar o combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia e determinou o envio de agentes das Forças Armadas, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Força Nacional para a região, houve perplexidade na Esplanada.

A titular do Meio Ambiente, Marina Silva, chegou a dizer que o governo já estava trabalhando nessa direção, com ações de prevenção desde 2023, mas a seca chegou antes.

Marina observou, nos últimos dias, que as providências são ajustadas “o tempo todo” e viu ação criminosa por trás dos incêndios. Para ela, há “terrorismo climático” no Brasil. “Quando você tem uma situação em que sabe que colocar fogo é como se estivesse acionando um barril, ou um paiol de pólvora, isso é uma intenção criminosa”, argumentou.

Na reunião desta terça-feira, Lula também disse que “alguns setores” tentavam “criar confusão” no País, numa referência a aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Mesmo assim, admitiu que o Brasil não estava preparado para cuidar de eventos climáticos extremos. “O que estamos percebendo, depois do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, é que a natureza resolveu mostrar suas garras”, afirmou Lula.

Publicidade

A discrepância no tratamento dado pelo Congresso e pelo Planalto às enchentes do Rio Grande do Sul e aos incêndios que atingem quase 60% do território nacional têm incomodado Dino.

Interlocutores do ministro relataram ao Estadão que ele viu muita diferença na atenção dada pelas autoridades à crise no Rio Grande do Sul, quando Executivo e Legislativo se mobilizaram para ajudar os desabrigados e reconstruir o Estado após a tempestade recorde.

O mesmo esforço, na visão de Dino, já deveria ter sido empregado contra o fogo que destrói florestas e intoxica cidades inteiras. Antes de se eleger senador, em 2022, e ser nomeado ministro da Justiça e Segurança de Lula, Dino governou por oito anos o Maranhão, Estado que integra a Amazônia Legal – região castigada por incêndios.

Ainda no domingo, o magistrado usou sua conta no Instagram para demonstrar a equivalência na gravidade dos episódios que abalaram o País neste ano.

Sob a legenda “A emergência climática em 2024″, ele publicou duas imagens: uma do cavalo Caramelo – animal que ficou ilhado em um telhado, na cidade de Canoas, e virou símbolo da resistência na calamidade do Rio Grande do Sul – e outra da onça pintada caminhando sobre a mata devastada pelo fogo. Dino também a apelidou de Caramelo, embora sua situação não tenha sido tão noticiada.

Na ocasião das enchentes no Sul, que deixaram quase 200 mortos e outras dezenas de desaparecidos, governo e Congresso logo articularam a liberação de crédito extraordinário de R$ 27,6 bilhões e apoio financeiro de R$ 5,1 mil para famílias desalojadas.

Além disso, Lula criou um ministério voltado exclusivamente para lidar com a crise, a Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, chefiada por Paulo Pimenta, entre outras ações.

Publicidade

Na terça e na quarta-feira da semana passada, porém, enquanto o País pegava fogo, deputados estavam engajados na discussão para anistiar condenados por participar da tentativa de golpe, em 8 de janeiro de 2023.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara só adiou para depois das eleições municipais a votação do projeto que muda as regras sobre punição a crimes contra o Estado por causa de sucessivas obstruções de aliados do governo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.