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Primeira criança do mundo a receber coquetel contra aids morre aos 24 anos

Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela e SOROCABA
Atualização:

A jovem mãe Luciane Aparecida Conceição, de 24 anos, considerada um símbolo de luta contra a aids por ter sido a primeira criança a receber o coquetel contra a doença em todo o mundo, morreu na madrugada de ontem, em Sorocaba, interior de São Paulo.Lu, como era conhecida, havia deixado de tomar os remédios e morreu das complicações decorrentes da ação do vírus HIV. Ela deixou a filha Vitória, de 4 anos, que nasceu totalmente isenta do vírus. O caso da mãe e filha teve repercussão internacional. Luciane, que faria 25 anos no próximo dia 23, estava internada havia três dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital. De acordo com a presidente do Grupo de Educação à Prevenção da Aids de Sorocaba (Gepaso), Lucila Magno, ela tomou uma decisão pessoal de não se tratar mais. Segundo familiares, desde o ano passado Lu não tomava mais o coquetel. "Ela não foi vencida pela doença, ela simplesmente desistiu de viver", disse Lucila. "A razão, nós não sabemos." A infectologista Rosana Paiva dos Anjos, que tratou de Lu desde bebê, estava abalada e não quis falar com a imprensa. "Para ela, a Lu era da família. Nos últimos meses, quantas vezes a doutora brigou com ela para que ela tomasse a medicação ", contou Lucila. Em janeiro deste ano, atacada por doenças oportunistas, Luciane permaneceu internada 21 dias. Nos meses seguintes, foram várias internações. "Ela vinha, tratava-se, levava os remédios para casa, mas não os tomava. Semanas depois, o marido voltava com ela. Ficava evidente que a Lu estava desistindo de viver." Amigos da família confidenciaram que ela enfrentava problemas no relacionamento. Durante uma das internações, o Conselho Tutelar esteve na casa dela e encontrou sua filha em condições precárias, na companhia do pai. A menina foi mandada para a casa de uma tia. Luciane morreu sem receber a indenização equivalente a mil salários mínimos que ganhou da Justiça, em ação movida contra o Estado em nome de sua mãe. O poder público recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a decisão final ainda não foi dada. Ela recebia uma pensão mensal de cinco salários mínimos. O corpo foi velado ontem e será sepultado hoje de manhã. O caso. A mãe de Luciane adquiriu a aids no oitavo mês de gravidez, ao receber sangue contaminado durante uma transfusão realizada no Conjunto Hospitalar de Sorocaba, mantido pelo Estado. A contaminação foi diagnosticada com rapidez, mas a doença tinha alto índice de letalidade. A mãe abandonou Luciane no hospital e morreu anos depois. A criança passou a receber cuidados do Grupo de Educação à Prevenção da Aids de Sorocaba (Gepaso). Na época, o uso do coquetel de antivirais contra a aids ainda não tinha sido testado em crianças, nem mesmo no exterior. A médica infectologista Rosana precisou recorrer à Justiça para ministrar os medicamentos a Luciane, já então com 8 anos. O caso foi relatado em revistas médicas. A menina, que já desenvolvera a doença e tinha expectativa de vida de poucos meses, reagiu aos efeitos da medicação. Lu recebeu alta do hospital e foi adotada por uma família da cidade. Com a evolução no controle da doença, Lu passou a ter uma vida normal, casou-se e engravidou. O tratamento manteve o vírus sob controle. Com os cuidados recebidos durante a gestação e o parto, a menina Vitória nasceu em 2008 sem qualquer resquício da doença. "Infelizmente, é uma minoria que morre por causa da interrupção do tratamento. Mas essa minoria é responsável por grande parte das mortes no País", diz o infectologista Ésper Kallas. Segundo ele, após 30 anos de epidemia, o HIV é uma condição crônica, mas só não morrem aqueles que tomam os remédios regularmente. O infectologista Caio Rosenthal entende que as pessoas abandondam o tratamento por causa de depressão ou por pertencem a grupos mais vulneráveis, como dependentes químicos. Alguns pacientes sofrem com a pressão dos efeitos colaterais, como deformações e alterações no nível de gordura no rosto e barriga. "Os efeitos colaterais hoje não se comparam aos de duas décadas atrás." / COLABOROU LUCIANO BOTTINI FILHO

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