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O economista José Serra escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Alegria na economia brasileira dura pouco

Tanto se fala nos gastos obrigatórios com saúde e educação, mas é no buraco negro das relações com o Congresso que está o grande elemento de instabilidade

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No início deste mês, era perceptível um clima de otimismo na economia. Expectativa de queda nos juros, inflação sob controle, emprego em crescimento, oportunidades de negócio em alta. E o mais importante, diversos anúncios de investimento divulgados por grandes empresas, de vários segmentos. Além disso, a receita da União vai conseguindo expressivos ganhos reais.

A realidade hoje é outra, bem diferente. A reversão parece ter começado nas desventuras governamentais na gestão da Petrobras, que quase produziram a queda do seu atual presidente. Na sequência, a proposta do Ministério da Fazenda de mudar a meta para as contas públicas, para 2025, de superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para zero, gerou grande descrédito sobre o novo arcabouço fiscal. Além disso, o crédito suplementar de R$ 15 bilhões para novos gastos, no Orçamento da União de 2024, soou como um passa-moleque no arcabouço fiscal, articulado entre o Executivo federal e o Congresso Nacional.

A reação do mercado financeiro foi de descrédito com a condução da política fiscal. O presidente do Banco Central apressou-se em afirmar que vacilos na política fiscal poderiam exigir mais da política monetária. Como resultado, a queda da taxa Selic a um dígito, menos que 10% ao ano, já enfrenta sérias dúvidas.

É um pouco estranho que uma piora tão grande nas expectativas seja explicada por uma mudança limitada nas metas fiscais. Então, temos de inserir o componente externo em nosso quebra-cabeças. O mundo está em conflito e isso atrapalha muito, por agudizar os temores de um confronto em larga escala que impacte o preço do petróleo. Vale notar que esse preço é tão essencial na economia brasileira que um aumento de 10% ampliaria o IPCA mensal em algo como 0,49%.

Os problemas externos não param por aí. O Federal Reserve (FED), que é o banco central dos Estados Unidos, tem sinalizado que o aquecimento da economia deve frear a trajetória de queda da taxa de juros básica da economia norte-americana. Os impactos sobre países emergentes são imediatos, dado que a taxa de juro alta torna os mercados especulativos muito mais inseguros para fundos e aplicadores. A saída de investimentos estrangeiros de US$ 30 bilhões da bolsa brasileira espelha este movimento externo, com uma pitada das dúvidas sobre a política econômica atual.

Diversos elementos deste contexto financeiro inserem questionamentos e inseguranças sobre a nossa economia. Juro americano em patamar elevado leva a uma fragilização das cotações das commodities, dado que todos os mercados de renda variável tendem a perder aplicadores. Isso afeta sobremaneira o Brasil, especialmente em produtos como a soja e o minério de ferro. Saída de capitais e perspectiva de redução de entradas de dólares por essa via representam tensão sobre a paridade cambial. O movimento de desvalorização do real deste mês tem esses aspectos bem concretos em sua explicação sob a ótica financeira.

Todas essas questões são relevantes, mas convenhamos que não têm poder para causar uma mudança de humores tão grande e repentina como a ocorrida. Indo mais a fundo na análise, é crucial notar que temos uma deterioração do cenário político em franco desenvolvimento.

O descompasso entre o Executivo e o Legislativo é evidente, para não falar dos destemperos com o Judiciário. As famigeradas pautas-bomba voltaram ao noticiário como elementos que podem dinamitar a capacidade do governo de gerir as contas públicas. As dificuldades no campo da elevação de receitas também são imensas. Seja porque os impactos da pandemia nos setores econômicos ainda se mostrem no balanço das empresas – vide setores aéreo, de turismo e de eventos –, seja porque questões como a desoneração da folha são muito mais profundas e complexas do que aparentam.

O orçamento secreto deu a senha para uma intervenção de grande magnitude nos gastos governamentais. O crescimento, ano a ano, do volume das emendas de parlamentar e a emergência de uma obrigatoriedade de execução, o caráter impositivo, deixam transparecer uma grande dificuldade do Executivo em manejar o Orçamento. Em verdade, tanto se fala nos gastos obrigatórios com saúde e educação, mas é aí, no buraco negro das relações com o Congresso, que está o grande elemento de instabilidade.

Mas não é só na despesa que reside o problema. O ativismo do Congresso em matéria tributária gerou uma espécie de fragmentação na condução da política fiscal. O governo federal, hoje, perdeu parte da iniciativa em matéria tributária para o Congresso. A tramitação das leis complementares da reforma tributária pode colocar ainda mais tensão nesse processo.

É um engano achar que a mudança de 0,5% do PIB na meta para o superávit seja o problema. É um mero sintoma. A verdade é que a percepção sobre as contas públicas é de que há uma fragilização da capacidade do Executivo de comandar a execução da política fiscal, seja pela via da arrecadação, seja em relação ao controle da despesa.

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ECONOMISTA

Opinião por José Serra

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